Comunicado das FARC sobre marcha do diálogo de Paz

FARC 2

Por Delegação de paz das FARC-EP.

Em português – Equipe ANNCOL – Brasil

Comunicado

Havana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 25 de setembro de 2014

Por decisão das partes, caiu o inútil secretismo que rodeava os acordos parciais alcançados na Mesa de Conversações de Havana. O fogo dos inimigos da paz já não terá o combustível da ignorância que o avivava e, por outra parte, os colombianos poderão agora interatuar com a mesa sobre o conteúdo e os alcances do acordado. Queríamos, e conseguimos, que este diálogo se desenvolvesse de frente para o país, e não poderia ser de outra maneira porque em Havana se está forjando o futuro de dignidade de todos os colombianos. Agora se trata de garantir a transparência do processo, retomando o sentido genuíno das regras de funcionamento que a Mesa traçou e que estão ligadas à participação plena da cidadania. A Mesa não somente deve elaborar informes periódicos como também, ademais, deve implementar uma estratégia de difusão eficaz. A [esse] respeito, devemos dizer que existe ainda muita deficiência.

A alma do ACORDO GERAL PARA A TERMINAÇÃO DO CONFLITO E A CONSTRUÇÃO DE UMA PAZ ESTÁVEL E DURADOURA é seu preâmbulo, que, para desencanto dos que o minimizam para tornar inútil o compromisso do Estado, é absolutamente vinculante. Tem então o preâmbulo força de mandato, e se este estima que “a construção da paz é assunto da sociedade em seu conjunto que requer a participação de todos, sem distinção”, quer dizer que o processo de paz é um propósito coletivo e que todos os colombianos podemos fornecer ideias para cimentar a reconciliação como pacto social.

Porém também ordena que devem ser respeitados os direitos humanos em todos os confins do território nacional, e entre estes estão os direitos sociais, econômicos e culturais, o respeito à vida e à integridade física, quase sempre desconhecidos e esquecidos pela amnésia deliberada das elites. Exige o preâmbulo desenvolvimento econômico social com equidade e bem-estar, razões suficientes para deixar de traçar linhas vermelhas aqui e lá no cenário dos diálogos, que negam os direitos das maiorias às transformações estruturais que exigem democracia verdadeira, vida digna e soberania pátria.

Essas linhas vermelhas traçadas como muralhas são interpeladas pelo mesmo Acordo Geral que, em numeral 5 do ponto 3 Fim do Conflito, registra que “o Governo Nacional revisará e fará as reformas e os ajustes institucionais necessários para fazer frente aos desafios da construção da paz”. Necessitamos então da vinculação ativa de todos os colombianos e todas as colombianas para que, através destes ajustes institucionais, possamos construir uma paz que se prolongue perpetuamente.

O doutor Humberto de la Calle, no dia de ontem, se referiu amplamente ao conjunto dos Acordos parciais, às vezes dando-lhe sua própria interpretação. Diríamos a respeito que o fundamental é que o conjunto da sociedade e suas organizações consigam interpretar os textos. Essa é a essência: que o povo tenha acesso direto aos conteúdos e possa depois ajudar a construir ou a corrigir.

Referindo-nos aos pontos da Agenda sobre os quais há acordos parciais, por metodologia separamos a discussão de cada tema, porém todos estão inter-relacionados; não se pode falar de reforma agrária, por exemplo, sem falar do ponto Participação Cidadã, porque em grande medida é no território onde se exerce a ação da democracia; porém, ao mesmo tempo haverá que se ter muito presente que uma reforma rural integral não é possível se não se resolvem os conflitos que nos trouxeram os Tratados de Livre Comércio ou sem aludir a problemas como o da estrangeirização da terra.

Temos formidáveis avanços, não queremos colocar em dúvida, e o acordo parcial sobre assuntos agrários é uma constância disso; porém insistimos em observar as restrições e na necessidade de meditar em torno às conclusões dos Foros que se realizaram para consultar o povo sobre o assunto, porque a construção deve continuar e o soberano deve ser ouvido na qualificação do que se está acordando; sobretudo nesta parte, deveremos levar muito em conta o que expressaram os representantes de organizações e movimentos campesinos, indígenas, afrodescendentes, que são os que trabalham o campo, e que já deixaram muito claro seus pontos de vista em conclusões como as da Cúpula Agrária e outros eventos nacionais e locais.

