Como a política e a economia ameaçam as pretensões dos Brics

Por João Paulo Charleaux.

Da fundação do bloco, em 2009, à mais recente reunião, concluída na Índia no domingo (16), economia encolheu e tensões políticas cresceram, pondo em dúvida projeto de integração. Em 2009, quatro países criaram um novo clube. O grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China cresceu em 2010, com a entrada da África do Sul, e foi apelidado de Brics.

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Líderes do paíes que compõe os Brisc se encontram em Cúpula na Índia.

Em 2009, quatro países criaram um novo clube. O grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China cresceu em 2010, com a entrada da África do Sul, e foi apelidado de Brics. Apenas três anos mais tarde, esses cinco países, que detêm juntos 40% da população do planeta e quase um quarto do PIB mundial, já prometiam criar um banco de desenvolvimento e um fundo de ajuda mútua que somariam US$ 200 bilhões, se constituindo numa alternativa ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e ao poder da Europa e dos EUA.

Porém, da fundação dos Brics, em 2009, até a sua mais recente cúpula, realizada no domingo (16), em Goa, na Índia, todos esses planos ambiciosos sofreram contratempos importantes. A partir de 2011, a desaceleração na economia mundial fez o grupo perder fôlego. Internamente, Brasil e África do Sul mergulharam em processos de tensão política e de contestação a seus governantes. A Rússia acirrou tensões com os EUA no contexto da guerra na Síria e a Índia viu crescer o terrorismo e a disputa com o Paquistão pela posse da Caxemira, região localizada na fronteira entre os dois países.

“A coesão do bloco ainda está intacta, mas os países enfrentam individualmente diferentes graus de fragmentação política e econômica”

Sanusha Naidu- Analista de política internacional e de economias emergentes do IInstituto para o Diálogo Global, em entrevista para o “The Conversation”, no dia 14 de outubro

US$ 200 bilhões

É o quanto os Brics pretendem reunir no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), voltado para o financiamento de projetos de infraestrutura, e no Arranjo Contingente de Reservas (ACR), para socorrer seus membros em crise econômica.

Dificuldades econômicas

O período imediatamente após a fundação dos Brics ficou conhecido pela explosão no preço das commodities (nome dado à matéria prima, em estado bruto ou com baixo grau de transformação, essencial para países industrializados). Esse movimento beneficiou países exportadores de petróleo e de gás, como a Rússia, e de soja e de minérios, como o Brasil. A euforia passou em 2015, com a queda na demanda chinesa por esses produtos e o consequente esfriamento do mercado.

Os chineses vivem um momento de mudança em sua matriz econômica. Com sinais de fadiga do modelo que privilegiava produção industrial para exportação, eles pretendem aumentar os esforços para fazer crescer o poder de consumo de seu mercado interno. Isso significa que o ritmo do crescimento chinês seguirá desacelerando, assim como sua demanda por matérias primas.

“A China está recalibrando sua economia, mudando para um modelo de economia mais marcado pelo padrão de consumo doméstico”- Sanusha Naidu- Analista de política internacional e de economias emergentes do Instituto para o Diálogo Global, em entrevista para o “The Conversation”, no dia 14 de outubro.

E essa mudança da China afeta os outros integrantes dos Brics, produtores de commodities. Em 2013, o comércio dos chineses com os outros membros do grupo ultrapassou os US$ 300 bilhões, mas ficou em US$ 257 bilhões em 2015. Antes de entrar no bloco, ainda em 2007, a China crescia 14% ao ano. No primeiro trimestre de 2016, esse índice estava em 6,7%, com projeção de encerramento dos 12 meses em 6,3%. O gráfico abaixo mostra a queda na importação chinesa de produtos oferecidos pelos demais países dos Brics.

DEMANDA MENOR

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O gráfico abaixo mostra o crescimento do PIB dos países membros do bloco e sua posterior queda.

DESACELERAÇÃO

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A África do Sul sofre com o déficit fiscal e em conta-corrente, inflação em alta e crescimento em queda. A projeção de crescimento em 2016, que era de 1,7%, foi revista para 0,9%. A Índia é a única que destoa do mau momento do bloco, por sua menor dependência das commodities e um potencial de crescimento interno inexplorado.

Problemas políticos

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Membro da segurança da cúpula dos Brics na Índia fica de guarda no evento. Foto: FOTO: Danish Siddiqui/Reuters.

