Com agroecologia, MST desenvolve programa para recuperar a Bacia do Rio Doce

Foto: Reprodução.

Por Geanini Hackbardt.

O programa possui três pilares estruturantes: a assistência técnica, a recuperação ambiental e a educação. Assim, centenas de famílias, de 23 áreas estão recebendo assistência técnica, participando de cursos para fazer o planejamento dos lotes, plantar agroflorestas e recuperar áreas degradadas.

Os projetos visam o reflorestamento de 5.266 hectares em 10 anos, principalmente em áreas de recargas hídricas e de preservação permanente. Com a assistência técnica para as famílias que foram atingidas, destes hectares, 2.500 serão agroflorestas. E na área da educação, está iniciando a proposta para que os agricultores estudem agroecologia a partir do método cubano Camponês a Camponês.

Confira a entrevista.

Jornal Sem Terra: Como foi pensado o programa de agroecologia? Qual a relação com a recuperação da Bacia do Rio Doce e a reparação das famílias atingidas?

Aguinaldo Batista: Esse programa é fruto de um acúmulo do Movimento Sem Terra na questão do melhor uso e função da terra. No Congresso de 2014, firmamos duas linhas orientadoras no Programa Agrário. Uma delas seria a produção de alimentos sem agrotóxicos, ou seja, alimentos saudáveis, e a segunda linha, produzir sem agredir o meio ambiente. Ou mesmo, recuperá-lo, preservá-lo, cuidar dos bens naturais como terra, água, solo, arborização e biodiversidade, questões que envolvem agroecologia. O programa de restauração ambiental na Bacia do Rio Doce vem na perspectiva de que nós temos território conquistado e uma força de trabalho já vocacionada com ideais e práticas camponesas. Então, é um terreno fértil para desenvolver ações de restauração ambiental que tivessem o princípio da sustentabilidade com longevidade da ação, e assim, o envolvimento das famílias dos assentamentos no que tange a recuperação de áreas de preservação permanente, áreas de recarga hídrica e para o controle de erosões. Logo, há uma relação de compromisso e resistência ativa na luta, para que as famílias encontrem um caminho de uso e posse da terra com pertença e envolvimento, incluindo as mulheres e os jovens no processo de organização, produção e na reprodução da vida.

JST: Para viabilizar os projetos, o MST fez uma parceria com a Renova, instituição responsável pela reparação dos atingidos pela Samarco-Vale no entorno do Rio Doce. Porém, existem muitas críticas à atuação da Renova. Como o movimento encara essa relação?

O Movimento, com seus ideais, princípios e práticas de restauração ambiental consolidadas, vê no crime da Vale em Mariana uma possibilidade de devolver parte da vida perdida no Vale Rio Doce. Então, o Estado brasileiro exige da Vale, da Billiton e da Samarco um programa de mitigação e restituição a partir do crime cometido. Nesse sentido, o MST fez uma releitura do termo de ajustamento de conduta exigido dessas empresas, e procurou levar à frente parte do seu Programa Agrário apresentando um projeto à Renova, que é a mantenedora do programa de mitigação e ele foi aceito.

A crítica que possam fazer, talvez se deve a uma baixa interpretação da conjuntura, sobre o que nós da classe trabalhadora temos que fazer para superar esse momento, onde vivemos uma conjuntura muito dura, e sairmos vivos com condições de elaborar e apresentar para a nossa classe ações importantes de emancipação. Por mais que pareça um sucumbir às criações do opressor, na realidade é a consolidação de uma proposta libertadora.

Seguimos a nossa relação com a terra e com os bens da natureza de forma revolucionária, impactando e colocando em cheque o modelo de produção do agronegócio, que é de degradação da natureza, de destroçamento das condições favoráveis – do território, que influenciam no cultivo do solo. A nossa ação é de rompimento com essa matriz, pois além é uma revolução de cooperação, de solidariedade com quem come os produtos do campo e de reestabelecer as condições climáticas favoráveis na região.

Aguinaldo Batista. Foto: Matheus Teixeira

JST: O MST denuncia os crimes da Vale há anos em suas manifestações, ao mesmo tempo em que pauta a reestatização da mineradora. Qual seria a alternativa para manter a extração do minério e garantir a segurança dos moradores no entorno das barragens e a preservação do meio ambiente?

O MST, juntamente com outras organizações, denuncia os males que a mineração faz, não somente no Brasil, mas no mundo, porque essa é uma atividade econômica que não tem e nem respeita regramento algum. Na verdade, o que eles tentam fazer é extrair o máximo da natureza, com retirada de direito dos/as trabalhadores/as que operam nesse campo. A alternativa de fato é a estatização para controlar essa atividade da mineração, que é importante na existência humana, porém, não pode ser uma ação que tenha no seu limiar o lucro. Ela tem que ser um bem para a sociedade e para a humanidade. O uso deve ser estabelecido de acordo com as necessidades do povo, sem relação com a financeirização e com a margem de lucro exorbitante para investidores desse campo.

JST: Como está o andamento do projeto, qual a expectativa para o próximo período?

O projeto exige de nós uma engenharia e todo um planejamento, identificação, elaboração, uma organização cartográfica. Para o próximo período estamos buscando fazer os ajustes de cronograma da execução de obras, a busca de parcerias e fornecedores no mercado de materiais que precisamos para trabalhar e executar o programa. Nesse cenário vamos consolidando como uma organização consegue, a partir dos assentamentos e das relações agroecológicas, desenvolver esse trabalho e aprofundar cada vez mais um aprendizado que consolide uma outra prática cotidiana.

O projeto tem sido importante para contribuir na organização dos assentamentos sob a perspectiva do manejo e uso adequado da terra. Além, de qualificar e fortalecer a ideia de que a política de reforma agrária deve ser implementada em qualquer governo. E que a sociedade brasileira precisa estar atenta para essa questão, porque a reforma agrária pode conduzir a construção de condições climáticas, de uso e posse da terra muito mais adequadas, mais cidadãs, mais emancipadoras na produção de alimentos saudáveis, com todo o favorecimento do desenvolvimento nacional. Ou seja, ela não é só uma política de distribuição de terra, ela é uma política de desenvolvimento alicerçada nas bases epistemológicas e programáticas da agroecologia. É um passo largo para mudar a situação no campo e na cidade.

*Editado por Fernanda Alcântara.

Fonte: MST.

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