Pensamos que do documento “Para um novo campo colombiano: Reforma Rural Integral”, o mais importante deve ser o início sem mais demora de transformações estruturais da realidade rural e agrária, sobre bases de equidade e democracia, reconhecendo que são as injustiças derivadas da desigualdade e da miséria as que engendraram a confrontação, e que por isso se requer eliminar essas causas para que cesse o conflito.

Esta ideia de Reforma Rural Integral, em teoria, se centra no bem-estar e bem viver do povo do campo, das comunidades campesinas, indígenas, negras, afrodescendentes, palenqueras e originárias, e da gente que habita nos espaços interétnicos e inter culturais, com a pretensão de integrar as regiões, de erradicar a pobreza, promover a igualdade, o fechamento do fosso entre o campo e a cidade, a proteção e o desfrute dos direitos da cidadania e da reativação do campo, especialmente da economia campesina, familiar e comunitária.

Então, se conseguiu fazer um pacto de formalização da propriedade da terra, com o compromisso governamental de que serão concedidos os títulos de propriedade a todos os campesinos que possuem terras de fato, o qual guarda suma transcendência, se se considera que mais de 48 por cento de nossos campesinos possuem a terra em situação de informalidade [posseiros-n.t.]. Se agrega a isto o compromisso do governo de entregar a terra ao que não a tenha ou o de ampliar a propriedade aos que a tenham de maneira insuficiente. Também se subscreveram acordos referidos a estímulos à produção agropecuária e à economia solidária e cooperativa, assistência técnica, subsídios, crédito, geração de rendas, comercialização e formalização trabalhista.

Nós estamos por uma visão que beneficie ao povo, e por isso é que cremos que o anterior não é suficiente, e que se faz imprescindível que em breve retomemos o debate pendente sobre a necessidade de acabar com o latifúndio, sobre a urgência de colocar limites à estrangeirização da terra. E que assumamos com patriotismo que existem problemas muito complexos, como o dos conflitos de uso, os quais há que resolver.

Se bem que o acordado reconhece e se centra no papel fundamental da economia campesina, familiar e comunitária para o desenvolvimento do campo, há necessidade de garantir que às populações rurais não se lhes continue roubando a terra mediante mecanismos de bancarização ou outras artimanhas que se desdobram dentro de uma daninha concepção de associação capitalista.

Não há que perder de vista, para a definição do Fundo de Terras, que nos meros processos de construção das Zonas de Reserva Campesina seus protagonistas calculam um envolvimento de 9.5 milhões de hectares, e que, em contraste, os latifundiários pecuaristas concentram em muito poucas mãos não menos de 40 milhões de hectares subutilizados.

Quando falamos de restrições, em qualquer dos pontos, não se trata de colocar sobre a Mesa problemas impossíveis de resolver, enquanto há assuntos mínimos intransponíveis para alcançar a democratização e modernização do país dentro de parâmetros que ninguém poderia dizer que são os do socialismo, senão que são simplesmente os de um moderno Estado Social de Direito, do qual a Colômbia ainda dista muito.

Dissemos que até o momento temos acordos muito importantes, porém modestos; a maioria dos quais não são outra coisa que reivindicações cujas soluções podem se materializar cumprindo as normas legais e constitucionais. Um Estado com verdadeira vontade de paz não teria que fazer muito esforço para tornar realidade este tipo de reivindicações.

Reiteramos isto porque, sem dúvida, neste momento, uma das maiores reflexões que há que fazer é a de que o governo deve ir mais além da retórica e concretizar seus compromissos com as comunidades; preocupar-se por refletir na realidade o que promete para o futuro, o qual não ocorre nos atos de governo e muito menos dentro da atividade legislativa neoliberal que contradiz o que se está aprovando em Havana.

