Como o caso Geddel se encaixa no atual momento político

Por Lilian Venturini. 

Agora ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero pediu demissão na sexta-feira (18) seis meses após assumir o cargo. Em entrevistas, atribuiu sua saída a pressões que vinha sofrendo do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, para aprovar um projeto imobiliário em Salvador.

O empreendimento fica próximo a uma área tombada na capital baiana e sua construção precisa de um aval do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), subordinado ao Ministério da Cultura. Geddel tem uma promessa de compra e venda em um apartamento nesse prédio.

De acordo com o relato de Calero, o ministro o pressionou para liberar a construção com altura acima do previamente autorizado pelo Iphan – segundo decisão do órgão, o projeto de 31 andares deveria ser modificado para ter 13. O agora ex-ministro relatou ter recebido diversas ligações com os pedidos, além de encontros pessoais. “Não estou aqui para fazer maracutaia”, disse ao jornal “Folha de S.Paulo”. “Claramente um caso de corrupção”, afirmou a “O Estado de S. Paulo”.

Reação em tempos de Lava Jato

Calero é o quinto integrante do primeiro escalão a deixar o governo Temer. Antes dele deixaram o governo o senador Romero Jucá (Planejamento), Fabiano Silveira (Transparência), o ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (Turismo) e Fábio Osório (Advocacia-Geral da União).

Eles saíram do cargo por circunstâncias ligadas à Operação Lava Jato, que investiga o envolvimento de diversos políticos, parte deles filiados ao PMDB, partido do presidente Michel Temer. A operação, que está em andamento desde março de 2014, já condenou empreiteiros e agentes políticos e avança sobre parlamentares.

As demissões de Jucá e Fabiano Silveira, por exemplo, foram em consequência da revelação de grampos feitos pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, investigado por suspeitas de integrar o esquema de desvios na Petrobras. Os diálogos, com críticas à Lava Jato, expuseram os políticos, que foram obrigados a deixar os cargos.

Ao comentar sua saída do governo, Calero mencionou o receio de estar em conversas grampeadas e acabar envolvido “em rolo” de outros integrantes do governo.

Diferentemente de Geddel, com longa trajetória política, Calero construiu sua carreira na diplomacia e assumiu o primeiro cargo político no Rio, em 2015, como secretário de Cultura. Nas suas palavras, ele não é um “político profissional”.

“Eu fiquei surpreendido, porque me pareceu – não sei se estou sendo muito ingênuo – tão absurdo o ministro me ligar determinando que eu liberasse um empreendimento no qual ele tinha um imóvel. Você fica atônito. Veio à minha cabeça: ‘Gente, esse cara é louco, pode estar grampeado e vai me envolver em rolo, pelo amor de Deus’”- Marcelo Calero, ex-ministro da Cultura.

As reações à fala do ex-ministro

Geddel, responsável pela articulação política do governo Temer, reconhece ter tratado do assunto com Calero. Mas negou ter exigido a aprovação do empreendimento. “E a maior demonstração disso, e que torna a questão dele ainda mais incompreensível, é que a posição final que prevaleceu foi a dele. E, ainda, assim ele pede demissão?”, afirmou à “Folha”.

Cinco dos sete integrantes da Comissão de Ética da Presidência da República votaram pela abertura de um procedimento investigativo para apurar a conduta do ministro. Como um dos conselheiros pediu vista para analisar melhor o caso, a votação será retomada na próxima reunião, prevista para 14 de dezembro.

O presidente Michel Temer não falou pessoalmente sobre o assunto. No fim da tarde de segunda-feira (21), o Palácio do Planalto se manifestou por meio de nota, mas sem comentar especificamente as acusações feitas por Calero segundo as quais Geddel fez pressão para que o projeto do empreendimento fosse aprovado.

No texto, o Planalto afirma que Geddel continua no cargo e que as decisões do Ministério da Cultura são tratadas “estritamente por critérios técnicos”. “E preservada a autonomia decisória dos órgãos que o integram, tal como ocorreu no episódio de Salvador”, diz a nota.