A Rússia também soluça na economia, mas, pior que isso, entrou em setembro de 2015 na guerra da Síria, batendo de frente com forças tão opostas quanto os EUA e o Estado Islâmico, ao mesmo tempo. O Brasil trocou de presidente em 31 de agosto, depondo Dilma Rousseff num processo traumático de impeachment em meio a uma crise econômica. E a África do Sul viu o partido conhecido como ANC (Congresso Nacional Africano, em português), fundado pelo líder histórico Nelson Mandela, e hegemônico há 22 anos na política nacional, sofrer revés histórico nas eleições locais de agosto. A retração é vista como um sinal de forte desaprovação ao presidente Jacob Zuma, que é do ANC.

A Índia viu crescer a ameaça de ataques terroristas na fronteira com o Paquistão, onde os dois países disputam a região conhecida como Caxemira. Um mês antes da cúpula dos Brics, um ataque terrorista matou 18 na Índia. O premiê indiano, Narendra Modi, conseguiu que a declaração final do encontro emitisse uma forte condenação a esse ataque, atribuído ao Paquistão. O texto usa 37 vezes variações da palavra “terrorismo”.

Ambições do grupo vão além da economia

O bloco anuncia projetos comuns em mais de 30 áreas, que vão desde turismo e cultura até cooperação espacial, tecnologia, internet e segurança internacional.

Sua faceta mais ambiciosa é expressada de maneira clara, mesmo para os padrões diplomáticos: “o Brics defende a reforma das Nações Unidas e de seu Conselho de Segurança, de forma a melhorar a sua representatividade, em prol da democratização da governança internacional”, diz o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Com isso, o grupo diz claramente: queremos mais espaço nas áreas que realmente importam.

Conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança é há anos uma das prioridades da agenda internacional do Brasil, da Índia e da África do Sul (China e Rússia já fazem parte do grupo, juntamente com EUA, Reino Unido e França). Esses três países dos Brics são hoje potências regionais que aspiram a uma espécie de próximo passo em sua etapa de crescimento.

O Conselho de Segurança da ONU é o único órgão do mundo autorizado a aprovar o uso da força nas relações internacionais. É ele quem decide também sobre a adoção de sanções econômicas e militares contra países, além de deliberar sobre a constituição de forças multinacionais de paz e sobre a criação de tribunais internacionais capazes de julgar chefes de Estado à revelia de seus próprios sistemas nacionais de Justiça.

O que significa a sigla Brics

Brics é um acrônimo formado pelas iniciais de seus países membros – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa, em inglês). Mas o nome se refere a um conceito mais amplo e foi cunhado pelo mercado antes mesmo da formação oficial do bloco.

O responsável pela criação do nome Bric (sem a África do Sul), em 2001, é Jim O’Neil, então economista-chefe do banco Goldman Sachs, e, até setembro, ministro do Tesouro do Reino Unido. As características comuns entre Brasil, Rússia, Índia e China iam além dos grandes territórios e populações. Com baixo grau de desenvolvimento, os emergentes tinham grande potencial de crescimento nos anos seguintes.

O nome fez sucesso na academia e no mercado. Em 2006, os quatro membros fundadores dos Brics se reuniram durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, para arquitetar o lançamento do bloco, que viria a ocorrer três anos depois, em Ecaterimburgo, na Rússia. A África do Sul foi oficialmente admitida no bloco em dezembro de 2010.

Saem os Brics, entram os Ticks

Para alguns analistas, as dificuldades enfrentadas pelos países membros dos Brics, tanto individualmente quanto coletivamente, levarão o grupo a ser superado por outros arranjos de força mais pujante.

Em janeiro, a publicação econômica inglesa “Financial Times” publicou artigo no qual anunciava: “Os Brics estão mortos. Vida longa aos Ticks”.

A nova sigla é formado por países “tech-heavy” (algo como pesadamente tecnológicos), como China, Índia, Coreia do Sul e Taiwan. O novo acrônimo “tick” significa “carrapatos”, em português, em referência à tenacidade de seus membros.

“Esse realinhamento é revelador da mudança de natureza dos mercados emergentes – e do mundo, em geral – com serviços, particularmente na área de tecnologia, crescendo em comparação com o intercâmbio de bens físicos, especialmente as commodities, em retração”, diz o “Financial Times”.

Fonte:https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/10/17/Como-a-pol%C3%ADtica-e-a-economia-amea%C3%A7am-as-pretens%C3%B5es-dos-Brics.

Fonte da foto: Sergei Karpukhin/Reuters.

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