Comunidade da Ilha Grande dos Marinheiros relata temor de remoções na Câmara de Porto Alegre

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Os moradores da Ilha Grande dos Marinheiros, uma das 16 do arquipélago localizado na cidade de Porto Alegre, cobraram na Câmara de Vereadores soluções e respostas para seus problemas de habitação na última terça-feira (20/05). Eles lotaram o Plenário Ana Terra, durante a reunião da Comissão de Urbanismo, Transporte e Habitação (Cuthab) para questionarem sobre as áreas afetadas pela construção da nova ponte sobre o Guaíba.

As obras ainda não foram iniciadas, mas a comunidade se sente apreensiva por não saber quem precisará ser removido e nem quais alternativas serão apresentadas para os moradores da localidade. “Nós queremos garantia de moradia para essas famílias dentro da Ilha, onde a maioria das pessoas que está aqui nasceu e se criou. A comunidade não quer casa de passagem e nem casa de aluguel”, afirmou Nazareth da Silveira, que mora na Ilha há 60 anos. Ela explicou que as famílias já apresentaram proposta de locais para onde poderiam se mudar e exigem respeito a essa determinação. O diretor do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), Everton Braz, garantiu que a área indicada pela comunidade deve ser incluída em decreto para que seja considerada de utilidade pública e possa ser utilizada.

Da mesma forma, Camila da Silva disse que construiu toda a sua família na Ilha, onde já moraram seus pais e avós. “O pessoal não quer sair dessas casas, não adianta fazer um plano pra tirar as pessoas e não darem resposta. O povo quer uma resposta já, tem que mostrar onde as pessoas vão ficar”, reivindicou. As cerca de 50 pessoas, em sua maioria mulheres, algumas com crianças e bebês, foram de ônibus até a Câmara, na expectativa de obter algum tipo de resposta das autoridades.

A remoção em si já é um processo feito contra a vontade da comunidade, que gostaria de ficar em suas casas, como acontece na maioria dos casos de reassentamentos. “As pessoas não estão concordando com esse processo. A mera retirada já implica uma série de restrições de direitos”, destacou Tâmara Biolo Soares, advogada que trabalha com direitos humanos e moradia. Ela cobrou explicações por parte do Executivo municipal, representado na reunião pelo diretor do Demhab. “Isso tem que ser feito com a comunidade sendo protagonista e estando informada de todos os passos do processo”, disse.

Responsabilidade federal e municipal

A obra é federal, realizada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT), que foi convidado a enviar um representante à reunião, mas não compareceu. Durante o encontro, vereadores culpavam ora o âmbito municipal ora o federal, de acordo com suas ideologias partidárias. Enquanto Engenheiro Comassetto (PT) apontou para a prefeitura por soluções, Delegado Cleiton (PDT) lembrou que o governo do Estado não se envolveu no assunto. O diretor do Demhab, da mesma forma, colocou sob responsabilidade do governo brasileiro os problemas relatados, mas garantiu que a prefeitura esteve em contato com o DNIT desde o início do projeto para “levar preocupações da comunidade e da administração em relação à garantia de direitos”.

Braz explicou que já há um anteprojeto determinado, o qual atinge também a comunidade que vive no continente. Nesse momento, ele assegurou que a função da prefeitura é “colaborativa” com a obra. Pedro Ruas (PSOL), que é membro da Cuthab e propositor da reunião, disse não ser contra a obra da ponte, mas que tudo o que pede é que “exista respeito aos direitos e à cidadania” das cerca de 850 famílias que serão afetadas. “Ninguém está negando aqui a importância das obras. Porque muitas vezes nos acusam de ser contra tudo que o poder público quer fazer, e isso não é verdade”, esclareceu. Ele questionou Braz sobre a existência de um contrato específico que explique como estão as obras.

O diretor do Demhab explicou que, segundo o contrato, a empresa responsável pelas obras da ponte deve ser a que constrói as casas. No caso, é a construtora Queiroz Galvão, que também foi convidada a participar da reunião e não compareceu. “A área vai ser considerada de utilidade pública, mas as obras devem começar pelo rio, e não por lá. O DNIT cita a possibilidade de que já esteja resolvida a situação das moradias até que atinja a comunidade”, tranquilizou Braz. Ele ainda reiterou que a prefeitura tem a preocupação de acompanhar o projeto para que nenhuma família seja removida sem ter solução habitacional definitiva. O vereador Cláudio Janta (SDD) lembrou que é preciso que a prefeitura organize suas verbas, para que as famílias não fiquem desassistidas.

População se manifesta

“Eu não quero que essa reunião seja palco de politicagem, é sempre um empurrando para o outro. Nós só somos enxergados em enchente, eleições ou quando fechamos a ponte”, reclamou Liane Farias, da Associação de Mães da Ilha Grande dos Marinheiros. Sobre a ausência do DNIT, ela disse que a comunidade tem sua própria maneira de chamar sua atenção, trancando a ponte. As pessoas presentes nas galerias aplaudiram, concordando. Uma das moradoras, identificada como Bia, formulou de forma simples suas reivindicações: “Ninguém sai das ilhas”, afirmou, também recebendo o apoio da população.

A população interrompeu as falas dos vereadores durante alguns momentos, para lembrar que sua situação é de incerteza e falta de transparência. “Estão medindo o meu pátio e não sei o que fazer”, disse Liana. Everton Braz afirmou que não há nenhuma obra do Demhab sendo realizada na região e que possivelmente os “buracos” e medições realizados são referentes a uma obra de gasoduto.

O vereador Pedro Ruas (PSOL) destacou que a falta de informações pode acontecer devido a uma troca de construtoras, pois o projeto foi feito pela Andrade Gutierrez e transferido para a Queiroz Galvão. “Para mim, a frase de Bia é definitiva: vocês são quem tem o direito definitivo sobre a vida de vocês”, afirmou.

A situação ficou tensa quando Patrícia Salcedo, gestora do Centro Administrativo da região das Ilhas, foi ao microfone e afirmou que a situação está sendo acompanhada, relatando que o Demhab já foi até o local e levou a população para sua sede para conversar. “A falha foi dos multiplicadores, está faltando comunicação dentro da comunidade”, disse. Ao receber gritos da população, que perguntava então que informações deveriam ter sido repassadas, ela afirmou que na época “ainda não tinha informações concretas ”.

A moradora identificada como Mara então exigiu a palavra para dizer que a população não sabia de nada e que nessa reunião “não tinha morador, era só grandão burguês”. Tentando acalmar os ânimos, o presidente da Cuthab, vereador Paulinho Motorista (PSB), sugeriu então que a comissão faça uma visita à comunidade na segunda-feira e participe, depois, de uma reunião com o DNIT e o Demhab, já agendada para a próxima semana. Os moradores, que demoraram cerca de 40 minutos para chegar até a Câmara, pegando dois ônibus a partir de suas casas, saíram da reunião reclamando por não terem obtido as soluções concretas que esperavam.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro

Fonte: SUL 21

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