Com esse Partido dos Trabalhadores quem precisa de partido neoliberal?

Tanto o PT quanto o setor defensor das medidas do ajuste se aproveitaram da polarização e concluíram um projeto neoliberal que passaria com muito mais dificuldade não fosse o “fla-flu” das ruas e redes sociais.

Por Douglas Rodrigues Barros, para Desacato.info.

O cenário político brasileiro foi dominado pela lógica do espetáculo. A miopia teórica e política se expressa nas análises de “potencial crítico” que geralmente fazem coro com o governo. Em tempos de obscurantismo e guerra ideológica o que se perde é a análise crítica. No mar de defesa ou ataque ao bloco político poucos são os que escapam às tendências do espírito dominante. Qualquer voz que destoe dessa lenga-lenga é considerada inimiga. Tristes tempos.

Entretanto, a crítica deve se impor independente das escolhas feitas pelos gestores e técnicos da máquina estatal, independente da torcida ideológica e independente das vontades dos neoliberais ou keynesianos tupiniquins. Deve se impor porque se deve refletir sobre a lógica ilógica de valorização predatória e contínua do sistema econômico.

Sobre essa dinâmica que dominou o cenário político muito já se falou, inclusive em alguns casos com perspicácia. O que não se falou ainda foi que esse cenário de luta, entre gregos e troianos, favoreceu a aprovação de medidas e leis, à toque de caixa, que estão passando à revelia do mínimo debate público. Medidas e leis que fatalmente envolverão a todos e que foram privatizadas por algumas dúzias de fundamentalistas. Entendamos os motivos disso:

No início de 2014 havia se tornado evidente que a economia chinesa desacelerava, o que levaria fatalmente à prejuízo nas exportações de commodities brasileiro para o grande parceiro comercial. Em janeiro ninguém menos que George Soros – esse bom burguês – chamou a atenção, no Fórum Econômico Mundial de Davos, para o esgotamento do modelo de crescimento econômico chinês. No mesmo ano o nível das exportações brasileiras se comparado com 2013 diminuiu seguindo a dinâmica imposta pelas oscilações e vacilações do mercado global.

A política de valorização do real prejudicava, dessa maneira, o setor exportador ligado ao agronegócio. Por isso, a desvalorização da moeda seria o quinhão a ser pago pelo PT devido ao apoio recebido por grandes empresas em sua campanha. A JBS S/A, – principal financiadora da campanha de Dilma – cujo faturamento em 2014 foi de R$ 120 bilhões, dependia muito do enfraquecimento do real e da valorização do dólar.

Por outro lado, não podemos nos esquecer também do setor financeiro. Esta figura non grata está demasiadamente vinculada às operações do orçamento público. Não é por acaso que o intervencionismo seja operado nas políticas econômicas do governo a fim de tornar mais lucrativas as demandas para esse setor. Agora, por exemplo, a dívida pública interna – que na verdade hoje é uma miscelânea de investimentos de credores estrangeiros – faz com que os tubarões do setor financeiro lucrem e defendam seu herói Levy.

Já é factível que os principais beneficiários do endividamento interno são os grandes bancos e investidores nacionais e estrangeiros. Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida só com amortizações e juros o governo gastou em 2014 R$ 878 bilhões de reais ou 45, 11% do Orçamento Geral da União. Já em 2015, no exato momento em que escrevo, a dívida atinge R$ 671 bilhões, somando 47% dos gastos federais. O ajuste promovido pelos “ex-quase-socialistas”, dessa forma, só atingiu setores que envolviam os trabalhadores; nada se falou, por exemplo, de cortes com gastos da dívida.

A cartilha neoliberal, da qual Joaquim Levy é adepto, sempre sugeriu que a substituição desses investimentos e financiamentos seriam feitos pela iniciativa privada. Entretanto, num cenário de recessão técnica o que se percebe é a ineficiência dos serviços e a incapacidade de reação dos mercados. O resultado imediato de tal adoção político-econômica pelo PT foi à imediata remoção de direitos dos trabalhadores, aumento do desemprego, redução de salários por meio da perda de direitos sociais. A taxa de desemprego, segundo o IBGE, somou 8,1% em apenas três meses e, dado a recessão em que mergulhou o país, essa cifra parece querer aumentar. A lista do ajuste fiscal incluiu também o aumento de tarifas públicas; o transporte público, a energia e a água foram reajustados para garantir a viabilidade lucrativa para determinados setores.

Para o PT foi necessário reacender a chama de sua militância em meio a uma súbita polarização que teve suas raízes no desgosto popular com as instituições burocratizadas do Estado em junho de 2013. Polarização que foi canalizada pela imprensa neoliberal cujo espetáculo foi garantido em tempo real, até por dancinhas coreografadas em alguns lugares do país. Em linhas gerais, a polarização ideológica permitiu que o pacotão do ajuste passasse sem grandes danos políticos. O mal menor promovido pela campanha publicitária do PT colou muito bem e trouxe alguns benefícios estratégicos à alguns setores econômicos que há muito vinham querendo implantar medidas radicais de cortes.

Tanto o PT quanto o setor defensor das medidas de austeridades se aproveitaram da polarização e concluíram um projeto neoliberal que passaria com muito mais dificuldades não fosse o fla-flu das ruas e redes sociais. Então, quem pagou por isso? Os próprios trabalhadores.

Parte da esquerda entrou, assim, num processo de esquizofrenia; defender um governo que faz melhor o serviço da direita. E isso trouxe como resultado uma espécie de levante reacionário virtual que, mediante as frustrações dessa esquerda, aproveitaram-se para construir a representação fantasmagórica de um inimigo interno comum.Tal como fizeram os fascistas. Além disso, tornava-se evidente que os setores conservadores e elitistas promoveriam um desgaste político para desequilibrar o governo. Mas, Dilma preferiu tentar a sorte beijando as mãos de setores que historicamente foram contra todo e qualquer tipo de avanço social.

A sonhada governabilidade agora cobra um alto preço, qual seja: aprovar todas as medidas impopulares do ajuste fiscal e se adequar as manobras impostas pelo PSDB para realização de um terceiro turno permanente como uma nova forma sofisticada de golpe. Além é claro de fazer silêncio ante a reacionária PLC 101/2015 que colocará os movimentos sociais sobre a mira da opressão legal para, com isso, garantir a aprovação de medidas mais radicais de cortes e culminar com o desaparecimento da população popular na decisão dos rumos do país.

A suposta governabilidade recai nas costas dos mais vulneráveis socialmente, e a maionria da população obviamente não enxerga diferença alguma entre esquerda e direita. Isso porque parte da esquerda forjada nos idos de 1980 se retraiu a uma posição de defesa do governo independente do ônus para aqueles que dizem defender. Mesmo alguns meios independentes de comunicação cegam diante do bom trabalho que o Partido dos Trabalhadores desempenha para as classes proprietárias e para os conservadores. A lei do terrorismo irá passar sob o silêncio cumplice de um partido que diz defender as bases sociais. Enfim, Žižek disse certa vez se referindo à esquerda europeia: “Com uma esquerda dessas, quem precisa de direita?”. O mesmo raciocínio pode ser importado ipsis litteris: Com um Partido dos Trabalhadores desse, quem precisa de partido neoliberal?

Imagem: www.florianonews.com

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