Com base na reação de Calero, o Nexo perguntou a dois cientistas políticos como esse episódio se relaciona com os desdobramentos da Lava Jato sobre as figuras políticas. São eles:

  • Helcimara de Souza Telles, cientista política e professora da pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
  • Carlos Melo, cientista político e professor do Insper (Instituto de Pesquisa e Ensino Superior)

O Brasil, em tempos da Lava Jato, incentiva pessoas a virem a público falar de malfeitos?

HELCIMARA DE SOUZA TELLES Esse cenário pode fazer com que algumas pessoas, de boa vontade, digamos, possam tomar esse tipo de decisão. Não sei se pressionados pela opinião pública ou se, no caso do ex-ministro da Cultura, ele imaginava que esse governo seria diferenciado. Ele não era político, então não é possível dizer se ele agiu pressionado pela opinião pública ou se de fato, sem ter experiência política, se surpreendeu com o fato de se sentir levado a produzir medidas pouco éticas e, pelo seu próprio caráter, se sentiu pouco à vontade e se preocupou em se defender.

Vejo com muito respeito a tentativa de se combater a corrupção, mas há um problema muito grande ao se espetacularizar a Lava Jato, como se tem feito. A Lava Jato é a principal pauta colocada na agenda política. Mas o compromisso do combate à corrupção tem que ser cotidiano, associado a outras agendas públicas. A Lava Jato, agora, não gera necessariamente uma nova cultura cívica.

CARLOS MELO Sim, porque parte dos atores políticos, sobretudo os menos experientes, ficam assustados [com os desdobramentos da operação]. Diria que aqueles políticos mais velhos, que estão de alguma forma consumidos pelo vício já estabelecido na política, estão no jogo.

No mínimo, no caso de Geddel, ele deveria ter se declarado impedido de conversar sobre qualquer coisa a respeito daquele assunto [da construção do prédio]. Vê-se novamente a confusão entre público e privado.

A continuar assim [pelo  exemplo de Marcelo Calero] pode significar mudanças lá na frente. Mas ainda acho que é uma externalidade mesmo. A possibilidade de responder processo e ser preso vão impondo uma correção no comportamento [do agente público]. Mas, falando de modo geral, isso ainda tem mais importância do que imperativos categóricos éticos.

Temer evitou comentar diretamente a ação de Geddel. Ele acerta ou erra ao adotar essa estratégia?

HELCIMARA DE SOUZA TELLES Quando Temer silencia, ele está apostando que o assunto caia no esquecimento. Essa estratégia nem aumenta nem diminui sua popularidade. Desde que ele assumiu, a avaliação positiva dele não passou dos 10%. Eu ainda não vi ações do presidente de dialogar com a opinião pública e não vi, nesses momentos de crise, nenhuma tentativa mais consistente de produzir esse diálogo com setores específicos, de prestar contas.

É um governo fechado. Uma das principais críticas que se fazia à ex-presidente Dilma Rousseff era ausência de comunicação institucional, de diálogo com setores da sociedade. E o governo Temer tem repetido acentuadamente o mesmo problema. Como das outras vezes, ele deve tentar não dar visibilidade e deixar cair no esquecimento.

CARLOS MELO Há uma frase atribuída ao ex-deputado Ulysses Guimarães: ‘As pessoas me criticam porque eu só tomo decisão sob pressão. Quero dizer a elas que é verdade’. O político vocacionado não vai tomar decisões abruptas se não for pressionado. Temer, no caso, não vai abrir mão de um colaborador importante como Geddel por uma questão de princípios. Ele vai usar uma relação de perdas e danos.

Na medida em que o caso se desenrole em mais pressão e gere um custo de reputação grande, ele pode vir a tomar alguma atitude. Mas fora disso, não. No caso da demissão de Romero Jucá foi diferente. Temer tinha acabado de assumir no lugar da [ex-presidente] Dilma Rousseff e a pressão popular era maior.

Fonte: Nexo. 

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