Como impedir que a rede Globo desvirtue novamente a luta popular?

Foto: Yuri Lorscheider, para Desacato.info

Por Jair de Souza, para Desacato.info.*

Como o sociólogo Jessé Souza deixa bem claro em seus mais recentes livros, a existência de Bolsonaro como uma figura importante no cenário político nacional é devida em grande medida ao papel desempenhado pela rede Globo e o conjunto da máfia midiática no Brasil.

A rede Globo e o grosso das corporações máfio-midiáticas que a seguem, em seu intuito de extirpar da mente de nosso povo a constatação de que um cidadão de origem muito humilde e um partido surgido das bases trabalhadoras foram capazes de chegar ao governo da nação e realizar um trabalho superior a tudo o que anteriores representantes das elites econômicas e os partidos a elas afinados tinham conseguido fazer até então, dedicaram muito esforço para disseminar uma descrença total em relação com as atividades políticas.

Não era uma tarefa fácil, visto que Lula transferiu a faixa presidencial a sua sucessora gozando da aprovação de mais de 85% da opinião pública nacional. Por isso, a intensidade do trabalho teria de corresponder à imensidão do objetivo a alcançar. E assim foi feito. Daí que a demonização de Lula, do PT e da participação popular na política de modo geral se tornou a atividade principal de todos os grandes veículos de comunicação corporativos do país.

O trabalho feito em tabelinhas muito bem entrosadas entre os coordenadores da operação Lava Jato e os órgãos de comunicação sob o domínio da rede Globo exerceu um papel importante para gerar em cada momento específico as manchetes e o clima que a ocasião pedia para atender os interesses dos que comandavam o processo.

Não se pode negar que o resultado foi muito favorável para eles. Para muita gente, a política passou a ser sinônimo de safadeza, de corrupção, de roubalheira. E a única solução seria tirar de vez do centro do jogo todos os que fossem vistos como políticos e, logicamente, substituí-los por “gente técnica” indicada por eles. No entanto, apesar de tudo o que alcançaram, Lula permanecia sendo a imagem de maior brilho a nível nacional, seu nome aparecia disparado na liderança de toda e qualquer sondagem de opiniões realizada no período pré-eleitoral.

Portanto, seria preciso eliminar este último entrave. Para tal, uma vez mais foram buscar ajuda naquele juiz que se havia destacado por fazer o entrosamento Lava Jato – rede Globo funcionar como por música. Sim, nosso infatigável Sérgio Conge Moro não iria deixar na mão aqueles com quem vinha trabalhado tão afinadamente nos últimos anos. O resultado todos já conhecem bem: condenação de Lula, sua prisão e a cassação de seu direito a disputar a eleição. As provas sobre os crimes cometidos por Lula… Bem, quem precisa de provas?

Agora bem, é preciso deixar claro que Bolsonaro não era o perfil ideal para a rede Globo, nem para nenhum grande capitalista que tenha algo de seu cérebro no lugar. Uma pessoa ignorante, incapaz, imprudente, insana mentalmente (e podem adicionar muitos outros in- a esta lista) não seria jamais o nome de preferência de ninguém para defender com firmeza os interesses do grande capital.

Mas, como diz o ditado popular, “como só tem tu, vai tu mesmo”. E foi assim que Bolsonaro virou o nome de consenso do grande capital financeiro, das multinacionais e de todos os reacionários do Brasil e do exterior. Que podiam eles fazer se seus nomes preferidos (Alckmin, Aécio, Serra, Marina, etc.) não conseguiam chegar nem aos 3% de preferências nas pesquisas eleitorais? O importante para eles naquele momento era impedir que o candidato de Lula vencesse. O resto, como de costume, eles acertariam depois.

Na verdade, a incapacidade e a bestialidade de quem eles optaram por apoiar surpreenderam até mesmo os que se mostravam mais otimistas quanto a seu desempenho no exercício da função. Está quase impossível aguentar! O homem montou uma equipe de trabalho que, seguramente, significa o que de pior já tivemos em toda nossa história republicana. Um bando de energúmenos e energúmenas que mete medo em qualquer um. Não é à toa que a economia vai de mal a pior, a imagem do Brasil no exterior serve de chacota para deixar claro o que um país de respeito não deve ser.

Mas, se as elites do dinheiro estão insatisfeitas, imaginem como estão se sentindo os milhões e milhões de cidadãos não privilegiados. E esta insatisfação está começando a ser exibida nas ruas. E parece que não vai ser possível coibi-la. Portanto, uma vez mais (como se deu no caso de Fernando Collor e no caso das manifestações de junho de 2013), eles precisam canalizar toda esta indignação, todo este clima de revolta, para um leito que lhes favoreça. Livrar-se do paquiderme que eles colocaram no governo? Sim, isto todo mundo deseja. Mas, o programa de governo que o mesmo paquiderme propõe é preciso ser mantido. Ou seja, é fora Bolsonaro, mas que permaneça o programa de Bolsonaro!

A rede Globo, seus vários órgãos associados e seus profissionais opinadores já estão em ação para levar adiante esta nova fase de seu plano. O plano agora é: Troca sem mudança. Em outras palavras, trocar o nome no comando (Mourão, presente) para manter os mesmos objetivos.

Dito isto, vem a pergunta: O que aqueles que estão na luta por motivos diferentes dos das elites devem fazer? A resposta (que não deve ser de fácil implementação, admito) é lutar para pôr fim ao governo da barbárie bolsonariana, mas não deixar que vingue a proposta da assunção de seu vice e a manutenção do programa antipovo e antinacional que ele também representa.

A campanha para um impeachment deve exigir que seja destituída a chapa que foi eleita por meios fraudulentos, não apenas o cabeça da mesma. Bolsonaro e Mourão foram eleitos com os mesmos votos, obtidos por meio das mesmas trapacearias.

O caso da facada milagrosa deve ser investigado com rigor por uma comissão de nomes idôneos e não comprometidos com interesses em jogo. É quase que uma certeza de que houve uma simulação de agressão, um plano orquestrado para interferir no resultado eleitoral. Os dados que dispomos até agora permitem fazer esta suposição. Mas, uma comissão digna de respeito poderia deixar tudo bem esclarecido. Os votos desta treta serviram para eleger o presidente e seu vice, não se esqueçam.

O mesmo se pode dizer com respeito ao apoio das regiões controladas por milicianos, nas quais houve os maiores percentuais de votos favoráveis à chapa vencedora.

Resumindo, não devemos nos deixar levar para o caminho escolhido pela rede Globo. Sei que não é fácil se livrar disto. A atração que os holofotes da Globo representam para quem está num embate político é um canto de sereia difícil de resistir. Mas, resistir é preciso! Devemos levantar com clareza a bandeira de que o que queremos é a realização de nova eleição presidencial para a escolha de novo presidente e novo vice, e não a simples substituição do atual pelo nome do vice de sua chapa.

Tarefas gigantescas. Podem ser alcançadas? A resposta não é um produto já terminado. Tudo vai depender da luta de cada um nos próximos dias, semanas e meses.

*Economista formado pela UFRJ e mestre em linguística também pela UFRJ.

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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