Como a soberania tecnológica de Cuba garante vacinas contra a Covid

Diante da pandemia de Covid-19, os cubanos recorreram, mais uma vez, à engenhosidade de seu povo para ser afetada o mínimo possível

Foto: EPA/AMPE ROGERIO / LUSA

Quando a Covid-19 chegou a Cuba, há um ano, os alarmes foram disparados por imagens aterrorizantes que mostravam o colapso das unidades de tratamento intensivo do mundo desenvolvido, devido ao número de infectados e mortos. Chegavam notícias da escassez de aparelhos para diagnosticar a doença e de locais onde se optou por ventilar um jovem porque os idosos tinham poucas chances de sobrevivência – e não havia ventiladores pulmonares suficientes.

Diante desse panorama sombrio e do cerco econômico cada vez mais sufocante dos Estados Unidos, a maior ilha das Antilhas não teve alternativa, senão recorrer, mais uma vez, à engenhosidade de seu povo para ser afetada o mínimo possível. Foi então que apostou na soberania tecnológica com todas as cartas. Doze meses depois, Cuba já tem cinco vacinas candidatas contra o novo coronavírus, além de diversos equipamentos e dispositivos médicos para enfrentar sua virulência.

Na terça-feira (16), no encontro semanal com cientistas e especialistas que assessoram o regime socialista no enfrentamento da epidemia, o presidente da República, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, exaltou o feito cubano. Ele falou precisamente de “sonhar e de fazer coisas”, tendo a maior soberania possível, fazendo alianças entre instituições científicas e universidades.

Na ocasião, foi apresentada no Palácio da Revolução uma atualização dos equipamentos e dispositivos médicos desenvolvidos pela indústria nacional para o combate à Covid-19 – da coleta da amostra ao resultado do PCR. “A intenção é que tenhamos soberania, independência, que isso nos torne muito mais eficientes, e que no futuro possam se tornar itens exportáveis da indústria médica, farmacêutica, biotecnológica e de toda a indústria cubana”, disse o primeiro vice-ministro Roberto Morales Ojeda,

Ao relatar o que foi feito neste ano difícil para o diagnóstico por técnicas moleculares, o doutor em Ciências José Luis Fernández Yero citou a produção de cotonetes cubanos, que em fevereiro alcançou 339 mil unidades por mês. Já o Centro de Neurociências de Cuba (Cneuro) iniciou uma nova linha para a fabricação automática dessas hastes flexíveis, que desde os primeiros dias de março passou a produzir lotes de teste, com capacidade para mais de 120 mil cotonetes por dia.

O Centro Nacional de Biopreparações também conseguiu desenvolver o primeiro meio de transporte de vírus obtido no país, destinado à coleta e transferência de amostras para o diagnóstico da Sars-COV-2. Desde abril de 2020, já foi entregue mais de 1,5 milhão desse produto, o que permite a preservação adequada dos testes.

Cientistas do Centro de Estudos Avançados desenvolveram uma ferramenta diagnóstica para extração magnética de RNA com nanotecnologia – que, em palavras mais simples, é um kit de reagentes de laboratório para extrair material genético, etapa essencial no processo de determinação de testes de PCR.

O pesquisador apresentou na reunião — também chefiada pelo primeiro-ministro Manuel Marrero Cruz — mais um equipamento a ser construído no país para a extração e purificação de 96 amostras de PCR ao mesmo tempo, o que permitiria mais rapidez e eficácia nos laboratórios. Trabalha-se em seu projeto mecânico e eletrônico, na programação e na confecção de seus cartões eletrônicos. “Neste mês”, disse, “o protótipo deve estar pronto”.

Da mesma forma, soube-se do ventilador invasivo de emergência Pcuvente, do qual 40 foram entregues em dez hospitais de Havana; o Ventipap, ventilador não invasivo que deve ser testado em pacientes no próximo mês, e um protótipo de tomógrafo de tórax por impedância elétrica, que permite a visualização contínua da função pulmonar à beira do leito, todos desenvolvidos pela Cneuro.

Os desenvolvimentos da Combiomed, importante empresa de tecnologia médica digital, cujos produtos já estão em todas as unidades de tratamento intensivo que tratam pacientes com a Covid-19, também foram apresentados à liderança do país. O diretor dessa entidade, Arlem Fernández Sigler, referiu-se a monitores, oxímetros de pulso, bombas de infusão, carros de parada e desfibriladores produzidos por aquela indústria, que fazem parte do suporte de vida de muitos hospitais cubanos.

Da mesma forma, eles se juntaram aos testes clínicos de vacinas candidatas com seus esfigmomanômetros digitais. Fernández Sigler falou detalhadamente sobre o desenvolvimento de um ventilador pulmonar de alto desempenho para tratamento intensivo de adultos, que deve ter seu protótipo pronto entre março e abril. Em relação a outros desafios em curto prazo, ele comentou sobre o desenvolvimento de um ventilador de alto desempenho para pacientes pediátricos e uma máquina cubana de anestesia.

Com tudo isso, disse o gerente, praticamente garantiríamos os equipamentos médicos de que precisa uma sala de tratamento intensivo, como monitor, oxímetros, bombas, ventiladores e aparelhos de anestesia. “É impressionante o que tudo isso custa fora do país”, disse.

O doutor em Ciências Raúl Guinovart Díaz, reitor da Faculdade de Matemática e Computação da Universidade de Havana, trouxe mais uma vez ao Palácio da Revolução os números da possível evolução da epidemia em Cuba. As curvas “não são favoráveis – elas são de alta incidência e precisamos de novas medidas para quebrar essas projeções”, avaliou o presidente Miguel Díaz-Canel.

O presidente indicou analisar outras medidas que possam impactar na incidência de casos positivos e óbitos. Com o que fazemos agora, especificou ele, ficaremos em um patamar que continua prevendo mais de 700 casos diários e três a quatro óbitos por dia

Ao analisar o comportamento do último dia na reunião do Grupo de Trabalho Temporário do Governo, o ministro da Saúde Pública, José Ángel Portal Miranda, informou que foram diagnosticados 792 novos casos, após processamento de 19.812 amostras de PCR. Os confirmados na terça-feira (16) representam um aumento de 8% em relação ao dia anterior. Por outro lado, as altas médicas atingiram a cifra de 1.060.

Uma videoconferência com todas as províncias do país contou com a participação do 2º Secretário do Comitê Central do Partido, José Ramón Machado Ventura, e do presidente da Assembleia Nacional do Poder Popular, Esteban Lazo Hernández. Na atividade, soube-se que os territórios com maior dispersão da doença são Havana (em seus 15 municípios), Sancti Spíritus (em sete de oito) e Pinar del Río (em nove de 11). Foram registrados três óbitos, igual ao do dia anterior, em Havana, Granma e Santiago de Cuba, com os quais a letalidade nacional pela Covid-19 é de 0,60%.

Os modelos matemáticos, reiterou o primeiro-ministro, “não mostram um bom presságio. A experiência nos disse que há perigo na confiança. São os exemplos das províncias de Granma e de Sancti Spíritus, que se destacaram pelos resultados, e hoje estão entre os piores. Obviamente, devemos mudar os métodos e medidas, para ver como buscamos maior eficácia”.

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