Colômbia: Um processo de paz para quem e para quê

Por José Antonio López.*

Havana (Prensa Latina) O conflito social, econômico, político e armado que há mais de meio século se coloca na Colômbia deve terminar; é o desejo indiscutível de todo um povo que sofreu os horrores da guerra imposta dos círculos mais conspícuos do poder oligárquico criollo e do grande capital estadunidense, os principais beneficiados.

As diferenças políticas e ideológicas nos discursos e propostas dos negociadores na instalação da Mesa de Diálogo, em Oslo, Noruega, falam por si sós.

O representante governamental, o político liberal e ex-vice-presidente da República Humberto de la Rúa Lombana, elipticamente descartou a possibilidade de um fim bilateral das ações militares e deixou claramente estabelecido que os diálogos entre governo e insurgência têm como objetivo silenciar os fuzis insurrectos.

Em troca, ofereceu que depois da desmobilização ou reinserção dos guerrilheiros, estes possam entrar no jogo eleitoral, se converter em partido político e desse “palco democrático” lutar para atingir o poder.

Expressava que conquanto seja justa a necessidade da equidade e reduzir as desigualdades, argumentava que para tais objetivos a agenda governamental se propõe a Restituição de Terras, o Reparo de Vítimas e o Desenvolvimento rural com caráter territorial.

Mas não mencionou a necessidade de incluir nessa agenda uma Reforma Agrária Integral, tema importantíssimo para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) tendo em conta que sua origem e a razão de existir é precisamente a defesa do tema agrário como objetivo prioritário.

Com a restituição das terras, o governo não faz mais que cumprir com uma obrigação de devolver as terras a seus verdadeiros donos, arrebatadas ou roubadas por latifundiários e paramilitares.

No entanto, deve-se conhecer que a restituição tem a condição jurídica de não devolver as mesmas terras que foram vendidas e “ocupadas legalmente”; o que não se investiga é se estas foram vendidas voluntariamente ou sob pressão e ameaça de morte dos paramilitares ou abandonadas pelo terror imposto por esses bandos criminosos a serviço do narcotráfico e dos grandes latifundiários e pecuaristas.

Aos camponeses desterrados lhes serão entregues terras fiscais, muitas delas em zonas afastadas, a maioria sem condições para a agricultura ou em zonas de solos mineiros ou petroleiros, onde a necessidade de investimento obriga-os a vendê-las a empresas que pertencem a oligarcas nacionais ou às grandes multinacionais.

A reparação das vítimas não tem um claro procedimento, nem como se vai definir essa justa e penosa reparação, pois para nenhum familiar há dinheiro ou retribuição material pela vida de um filho, um pai ou um ser querido.

Seu discurso não deixava espaço para dúvida, não seria abandonado o modelo econômico neoliberal estabelecido no país desde o governo de César Gaviria, aprofundado nos seguintes mandatos presidenciais, especialmente no governo de Álvaro Uribe Vélez, mas esclarecia que mediante a luta política eleitoral as FARC podiam chegar ao poder.

E mencionava os processos de governos progressistas e de esquerda que hoje são uma realidade em alguns países de nossa região e que tinham chegado ao poder sem o uso das armas.

Acontece que a Colômbia é um caso sui generis dentro de nosso universo sócio-político. A violência não foi imposta pela esquerda na América Latina, é conhecido que desde a década de 50 até nossos dias a impuseram as oligarquias criollas em cumplicidade e com o irrestrito respaldo político e militar dos Estados Unidos mediante as ditaduras militares.

Na Colômbia, foi imposta pela oligarquia criolla quando a 9 de abril de 1948 ordenaram o assassinato do líder liberal e popular Jorge Eliécer Gaitán, quando estava muito próximo de se converter em presidente dessa nação ao conquistar seu povo com seu programa de governo de profundo corte social e com o famoso discurso a Oração pela Paz.

A partir desse crime, desatou-se a violência política na Colômbia, que atinge nossos dias e que deixou milhares de mortos, desaparecidos, mutilados e milhões de desterrados.

O desejável para a insurgência e para os setores democráticos, progressistas e de esquerda colombianos é precisamente chegar ao poder pela via eleitoral e procurar as transformações sociais, econômicas e políticas, mas a realidade é que em cada ocasião que existiu essa possibilidade, a oligarquia recorre à violência e elimina esses sonhos.

