Como o Chile reuniu a maior Comunidade Palestina do Oriente Médio

A partir do final do século 19, quando imigrantes árabes como libaneses e sírios começaram a migrar para países da América do Sul, como Brasil, Argentina, Peru e Bolívia, os palestinos tomaram um caminho diferente: o Chile

Por Marcia Carmo.

Em tempos difíceis em sua terra natal, parte do Império Otomano (1299-1922), esse grupo veio a formar a maior comunidade palestina fora do território no Oriente Médio. Não há dados oficiais e atualizados sobre a quantidade de chilenos descendentes de palestinos no Chile, mas estimativas de acadêmicos e de lideranças da comunidade palestina indicam algo entre 350 mil e 500 mil pessoas (cerca de 3% dos 18 milhões de habitantes).

Mas o que os atraiu a este país andino banhado pelo oceano Pacífico?

Geografia, economia e frutas

Desde os primeiros registros de imigrantes palestinos, como 1854 e 1884 e já quando aparecem com outros árabes, no censo de 1895, eles chegaram principalmente de três cidades próximas: Belém, Beit Jala e Beit Sahour.

Descendentes dos palestinos pioneiros ali citam à BBC News Brasil duas grandes vertentes para a migração de seus antepassados. A primeira, mais geográfica e afetiva, passava a depender da região pela semelhança do clima, dos territórios áridos e dos frutos, como figo, damasco e azeitonas. Alguns poucos investiram na exploração de salitre, que também teve peso econômico no Peru e na Bolívia, e à época gerou uma febre como a do ouro nos Estados Unidos e em outros países.

A segunda e principal motivação foi econômica, graças a notícias animadoras sobre o salitre e outros ramos de atividade que ganhavam força por meio do boca a boca. Palestinos se instalaram em diversos lugares do Chile, como Limache, na região de Valparaíso, no centro do país, e Talca, também na região central, além de Angol, no centro-sul, em povoados da Patagônia, no sul, e Humberstone, no norte chileno. Muitos eram de classe média na Palestina.

Deputado Jorge Brito na Palestina

Como outros imigrantes daquele período, muitos palestinos começaram como vendedores ambulantes de porta a porta. Aos poucos, se tornaram comerciantes fixos, industriais do setor têxtil, que dominaram como poucos no Chile, e foram líderes do ramo até o início dos 1970, quando a crise e a abertura econômica, com a chegada dos importados, os levou para outras indústrias. Hoje, seus descendentes estão presentes em diferentes ramos da economia chilena de norte a sul do país, simbolizando, em muitos casos, a modernização que o Chile buscava.

O presidente de um dos principais partidos do país, a Democracia Cristã (DC), Fuad Chahín, e o senador governista Francisco Chahuán, da Renovação Nacional, são de origem palestina. No ramo empresarial, alguns dos principais empresários do país também têm raízes palestinas, como José Said, peruano-chileno e CEO do grupo Parque Arauco, com shoppings e desenvolvimentos imobiliários no Chile, Peru e Colômbia, e Maurice Khamis, presidente da Comunidade Palestina no Chile e um dos principais do ramo da construção, com a empresa que leva suas iniciais, MK, e importa, por exemplo, cerâmicas da empresa Portobello, do Brasil.

Atração chilena

Historiadores apontam que as principais ondas de imigração ocorreram no fim do século dezenove até 1920, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial (entre cerca de 1900 e 1930) e depois da criação do Estado de Israel, em 1948, como contou, pelo telefone, o professor Ricardo Marzuca, com raízes palestinas, do Centro de Estudos Árabes da Universidade do Chile.

O governo chileno buscava habitar seu território, aumentar sua produtividade e se modernizar após o fim da Guerra do Pacífico, que o envolveu em batalhas pelo salitre e outras produções com a Bolívia e o Peru entre 1879 e 1883.

Uma das medidas de atração do Chile se chamava ‘lei de imigração alemã seletiva’, voltada a atrair alemães para povoar o sul do país. Textos da época os definiam como “convidados” ao país. Medidas parecidas abarcaram pessoas de outras nacionalidades, como iugoslavos e suíços.

Mas o Chile não chegou a atrair imigrantes em massa como a sua vizinha Argentina. A imigração europeia na região sul-americana foi fomentada por meio de agências estatais, anúncios em publicações europeias ou iniciativas privadas que buscavam tanto aumentar a população como a quantidade de trabalhadores para suas atividades.

Hoje praticamente desabitada, Humberstone, fundada por um inglês, se tornou progressivamente uma localidade fantasma à medida que a produção de salitre minguou, já no século passado. O tema ainda é sensível nos países envolvidos com essa exploração e a batalha em torno dela.

Futebol e finanças

Devidamente instalados no país, palestinos fundaram em 1920 o Clube Esportivo Palestino, da primeira divisão de futebol, o Clube Social Palestino e expandiram a presença no setor empresarial, em ramos como construção civil e shoppings, no mundo acadêmico e na produção artística. Além da financeira: há quase dois anos o banco Palestina inaugurou uma representação em Santiago, o mais recente símbolo desta presença no Chile.

“Aqui costumamos dizer que é só levantar uma pedra que aparece um filho, neto ou bisneto de palestino, em todos os cantos do país”, brinca, pelo telefone, o empresário Maurice Khamis, que nasceu na Palestina.

Jogadores do Palestino no jogo contra o River Plate no dia 24 de abril pela Libertadores

Seu bisavó já tinha estado no Chile, na era do salitre, no fim do século 19, e retornou à terra natal porque era profissional do setor da construção e lá tinha melhor condição de vida, afirma Khamis.

