Comunidade de destino compartilhado da Humanidade: a via chinesa para a paz

Entre 18 e 20 de setembro Nanquim sediou o 9º Evento Comemorativo do Dia Mundial da Paz, recebendo delegados de entidades de todo o mundo e personalidades ligadas à temática da paz e da segurança. Dirigindo-se ao evento, o presidente Xi Jinping afirmou o compromisso da China com a construção da paz duradoura, a ser alcançada, segundo a formulação que fez já em 2013, através do esforço conjunto de todas as nações para a edificação de uma Comunidade de Destino da Humanidade.

No Dia Internacional da Paz, parte da delegação reuniu-se com autoridades chinesas: Ma Biao, Vice Presidente do Comitê Nacional da 13a Conferência Política Consultiva do Povo Chinês e vice-presidente da Associação do Povo Chinês pela Paz e o Desarmamento

Por Rita Coitinho.*

A ideia expressa pelo presidente Xi Jinping foi reforçada no discurso de Ma Biao, vice-presidente da Conferência Política Consultiva do Povo da China e vice-presidente da Associação Pela Paz e o Desarmamento do Povo Chinês, na abertura do evento.

Durante a cerimônia, o ex-primeiro ministro do Japão, Hatoyama Yukio, fez um forte discurso onde refutou todas as tentativas de se negar o massacre de Nanquim e pediu desculpas, uma vez mais, ao povo chinês, pelas atrocidades cometidas pelas tropas de seu país.

O secretário geral da ONU, António Guterres, enviou sua mensagem ao evento, que contou ainda com inúmeras personalidades de todo o mundo, como a ex-senadora e presidenta do partido MORENA, do México, Yeidkol Polevnsky, o prêmio Nobel da Paz, Oscar Arias, o ex-ministro de relações exteriores da França, Dominique De Villepin, dentre outros. Participaram ainda acadêmicos e representantes de organizações da sociedade civil de mais de 50 países.

O ponto alto do encontro foi a visita das delegações ao memorial do massacre cometido por invasores japoneses, no qual foram barbaramente assassinados mais de 300.000 chineses, deixando ainda uma enorme quantidade de mutilados. Estupros, torturas e assassinatos cruéis de homens, mulheres e crianças foram práticas frequentes durante a ocupação japonesa da China, encerrada com a derrota do nazifascismo e do imperialismo japonês na Segunda Grande Guerra.

Ao final da visita, uma linda cerimônia onde crianças colocavam flores de lótus na água, para celebrar a vida, contou, para além do pronunciamento oficial da China, com declarações como a do secretário executivo do Conselho Mundial da Paz, Iraklis Tsavdaridis. O convidado estrangeiro a pronunciar-se na cerimônia, o japonês Fugita Takakage, proferiu um forte e emocionado discurso, no qual refutou as tentativas, por parte de alguns japoneses, de se negar o massacre e pediu, uma vez mais, desculpas ao povo chinês pelas atrocidades cometidas pelas tropas de seu país.

No memorial de Nanquim lê-se, em certa parte da exposição de imagens da época, que “perdoar não é esquecer”. A memória viva das atrocidades da agressão imperialistas é também orientadora de ações para o futuro. Lembrar o massacre ensina às novas gerações que o caminho da guerra e da agressão é, sempre, o caminho da barbárie.

Na mensagem dirigida ao evento comemorativo do dia mundial da paz, o presidente Xi Jinping afirmou o compromisso da China com a construção da paz duradoura. O conceito da “comunidade de destino da humanidade”, que Xi já havia proposto, articula a experiência chinesa de convívio pacífico e solução negociada dos conflitos com sua própria concepção de cooperação econômica.

A China, nação com mais de cinco mil anos de história, enfrentou conflitos diversos ao longo do tempo. A pacificação do Império só foi possível pelo estabelecimento de acordos entre a China e os povos que conviviam no mesmo território. Como resultado, hoje convivem, na China, mais de 50 etnias, 24 idiomas e cinco sistemas de escrita. Há ainda templos budistas, igrejas cristãs e mesquitas por todo o território.

