Como o fascismo resolveria os problemas econômicos do Brasil?

Por Fernando Horta

Não é novidade dizer que o fascismo surgiu e ressurge sempre em momentos de grave crise econômica. A “Marcha sobre Roma”, de Benito Mussolini e seus “Camisas negras”, ocorreu em 1922 e a chegada de Hitler ao poder ocorre em 1933, justamente durante o que a História chama de “Período Entre-Guerras”. Além da crise provocada pela primeira guerra mundial, o fascismo se alimentou – e muito – da crise de 1929. A situação na Alemanha ainda precisa ser avaliada em função do Tratado de Versalhes (1919) que obrigava a Alemanha (por ter sido responsável pela primeira guerra, segundo o Tratado) a pagar imensas somas aos países vencedores. Neste cenário, é unânime entre os historiadores o argumento de que as crises econômicas acabam por servir sempre de combustível para o radicalismo fascista.

As crises afetam diferentemente os estratos da sociedade. As elites econômicas se vêm ameaçadas pelo número cada vez maior de insatisfeitos com a sociedade e passa a demandar maior “controle”, “leis”, e presença do Estado contra os “insatisfeitos”. Junto vem todo aumento das condenações morais contra a pobreza. Imediatamente se tornam “vagabundos”, “desordeiros”, “aproveitadores” … pintados como a escória da sociedade, a quem se vai sempre aumentando o rosário de adjetivos negativos, com o objetivo de desqualificar suas demandas, seu local na sociedade e chegando mesmo ao ponto de desqualificar sua existência.

As classes médias se vêm em processo de empobrecimento acentuado, aproximando-se das condições dos estratos mais baixos e, portanto, do seu pior pesadelo. Acabam se tornando presas fáceis para discursos de ódio e de preconceito contra minorias, ou quaisquer desafetos que possam ser colocados na mira destes grupos. A moral sempre joga papel importante, fazendo parecer que o mérito da classe média não está presente em outros grupos sociais. Só a classe média trabalha, só ela estuda e se ela se esforça para ter uma vida “melhor”. Ninguém mais. Os ricos assim o são por nascimento, e os pobres por incapacidade ou leniência. A classe média se torna cada vez mais fechada em si, a defender um modelo de sociedade inexistente: aquele conservador, ordeiro e respeitador da ordem, temente a Deus, às tradições …Amém.

As populações mais pobres acabam sendo lançadas ao fascismo sob duas condições: (1) que tenham afinidades raciais e religiosas com as elites e (2) que aceitem a “meritocracia” como base de sua vida e de sua ação social, rejeitando assim qualquer ideia de insatisfação para com a sociedade. A insatisfação do pobre, para ser aceito no novo pacto fascista, deve ser sempre consigo mesmo. Insatisfação por “trabalhar pouco”, “ser malformado”, ter “poucas capacidades de entrar no mercado de trabalho” e todo o discurso da “meritocracia”, desenhado para manter estas populações como mão de obra barata. “Que se tiver o que comer deve levantar as mãos para o céu”, segundo o prefeito de São Paulo, um dos grandes representantes destas ideias. Para sobreviverem, os que estão habilitados (cumprem as duas exigências), recebem o que comer e podem, literalmente, sobreviver sob a tutela das elites, que posam assim como “benfeitores”.

Os pobres, para serem aceitos no pacto fascista devem ser brancos e cristãos. Em qualquer modelo de solução das crises econômicas sempre figura aberta ou implicitamente uma ideia de diminuição do conjunto de pessoas a quem as soluções se aplicam. E o primeiro corte é sempre o racial. Mesmo em soluções não totalitárias (como foi o New Deal americano) existiu um enorme segregacionismo com populações não brancas. Se ajuda apena “aqueles que querem ser ajudados” e aí está a primeira forma de sair da crise: diminuir o número de pessoas que demandam, que são reconhecidas como “legitimamente insatisfeitas”. E aqui entra o racismo, como vimos recentemente com o caso do atentado terrorista da Somália. Atentados sobre pessoas brancas e europeias levam às lágrimas, sobre negros na África não recebem o mesmo tratamento.

Ocorre, portanto, um genocídio disfarçado pelo “mercado de trabalho”. As populações não brancas acabam não apenas como as mais afetadas pelo ambiente da crise econômica, mas também acabam ficando de fora de qualquer plano estratégico de solução econômica ou social.

O fascismo só oferece solução econômica para os problemas da sociedade aumentando a expropriação sobre os trabalhadores brancos, aumentando os lucros das elites capitalistas e segregando de qualquer pacto os não brancos ou não cristãos. Ainda, existe um sobrepeso social e econômico sobre as mulheres que se vêm privadas de suas conquistas e colocadas novamente em situação de serviçais domésticas e reprodutoras, alijadas de qualquer participação política.

Não foi à toa que Temer montou todo um ministério sem qualquer mulher. Também não foi sem razão que Bolsonaro levantou o tom das agressões e desumanização contra negros. Não pode passar despercebido o fato de que têm aumentado imensamente a violência contra as mulheres, contra as diferentes religiões não cristãs e que agora, a pobreza passou a ser definidora negativa de caráter.

É preciso excluir para recuperar a economia. Aqui está o ponto de aproximação entre os liberais e os fascistas. Não há espaço para todos no “orçamento”. E quem serão os “escolhidos” que poderão entrar? Os meritocráticos brancos, ricos ou de classe média. Para os pobres sobra a regra de terem que ser brancos, cristãos e concordarem que suas falhas de caráter (falta de preparo e leniência) são responsáveis pela sua condição social. Eles precisam concordar em serem quase escravizados e nisto poderem ter o mínimo para sobreviver.

Esta é a solução que está sendo implementada hoje no Brasil. O afrouxamento das regras para coibir o trabalho escravo é apenas a transferência do mesmo plano econômico e social agora para o campo. Afinal, os grandes proprietários de terra querem também participar do novo pacto social de “reconstrução do país”. Reconstruir com a superexploração de pobres, negros, mulheres e trabalhadores do campo. É preciso que todos deem a sua contribuição, dirão cinicamente eles.

Fonte: Caros amigos

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