Combate às fake news na eleição: sinais de autoritarismo e dúvidas

Fux faz proposta a plataformas digitais que aparentemente atropela um dos principais pilares do Marco Civil da Internet. Aloysio Nunes está mais preocupado em censurar o jornalismo declaratório do que as notícias falsas. Embaixador convidado vê redes sociais como "ameaça à democracia". Para onde o TSE caminha nesse debate?

Foto: Reprodução

Por Cíntia Alves.

O debate ainda está em andamento, mas o que saiu de um seminário internacional organizado pelo Tribunal Superior Eleitoral sob a gestão do ministro Luiz Fux é preocupante. As falas do próprio presidente da Corte e de convidados deveriam acender um alerta na cabeça do eleitor e de qualquer brasileiro que tenha estima pela liberdade de expressão na internet.

Fux propôs, entre outros pontos, que o TSE faça parcerias com plataformas como Google e Facebook para retirar notícias falsas da internet durante as eleições. O ministro ainda não deixou claro o que será considerado fake news pela Justiça Eleitoral, mas adiantou que quer usar o “poder de polícia” que tem para remover rapidamente os conteúdos contestados.
A justificativa de Fux é: se os fiscais podem, durante a campanha, retirar das ruas placas, faixas e cartazes que sejam irregulares, por que então ele não poderia combate fakes news com a mesma força? “Que desânimo é esse? O desânimo é limítrofe à leniência”, disse.
Fux está avaliando apenas se as plataformas precisam de “decisão judicial” ou se o “poder de polícia da Justiça Eleitoral” basta.
Não se sabe os detalhes do que está sendo tratado entre o TSE, Google e Facebook. O que se sabe é que o Marco Civil da Internet tem três pilares: a neutralidade da rede, a segurança dos dados e a liberdade de expressão.
Este terceiro fundamento permite que todo cidadão com acesso à rede tenha direito de publicar o que quiser, ciente de que poderá ser responsabilizado por conteúdos inapropriados e ilegais. Nestes casos, os autores estão sujeitos a processos. As plataformas, a depender do caso, poderão ser co-responsáveis. Mas, no geral, nada sai do ar com um estalar de dedos. É preciso uma decisão judicial decorrente do devido processo legal. As exceções já estão delimitadas, como no caso de disseminação de pornografia infantil. Aí sim a plataforma tem autonomia para notificar o usuário e deletar o conteúdo sem respaldo jurídico.
Esse pilar não foi construído ao acaso: o Marco Civil foi feito para respeitar o direito constitucional à liberdade de expressão na internet. Considerar que conteúdos podem ser tirados por decisão da Justiça Eleitoral preocupa principalmente porque o TSE não deixa claro quais os critérios e encaminhamento jurídico usaria para isso.
REDES SOCIAIS COMO AMEAÇA À DEMOCRACIA
O evento promovido pelo TSE para debater o assunto também foi marcado por outra frase que merecia uma explicação melhor de seu autor, o embaixador da União Europeia no Brasil, João Gomes Cravinho. Segundo relatos da assessoria da Corte, Cravinho, ao comentar o poder de massificação da internet, disse: “Num lapso de apenas seis anos, as redes sociais passaram de uma ferramenta para o reforço da democracia para serem utilizadas no ataque às democracias.”
A sentença de Cravinho expõe como a classe política não está preparada para lidar com o potencial de organização social das redes. Acadêmicos renomados como Manuel Castells e Henry Jenkys, pais dos conceitos de “sociedade em rede”, “autocomunicação de massas” e “cultura da convergência”, se dedicam atualmente a pensar essa incapacidade de governates em compreender, reagir e se comunicar com ideias que são manifestadas, organizadas e estendidas ao mundo real a partir das redes sociais.
É possível que Cravinho tenha se limitado a pensar no uso de fake news para desestabilizar políticos e governos quando viu nas redes uma “ameaça à democracia”. Seria interessante saber se ele propôs algum modo específico de acabar com as notícias falsas. Nas matérias divulgadas sobre o evento, até agora, não há informações a respeito.
CENSURA À LINHA EDITORIAL
Também convidado a falar no evento, o chanceler Aloysio Nunes (PSDB) foi outro elemento que acendeu um sinal amarelo. Em vez de se limitar às notícias falsas, ele ampliou o escopo da discussão inserindo na roda o jornalismo declaratório praticado a exaustão em tempos de Lava Jato.
Nunes defendeu que as notícias falsas disseminadas nas redes, criadas a partir de boatos ou de fatos totalmente inverídicos, às vezes, são menos danosas às imagens dos políticos do que as reportagens de veículos de imprensa que contém meias verdades, ou seja, que misturam fatos reais com mentiras.
“O viés informativo é, muitas vezes, mais danoso do que a própria notícia falsa. A escolha do ângulo da reportagem pode inocular um componente de ‘mentira na verdade’ e seu impacto pode causar danos irreversíveis na imagem. Há viés em vazamentos de autoridades, em inquéritos em andamento. Pode se transformar em fake news, não só nas redes sociais como na mídia tradicional”, disse.
Para citar um exemplo, ele comentou o caso de Marina Silva, que conseguiu uma ordem judicial para retirar da internet algumas postagens que diziam que ela havia sido envolvida na Lava Jato.
Ocorre que estas postagens foram feitas a partir de uma matéria divulgada pelo jornal O Globo. Mais precisamente, pela coluna de Lauro Jardim. Ao que tudo indica, alguém com poder de vazar conteúdo de delações havia informado ao jornalista que a OAS confessou caixa 2 na campanha de Marina a investigadores. Como a delação não deu em nada, Marina acionou a Justiça. Teria, então, O Globo difundido fake news na visão de Aloysio? 
Ao que tudo indica, o tucano está preocupado com a alta possibilidade de vazar delações premiadas durante a eleição. Deveria mesmo. Quem não lembra da capa de Veja na véspera do segundo turno de 2014, que dizia que Dilma e Lula “sabiam de tudo” que ocorria na Petrobras? Até hoje essa delação de Youssef não apresentou nenhuma prova correspondente, embora tenha sido usada para fazer muito estrago.
DÚVIDAS
Fux faz questão de ressaltar em todas as entrevistas que o combate às notícias falsas será feito com vigor. Mas falta avançar muito na questão que talvez seja principal: o que o TSE vai classificar como fake news?
Veículos de imprensa tradicional como O Globo serão acusados de fake news e obrigados a despublicar matérias como esta que usa uma delação premiada que desagradou Marina? Ou somentes os veículos com recursos infinitamente menores serão atingidos? Erro de apuração é fake news? Ou só notícia que nasceu de boato sem nenhum fundamento no real?
Sem ser transparente quanto ao conceito de fake news, o TSE vai usar seu poder de polícia sobre todos os cidadãos e em todas as plataformas de redes sociais possíveis? Como fará isso sem atropelar o Marco Civil? Haverá punição para os afetados?
Cenas dos próximos capítulos.

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