Porém, bem, já sobre o tema em si da participação política e cidadã é muito conhecido o acordado em torno do estatuto para a oposição, a ampliação dos mecanismos de participação cidadã, o fortalecimento da democracia, a criação de circunscrições especiais eleitorais para as zonas rurais ou mais marginalizadas do país, a maior participação das comunidades em meios de comunicação de ordem local e regional, a maior presença nos organismos de controle etc.

Concretizamos acordos importantes, como o compromisso de convocar sem mais demoras os partidos e porta-vozes das organizações sociais para que tracem os lineamentos que permitam elaborar finalmente um estatuto para a oposição política, e também uma normatização que dê um verdadeiro reconhecimento, com garantias, à existência e aos direitos do movimento social. Quer dizer, o que se acordou está no caminho de expandir a democracia, porém, naturalmente, esta democracia, primeiro, há que fundá-la.

Um primeiro passo neste mesmo sentido seria conseguir para já o compromisso da revisão e, sendo necessária, a modificação de todas as normas que se aplicam à mobilização e ao protesto social. Ao mesmo tempo, é uma necessidade vital para a democracia redefinir a posse dos meios de comunicação. São estes aspectos nodais da participação cidadã, porém ressaltando que, como fundo, um dos temas principais que há que abordar é o da superação da Doutrina da Segurança Nacional, a respeito da qual exigimos seu desmonte no marco da necessária desmilitarização da sociedade e do Estado que a paz requer.

O acordado neste campo não pode ser confundido com o caminho simplesmente que pode ajudar a criação de novos partidos políticos ou a preservação do atrofiado sistema de partidos que existe em nosso país.

Sobre o terceiro acordo parcial, haveria que ressaltar que nele ficou muito claro que o conflito em Colômbia não deriva do narcotráfico, nem este é sua razão de ser, porque existem causas de ordem social muito anteriores ao aparecimento do fenômeno de produção e comercialização das drogas ilícitas. Inclusive o fenômeno dos cultivos de folha de coca e a vinculação de campesinos e outros setores rurais às etapas primárias de produção está ligado à situação de miséria de que padecem. Então, o conflito político, social e armado da Colômbia não começa nem termina com o narcotráfico, senão que tem profundas raízes de miséria e desigualdade.

Em todo caso, chegamos a um acordo entre o governo e uma organização política-militar, e esse acordo se faz porque se consegue definir que o problema é assunto de todos e sua solução também; isto é, estamos falando de uma responsabilidade coletiva em sua solução, e nisso o primeiro compromisso que conseguimos é que o Governo Nacional, entendendo que nas instituições há corrupção causada pelo problema das drogas ilícitas, porá em marcha as políticas e programas que acordamos, incluindo liderar um processo nacional eficaz para romper de maneira definitiva qualquer tipo de relação deste flagelo com os diferentes âmbitos da vida pública. A partir daí é que as FARC-EP fizemos o compromisso de contribuir de maneira efetiva, com a maior determinação e de diferentes formas e mediante ações práticas, com a solução definitiva ao problema das drogas ilícitas.

Para alcançar estes propósitos, haverá que traçar uma nova política criminal, propender pela suspensão imediata das aspersões aéreas com glifosato e pela reparação integral de suas vítimas; acabar definitivamente com o velho esquema de erradicações forçadas-fumigações, o qual fracassou gerando enormes danos ao tecido ambiental e social, o qual implica que devem ser buscadas alternativas urgentes.

À parte da Conferência Internacional que aborde tão complexa problemática, uma das tarefas principais deve ser a de convocar uma conferência nacional para analisar e elaborar conclusões sobre o problema da comercialização e produção de drogas ilícitas como fenômeno ligado ao paramilitarismo. A Conferência também deverá abordar o assunto concernente à relação entre conflito, narcotráfico e impacto na institucionalidade.

Ao mesmo tempo, com os debates e conclusões alcançados ao longo de 28 ciclos, estão sobre a Mesa, e no cenário nacional de discussão, outros temas de suma importância e complexidade, necessários, isso sim, para preparar da melhor maneira o terreno sobre o qual iremos construir a paz.