Anos mais tarde, em 1952, ele chegou, aos três anos de idade, com seus pais em uma nova onda de imigração palestina ao Chile. “Meu pai veio porque seu irmão mais velho já estava aqui e porque sabia que aqui teria mais oportunidades. Também é certo que o clima mediterrâneo, as frutas e verduras daqui lembram a Palestina. Mas a verdade é que para mim é um mistério o fato que levou os primeiros palestinos a terem escolhido o Chile (fora do mundo árabe)”, disse Khamis.

O engenheiro Tarek Saba, de 36 anos, que é gerente do Clube Palestino, de futebol, contou que seus bisavós paternos, que eram palestinos, chegaram ao Peru e anos mais tarde, seu pai, peruano, ex-jogador de futebol, tentou jogar no Clube Palestino, mas não conseguiu. “Era o meu sonho. Meus avós eram palestinos. Mas não consegui”, disse Miguel Saba, pelo telefone.

Por sua vez, o deputado Sérgio Gahona, presidente do Comitê Parlamentário Chileno-Palestino, que inclui 90 deputados de diferentes linhas políticas, disse que “o Chile é a diáspora palestina mais influente no mundo” pelo seu grande número de chilenos de origem palestino e pela presença das novas gerações em diferentes ramos da economia. Na visão do cientista político Guillermo Holzmann, da Universidade de Valparaíso, os palestinos souberam potenciar “a plataforma de modernização” do país. “Graças aos palestinos, o Chile potenciou seu comércio e seus bancos. Isto resultou na plataforma da modernização do país”, disse Holzmann.

Tradições preservadas

A reportagem da BBC News Brasil entrevistou acadêmicos, empresários, deputados, executivos, entre outros chilenos de origem palestina, para saber como esta identidade é mantida ainda hoje, mais de um século após a chegada dos primeiros imigrantes daquela região a 13 mil km do Chile.

As respostas passam por aspectos como a educação, os vínculos familiares, a torcida pelo Clube Esportivo Palestino, o cristianismo (eles fundaram a Igreja ortodoxa de São Jorge, no bairro Patronato), o Clube Social Palestino, onde somente 20% dos não originários da comunidade palestina são aceitos, e o vínculo constante com o território palestino.

O clube oferece, por exemplo, atividades como aulas de árabe e os descendentes de palestinos, como os filhos de Nimer Sarras, costumam estudar nos colégios árabes – pelo menos três grandes em Santiago foram fundados por palestinos e outros também estão no interior do país.

Praça Chile, inaugurada pelo presidente Sebastián Piñera/Anuar Majluf

Como ocorreu na história de outras imigrações, as primeiras gerações de filhos dos imigrantes palestinos acabaram deixando o idioma de seus pais para falar o idioma local e assim se integrarem mais facilmente ao país. Mas agora, como também é percebido em outros países, as novas gerações passaram a se interessar pelo árabe. No âmbito da religiosidade, os palestinos são na sua maioria cristãos e ortodoxos.

No bairro com forte presença árabe Patronato, na comuna da Recoleta, em Santiago – hoje já com outros imigrantes, como os asiáticos – estão restaurantes como o Omar Khayyam (nome do poeta persa), fundados por palestinos. Os restaurantes são definidos como ‘árabes’, já que a comida é regional do Oriente Médio, como explicaram. Mas existem pratos palestinos típicos, como o Maklube, feito com berinjela, cebolas, tomates e frango, diz Nimer Sarras, um dos donos do restaurante.

“Meus avós maternos e paternos vieram da Palestina em 1917 porque aqui já tinham parentes. Eles sabiam que aqui teriam mais chances de prosperar. Meu pai, que fundou o restaurante em 1969, nasceu aqui, mas morou 11 anos na Palestina. Eles tinham ido visitar a família que ficou lá, mas veio a Segunda Guerra Mundial e não puderam voltar logo”, relata Sarras, cujos três filhos estudaram em colégios árabes no Chile.

“Viajo para a Palestina uma vez por ano e cada vez que vou levo várias camisetas do Clube Palestino, porque me pedem”, disse o empresário Khamis. No fim de abril, mais de 20 mil torcedores chilenos lotaram o estádio Monumental, em Santiago, para assistir a partida entre o Clube Palestino e o argentino River Plate, pela Copa Libertadores. “Foi emocionante ver as imagens dos torcedores do Palestino, lá na Palestina, torcendo pelo time”, contou o economista Jorge Sabag, diretor do Clube Esportivo Palestino. As imagens tinham sido feitas na Palestina por uma TV em uma partida anterior do clube, pelo mesmo torneio e exibidas na partida com o River.

Fonte: BBC News Brasil

2 COMENTÁRIOS

  1. Interessantíssimo artigo. Há muitos anos sei que existe uma grande comunidade palestina no Chile, mas nunca tinha lido nada a respeito.
    Sou filho de um imigrante espanhol, que veio aqui para São Paulo exatamente em 1952 (como um dos personagens da matéria). Mas, apesar disso, meu time de futebol preferido no Chile não é o Unión Española, não! Sou corintiano – como meu pai – mas meu time chileno… É o Palestino!
    Por isso, ler este texto foi muito interessante mesmo!
    Obrigado!

    • Acredite se quiser, Eduardo, mas, os dois editores do dia de hoje, segunda, torcem pela Unión Española no Chile. Incrível coincidência! Só que aqui uma é são paulina e outro cruzeirense.

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