Com atraso da vacinação, novas variantes do coronavírus podem surgir no Brasil

Especialistas dizem que contágio descontrolado pode fazer do país um “criadouro” de mutações do coronavírus

 Foto: Thibault Savary/AFP

O descaso do Brasil com a covid-19 pode fazer do país um potencial “exportador” de novas variantes do coronavírus. Especialistas alertam que as poucas vacinas aplicadas, a falta de uma coordenação nacional para a imunização e a ausência de medidas de restrição para enfraquecer o contágio podem fazer com que o vírus replique mais rápido, tornando o território nacional uma espécie de “covidário”.

Até o momento, três mutações do coronavírus chamam a atenção, com origens diferentes: África do Sul, Reino Unido e Brasil. Cientistas alertam que a variante brasileira, encontrada pela primeira vez em Manaus, é 56% mais infecciosa que a cepa original e já foi detectada em pelo menos outros dois outros países, Japão e Estados Unidos.

O cientista de dados e coordenador na Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaupt, explica que as variantes surgem na infecção, ou seja, ao entrar na pessoa, o vírus se replica nas células, mas com a possibilidade de criar uma cópia modificada. De acordo com ele, diante desse cenário, quanto mais amplo o contágio, mais se torna fácil o surgimento de novas mutações.

“Quanto maior o contágio, mais fácil de surgirem variantes. Por isso não há variantes da Nova Zelândia ou Austrália, porque eles fecharam o país e acabaram com a transmissão. A Inglaterra teve uma bomba de contágio, Manaus também, por isso essas regiões criaram novas variantes”, afirmou à RBA.

Brasil, o ‘berço’ das variantes do coronavírus

O descaso do governo de Jair Bolsonaro com a vacinação é um dos principais problemas que o país enfrentará. Schrarstzhaupt lembra que o presidente chegou a defender a “imunidade de rebanho”, na qual toda ou quase toda a população contrairia o vírus para criar anticorpos, estratégia cuja eficácia não é cientificamente comprovada no caso da covid-19.

“O aumento de casos é o que gera a mutação, não o contrário. O excesso de contágio cria novas variantes, e Manaus é exemplo disso. A culpa do excesso de casos não é da variante. Se a gente não freia esse contágio, com medidas restritivas, não tem como evitar o surgimento de uma nova cepa”, afirmou o especialista.

O biólogo e doutor em virologia Atila Iamarino se diz preocupado com o vírus continuar transitando entre tantas pessoas. “Contando com a ‘imunidade natural’ para parar o vírus, o Brasil pode ter virado um berço de novas variantes”, tuitou em seu perfil na rede social.

Isaac Schrarstzhaupt acrescenta ainda que o governo brasileiro pode transformar o país numa “nação pária”, cuja conduta passaria a ser considerada fora das normas internacionais. “O mundo inteiro vacinando e nosso país nem aí para a imunização. O que vai acontecer? Vamos ter uma nova variante e terão que isolar nosso país”, disse, ao lembrar da proibição de voos que saem do Brasil para parte da Europa e Estados Unidos.

‘Spoiler do vírus’

As farmacêuticas seguem desenvolvendo e distribuindo as vacinas contra a covid-19 e já estão lidando com novas variantes do coronavírus. Até o momento, cientistas e pesquisadores afirmam que as atuais mutações não tiram toda a eficácia dos imunizantes, mas são capaz de reduzi-la.

A Oxford afirmou, nesta sexta-feira (5), que a vacina desenvolvida pela universidade em parceria com a AstraZeneca é eficaz contra a variante britânica do coronavírus, denominada B.1.1.7. Entretanto, executivos da Moderna, da Pfizer e de sua parceira BioNTech já cogitam trabalhar em novas versões de suas vacinas para reagir às variantes.

Ao El País, Carmen Cámara, da Sociedade Espanhola de Imunologia, explica que há variantes que comprovadamente reduzem a eficácia de imunizantes. “No caso da variante sul-africana, e provavelmente também da brasileira, por compartilharem a mesma mutação, todos os dados obtidos sobre anticorpos estão criando consenso sobre uma diminuição parcial da capacidade neutralizante em torno de 25%. Ou seja, nosso nível de proteção cairá de 95% para cerca de 70%, percentual ainda muito alto.”

Isaac diz que a vacina é um “spoiler do vírus” que deixa o organismo pronto para combatê-lo. Porém, as mutações trazem uma versão diferente desse spoiler, por isso há a possibilidade de redução na eficiência. “Fica mais difícil o corpo aprender a combater com a vacina, porque o vírus não vem igual. A vacina não deixará de funcionar completamente, mas quanto mais deixar o vírus solto, com as pessoas se infectando cada vez mais, maior a chance de surgirem novas variantes, e até com uma mutação muito mais diferente”, alertou.

Ainda nessa sexta, o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS) na Europa, Hans Kluge, exigiu a aceleração da campanha de vacinação no continente. De acordo com ele, há uma preocupação com o risco representado pelas variantes do novo coronavírus. “As farmacêuticas, que normalmente competem entre si, devem unir esforços para aumentar drasticamente as capacidades de produção. Devemos nos preparar para outras mutações problemáticas do vírus”, defendeu.

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