Sobre o armistício. Para dinamizar o processo de paz é urgente concretizar já o cessar bilateral de fogos e hostilidades, que a cidadania está exigindo de maneira crescente. O governo não pode continuar confundindo o cessar bilateral de fogos com a paz ou a firma do acordo final. Não há que esperar a firma da paz para pactuar o armistício. Este passo deve ser dado para atenuar as dores dos que se encontram vitimizados pelo fogo cruzado. Urge desescalar a guerra, porque a construção do acordo necessita um meio ambiente favorável para ascender a novos níveis.

Sobre a deixação de armas: Afirma o chefe da delegação do governo que “o fim do conflito requer, certamente, que as guerrilhas deixem as armas e se reintegrem à vida civil. Essa é uma condição necessária, porém não é uma condição suficiente para construir a paz”. E estamos de acordo. Essa é uma condição insuficiente, porque a deixação das armas deve ser entendida como o ato de renúncia de ambos os lados à utilização das armas como forma de fazer política. O que queremos dizer é que, se a solução é a paz com democracia e com justiça social, já não se terá que utilizar as armas para fazer política. Porém isto é válido para todas as partes do conflito. Se a paz se forja dentro destas condições, as FARC já não usarão as armas para fazer política; e o Estado não pode continuar usando as armas para fazer política, pois a utilização das armas por parte do Estado é, com efeito, uma expressão política, dado que o conflito armado colombiano é político-social. A deixação das armas para o Estado implica a renúncia do uso das armas de guerra ao interior das fronteiras para enfrentar a seus cidadãos; isto é, não cabe mais o uso de armas na política interna, e muito menos com a forma assimétrica e anti cidadã como a executa. Isso é deixação de armas. A força pública regressa a seu papel natural, constitucional, que não é precisamente o de imiscuir suas armas na política interna, senão que o de atender a defesa das fronteiras e a soberania pátria.

Sobre Justiça transicional: Rechaçamos uma vez mais a maldade jurídica que veio se semeando no campo da paz com o atrevimento de dificultar os diálogos de Havana, e consequentemente desconhecemos os instrumentos de justiça transicional que o Ato Legislativo 01 de 2012 estabelece, porque não obedecem a nenhum consenso entre as partes. Reiteramos: estes, para nós, não existem, porque os temas que pretendem se definir e regular nunca foram objeto de estudo na Mesa de diálogo. Não estamos num processo de submissão. Não nos vamos a pôr a discrição frente a uma administração de justiça parcializada, corrupta, politizada e especializada em perseguir ao movimento político e social inconformista. O Estado não pode ser juiz e parte. Por isso, o processo está chamado a criar novo direito no qual se transmude a tradicional justiça para o castigo em justiça para a paz. Por isso, nas atuais circunstâncias, o único marco jurídico válido para as FARC-EP é o Acordo Geral de Havana de 2012.

Sobre a Comissão Histórica do conflito e outras subcomissões de trabalho: Registramos que o processo de paz protagonizou um salto qualitativo no caminho da reconciliação, ao pôr em marcha a “Comissão histórica do conflito e suas vítimas” como cenário chave para o esclarecimento da verdade, a partir da auscultação das origens, causas, efeitos e responsabilidades que acomodam o desenvolvimento da confrontação política, econômica, social e armada.

Estamos profundamente comprometidos em que se esclareçam os fatos que marcaram o desenvolvimento da confrontação, e por isso propomos na Mesa a composição também de uma “Comissão da Verdade”. O trabalho da “Comissão histórica do conflito e suas vítimas” e da “Comissão da verdade” compreendemo-lo como parte de um todo. O Informe da Comissão Histórica, cujos alcances consideramos vinculantes, será marco de referência inevitável, não substitutivo, no qual se deberá apoiar a Comissão da Verdade. A marcha da Comissão Histórica, da Comissão da Verdade, da Subcomissão de Gênero e da Subcomissão Técnica para o fim do conflito já são também um acordo na Mesa de Conversações de Havana.

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