Condenado pela cor da pele: o caso Rafael Braga

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por Winnie de Campos Bueno.

Confesso para vocês queridas leitoras e leitores, que eu tenho tido muita dificuldade de escrever. A minha dificuldade de escrita reside no fato de que eu estou bastante cansada de escrever sobre tragédias que assolam a vida da população negra. Mais do que isso, estou cansada de falar, de escrever , de ler outras ativistas negras sobre e de perceber que a empatia e solidariedade da branquitude a respeito dessas questões ficar resumida a “shares” e “likes”.

Não passa um dia sem que eu seja assolada por alguma notícia absurda relacionada com a questão racial, nas mais variadas esferas. Notícias que vão desde a atuação racista e misógina de políticos brancos, ricos e engravatados em relação a roupa que uma vereadora oriunda dos movimentos de mulheres e negros utiliza para tomar posse até a condenação de um homem negro, também trabalhador, a 11 anos de prisão pelo motivo de ser um negro. E mesmo sabendo que escrever sobre isso não irá reduzir os efeitos do racismo anti-negro na vida da população preta brasileira, a pouca comoção a respeito desses fatos acaba me trazendo para frente do mesmo computador velho, lento e cansado, para escrever as mesmas coisas mais uma vez, de forma lenta e cansada.

A condenação de Rafael Braga Vieira, morador da Vila da Penha, no Rio de Janeiro, jovem negro que não era militante de um coletivo de esquerda, nem de um partido político, a 11 anos de prisão por crimes que ele não cometeu revela o quanto a vida da população negra é um ciclo infindável de supressão de direitos. Nós continuamos sendo tratados como coisas, semoventes; a condição de cidadania que nos foi prometida após o final da escravização nunca chegou – e tenho minhas dúvidas se um dia chegará.

Enquanto homens brancos que cometem ilícitos graves, comprovados, respondem em liberdade ou nem ao menos são processados pelos crimes que cometeram a população negra é encarcerada sem direito a defesa nenhuma, que dirá a ampla defesa. O sistema jurídico é organizado de forma que a cor da sua pele é meio de prova mais considerado do que a existência do ato em si. Todos sabemos que Rafael Braga nem ao menos estava envolvido com os protestos de 2013, todos sabemos que sua prisão foi resultante desses protestos, todos sabemos que o agravamento de sua pena se deu em razão de uma falácia. Tudo isso arranjado por um sistema que se baseia em criminalizar pessoas por sua cor, pelo seu local de origem e pelo seu gênero.

Sim, é preciso dizer que o fato de Rafael Braga ser um homem negro transforma ele automaticamente em um elemento suspeito, em uma ameaça. A consciência de que você está a todo momento com a sua liberdade em risco por ser um homem negro é algo que, por exemplo, nenhuma mulher branca irá experimentar em sua vida. Não importa o que você vista, não importa onde você ande, o fato de ser um homem negro é um aval para que as instituições jurídicas esqueçam da presunção de inocência. O princípio da presunção de inocência é destinado para os homens brancos. Para população negra o princípio é outro: é aquele que diz que você é culpado ainda que prove o contrário.

Desde 2013 organizações de Direitos Humanos têm tentado provar a inocência de Rafael Braga. Ações tímidas, silenciosas que pouco ou quase nada contam com apoio das grandes celebridades da esquerda brasileira. Rafael é vítima de um golpe, de um vilipêndio ao famigerado Estado Democrático de Direito. A diferença é que o golpe que foi desferido contra a vida de Rafael Braga se destina a mais uma vida negra. E quem se importa com as vidas negras, não é mesmo? Como diz a pensadora Sueli Carneiro: “entre esquerda e direita, continuo sendo preta”.

Meu inconformismo é com as consciências. Com as consciências brancas. As pessoas brancas, de esquerda, politicamente conscientes, muitas que participaram desses protestos, muitas que carregavam consigo coquetéis molotov, muitas que exerceram seu direito a manifestação e que sabem que o fizeram sabendo que mesmo que fossem apreendidas não ficariam detidas por muito mais do que 24 horas. Essas consciências que sabem que jamais serão vítimas do racismo estrutural, dos estereótipos violentos e previamente articulados para controlar corpos negros. Essas pessoas que se dizem defensoras da democracia, dos direitos humanos, da Constituição Federal. O que essas pessoas têm feito pelo desaparecimento de Amarildo? O que essas pessoas têm feito contra o aval que as polícias militares têm para arrastar corpos negros por ruas e vielas até a morte? O que essas pessoas têm feito para impedir que meninas negras sejam baleadas enquanto estão dentro da ambiente escolar? Como essas pessoas conseguem dormir sabendo que pelo menos uma vez por ano um menino negro será brutalmente assassinado pela polícia de uma forma que nem a mídia será capaz de esconder? Como essas pessoas conseguem dar discursos sobre liberdades democráticas quando meninos são alvejados por balas que se perdem e encontram sempre os mesmos corpos negros? Centenas de balas que alvejam jovens negros todos os dias.

O que essas pessoas têm feito por vidas como a de Rafael Braga se não conformar-se em silêncio?

Libertem Rafael Braga, mobilizem seus esforços para libertar Rafael Braga, vão as cortes de direitos humanos, dialoguem com a ONU, façam qualquer coisa que poder e os privilégios de vocês são capazes de alcançar. Libertem Rafael Braga, ele foi preso pelo livre direito de vocês protestarem por mais direitos.

Fonte: Jornal GGN.

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