Essa experiência aplicou-se também no nosso tempo, especialmente na questão dos territórios de Hong Kong e Taiwan, onde funcionam sistemas diferentes do restante do país, mas mantém-se a unidade nacional por meio de negociações. A fórmula “um país, dois sistemas”, vem permitindo o convívio pacífico apesar das diferenças e de alguns retrocessos, como a atual hostilidade da presidenta de Taiwan, eleita pelo Partido Progressista. É certo que a parte continental da China teria meios suficientes para submeter as ilhas pela força. Mas essa via não é do interesse do Estado chinês, que mantém o entendimento de que a ação militar é sempre a pior solução.

A economia tem papel destacado no conceito de comunidade de destino da humanidade: ao contrário dos países imperialistas (uma vez que a China sofreu, no século 19 e primeiras décadas do século 20, com a ação imperialista de europeus, japoneses e estadunidenses, que invadiram e dividiram seu território para explorar seu povo), que impõem seus termos para o comércio entre as nações, o gigante asiático propõe a cooperação econômica de tipo ganha-ganha com os países em desenvolvimento.

A China, ainda que tenha experimentado extraordinário crescimento desde os anos 1970, mas de maneira particularmente pujante nas duas últimas décadas, é ainda um país em vias de desenvolvimento. A industrialização ainda não atinge todo o território, há muitas áreas subdesenvolvidas e pobres. Tendo como meta erradicar a pobreza extrema até 2021 e tornar-se um país industrializado até 2050, a China enfrenta enormes dificuldades para garantir, todos os anos, 13 milhões de novos empregos e para obter alimentos e materiais primários.

A solução que propõe é a cooperação. A iniciativa Um cinturão, Uma Rota, que pretende interligar Ásia, África e Europa, leva investimentos vultosos em infraestrutura, permitindo a ampliação do fluxo comercial entre os países abarcados pela “nova rota da seda”. A América Latina, vista como extensão natural dessa rota, já recebe investimentos e amplia seu comércio. A diferença clara entre essa expansão dos negócios chineses e a expansão imperialista está em que não há cláusula de nação mais favorecida, nem imposição de receituários políticos e econômicos. Todos os termos são negociáveis, cabendo aos governos dos países a delimitação das condições.

A unidade entre solução pacífica de conflitos e cooperação econômica para o desenvolvimento comum é o centro da concepção chinesa para a construção de uma paz duradoura. Para que haja paz, é necessário que se respeite o direito de cada povo a seguir seu próprio caminho e que se consolidem os instrumentos internacionais de negociação e solução pacífica de controvérsias e, fundamentalmente, que os países superem juntos o subdesenvolvimento, rumo a uma comunidade de destino comum.

Estive no evento como representante do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz). Nos sete dias anteriores, participei de uma intensa agenda de formação, composta por palestras, visitas a quatro cidades, indústrias e pólos tecnológicos, além de uma reunião na sede da Associação do Povo Chinês para a Paz e o Desarmamento, organização amiga do Conselho Mundial da Paz, de que o Cebrapaz é membro. Tratamos ali das principais ameaças à paz na América Latina e participamos de uma reunião com especialistas e professores do centro de estudos sobre Taiwan, na Universidade de Xiamen, onde discutimos as ameaças à paz na China e região, temas que abordarei em novos artigos ao longo das próximas semanas.

Afirmei, na ocasião, que a nossa entidade saúda o povo chinês e sua Associação Pela Paz e o Desarmamento e afirma sua convicção de que a construção de uma paz duradoura para todos os povos depende, antes de tudo, da construção de estratégias de fortalecimento do multilateralismo; da cooperação entre os povos para o desenvolvimento econômico sustentável, onde a cooperação no eixo sul-sul desempenha papel primordial; do fortalecimento de governos soberanos e amantes da paz. Durante os dez dias em que estive na China reforcei a convicção sempre expressada pelo Cebrapaz de que a conquista de uma paz duradoura passa, essencialmente, pelo combate ao imperialismo, causa primeira dos conflitos do nosso tempo.

*Rita Coitinho é socióloga e doutora em Geopolítica e integra o Conselho Consultivo do Cebrapaz.

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