Como não entrar em desespero se ELA, em março, aparecer mais que você. Por Flávio Carvalho.

Por Flávio Carvalho, para Desacato.info.

“Essa visão do mundo permanece ainda. Não modificou.
O que não se comenta. O que a razão alenta. O que não se cantou”
(Beto Jamaica e Ademario, Ilê Ayê).

Homens entram em crise a cada ano, quando chegamos perto do 8 de março. Machistas em desconstrução, principalmente.

Eu, particularmente, ainda tenho muitas etapas a superar. Mas dessa, felizmente, eu já passei. Por quê? Como?

Tento explicar brevemente, em alguns passos.

Estamos, os homens, tão acostumados ao protagonismo, a aparecer na frente, que eu até posso compreender a sua dificuldade de desapegar-se a ele (ao protagonismo) – desde que você não tente, jamais, justifica-lo. Faça-me logo esse favor. Aliás, faça esse favor a você mesmo.

E cada vez que você, macho, sentir-se tristinho, pobre coitado, longe das luzes e dos holofotes do poder, lembre-se de empatizar com todas as mulheres que nunca sequer o desfrutaram, por um minutinho de fama que seja.

Em seguida, lembre-se de algo que já deverias estar careca de saber. Há um privilégio, patriarcal, que age intensamente, sutilmente, sorrateiramente, dentro de você. Por mais que você pense que o ignora ou se engane que ele (o privilégio) não existe. Ou que, pior ainda: como é algo histórico, que vem de longe, talvez seja melhor você acostumar-se a simplesmente conviver com ele.

Acostumar-se com algo é o mesmo que não querer mudar.

Nunca haverá na história da humanidade nenhum motivo a acostumar-se com o que não presta, com o que faz mal, com o que é injusto. O único motivo pode estar implícito (mas nem por isso desaparecerá sozinho): isso, essa situação, te beneficia e seguirá te beneficiando.

Sabe qual o problema?

É que não é uma operação que acaba em igualdade. Uma equação que acaba em zero, ou em um a um. O seu privilégio (o nosso!) perpetua o sofrimento da outra metade do mundo. Pra cada um que ganha há, no mínimo, outra que perde. O privilégio de cada homem, hoje em dia, é agressivo contra aquilo de “todos somos iguais perante a lei”. E as “todas”? Leu os livros de história? Percebeu quem os escreveu?

Então, pra não me estender, te faço uma proposta.

Você já viu que há um movimento mundial de mulheres que se fotografam com um pé fora de casa, no tapete da frente da sua moradia, como se estivessem com um pé na rua? Está viralizando em todas as redes sociais.

Acontece que na Sindemia (ainda segues dizendo que é uma Pandemia? Não leu sobre isso?), a coisa complicou-se ainda mais. Há um debate social em diversos países sobre ir ou não ir às manifestações do 8 de março nas ruas de todo o mundo.

Quer minha opinião sobre isso?

Não te dou.

Aprendi a ficar no meu lugar, lembra? Volte e releia parágrafos atrás.

Quem foi que disse que homem, mais ou menos privilegiado, deve opinar sempre sobre o movimento de luta das mulheres?

Se você chegou até aqui recomendo ler o meu texto, nessa mesma Website sobre o Movimento um passo atrás. Sai da Frente! Ou um passo ao lado. Nesse caso, o importante é ler. E sentir (muito mais que tentar “entender”).

Volto a dar-te, então, aquela sugestão.

Neste 8 de Março, Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, vamos ficar em casa, nós, principalmente os que se assumem como eu, Machistas em Desconstrução, assumindo qualquer uma daquelas tarefas que foram impostas historicamente às mulheres? “Cuidar da casa”, lembra? Posso te garantir que trabalho doméstico não vai faltar.

Assim, com esse gesto – que não é simples – estamos contribuindo de diversas maneiras.

Como?

Primeiro, evitando a propagação da Sindemia. A cada homem menos, mais possibilidade de segurança social e sanitária para as mulheres que querem exercer o seu justo direito de reivindicar numa data que não é somente importante para elas e sim para toda a humanidade. E neste caso não importa se ela vai pra rua ou simplesmente encontrará um jeito de rever amigas – nem que seja pela Internet.

Em segundo Lugar, demonstrando que somos capazes de, empaticamente, sermos solidários individualmente (a uma mulher) e coletivamente (ao feminismo em geral). Mas, atenção. Não estou falando somente de ajudar e sim de assumir. Sabe aquilo de que pai ou companheiro não é aquele que somente ajuda e sim o que assume responsabilidades que também são suas?

E por terceiro e último, aproveitando para pensar na vida, reencontrar-se consigo mesmo, promover estas reflexões, filosofar lavando pratos (essa, eu aprendi com um cunhado muito consciente)… Enfim, desaparecendo das luzes e dos holofotes pra que o 8 de março não seja uma data e sim um sentimento coletivo.

Essa caminhada coletiva não começou agora, eu sei. Mas nunca deixe de pensar que o seu pequeno passo (quanto maior, melhor) será sempre fundamental.

Conto contigo. Elas também. Nós também.

Deixei pro finalzinho um pequeno, porém não menos importante comentário. Transforme toda essa reflexão em relação à luta contra o machismo em luta contra o racismo e encontrará paralelismos importantíssimos. Guardadas as devidas proporções, estamos falando quase da mesma coisa. Mas é só “quase”, sim?

A luta antifascista ou é antirracista e antimachista ou não é. Se é só fachada, eu tô fora.

E isso que eu nem falei nada ainda sobre a cosmovisão indígena ou quilombola. Dar uma reviravolta no mundo. Essencial.

“Vou dar a volta no mundo. Eu vou. Vou ver o mundo girar. Mas eu só saio daqui, quando o coral negro passar”.

Aquele abraço. E até a próxima.

Quer mais? Siga-me aqui em Desacato.info ou no meu Facebook @quixotemacunaima.

Flávio Carvalho é sociólogo, participante da FIBRA e do Coletivo Brasil Catalunya

@1flaviocarvalho, sociólogo e escritor. @quixotemacunaima (siga-me no Facebook).

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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