Um exemplo disso é o sucedido com a União Patriótica com o assassinato de Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo, candidatos à Presidência por esse agrupamento. Ou com Carlos Pizarro Leongómez, aspirante à presidência pelo AD-M19.

Milhares de líderes de base da União Patriótica, dirigentes sindicais e populares de A Luchar, Frente Popular e a Corriente de Renovación Socialista, foram exterminados e os guerrilheiros reestabelecidos quando no processo de paz de 1991 resultaram assassinados ou desaparecidos 65 por cento deles. Qual é hoje a garantia de que esses massacres não vão se repetir?

Por outra parte, apela-se a que haja uma nova Constituição na Colômbia, efetivamente a de 1991, quando se assinaram os acordos de Paz com as organizações armadas e se integraram na Aliança Democrática -M19 e de 1989 a 91 negociaram aquele processo que culminou com a Assembleia Constituinte, e cuja Carta Magna surgida daquelas conversas hoje pouco ou nada fica do referendado, pois os governos posteriores e muito especialmente o de Uribe Vélez as modificou utilizando um Congresso majoritariamente corrupto e penetrado em mais de 35 por cento pelos paramilitares, como admitia o chefe narcoparamilitar Salvatore Mancuso, quando foi convidado a esse recinto parlamentar a expor as “bondades” desses bandos criminosos.

Por sua vez o comandante Iván Márquez, chefe da delegação das FARC-Exército do Povo (EP), propunha que o principal protagonista é o soberano, ou seja, o povo.

Povo que não está representado nestes diálogos e sem sua participação ativa será muito difícil que possam ser especificados acordos que levem a um feliz termo estas negociações.

O chefe guerrilheiro foi claro e enfático em denunciar a oposição de seu Movimento Político-Militar ao modelo econômico neoliberal e a forte penetração do capital financeiro estrangeiro e nacional no tema mineiro-energético, o Tratado de Livre Comércio e as formas enganosas que têm as leis de restituição de terras, reparação das vítimas e o chamado desenvolvimento territorial.

Expôs com claras cifras as abismais diferenças que hoje marcam a sociedade colombiana, composta por 44 milhões de habitantes e referia que: “Mais de 30 milhões de colombianos vivem na pobreza, 12 milhões na indigência, 50 por cento da população economicamente ativa agoniza entre o desemprego e o subemprego, quase seis milhões de camponeses deambulam pelas ruas vítimas do deslocamento forçado”.

“De 114 milhões de hectares que tem o país, 38 estão atribuídos à exploração petroleira, 11 milhões à mineração, dos 750 mil hectares em exploração florestal se projeta passar a 12 milhões. A pecuaria extensiva ocupa 39.2 milhões. A área cultivável é de 21,5 milhões de hectares, mas somente 4,7 milhões delas estão dedicadas à agricultura, algarismo em decadência porque o país já importa 10 milhões de toneladas de alimentos ao ano. Mais da metade do território colombiano está em função dos interesses de uma economia de enclave”.

Expostas com seriedade, honestidade e clareza todas as diferenças, agora se trata de tecer com agulha fina um processo de negociação que desemboque numa paz firme e duradoura com justiça social.

Processo que levará um paciente e longo processo de conversas; tomara que se dialogue sob uma trégua bilateral de fogo; que possam envolver-se todas as forças políticas e sociais e que esta política seja uma Política de Estado, porque os inimigos da paz estarão rondando constantemente e sem descanso, pois muitos podem perder o que hoje recebem à custa da guerra.

Por isso em todo diálogo deve-se ter sempre presente para que e para quem se deseja e quer a paz. Ninguém deve albergar a ideia de que a guerrilha colombiana está debilitada, o passo dado pelas FARC-EP é mais uma demonstração de vontade política e fortaleza que de debilidade.

Estimo que o governo sensatamente chegou à convicção de que não há vitória militar sobre a insurgência e que o ótimo é solucionar pacificamente o conflito onde o único que perde é o povo.

A decisão foi bem acolhida pela população que tem sofrido por anos este conflito armado interno e recebe o apoio de amplos setores da sociedade afetados pela guerra, para benefício não só da Colômbia.

Também para seus vizinhos, especialmente Venezuela e Equador que sofrem em suas fronteiras ações de guerra e colateralmente são receptores de milhares de imigrantes colombianos que fogem desta, e sem dúvidas, no caso venezuelano é o mercado mais importante depois dos Estados Unidos, que deve ser preservado.

Isso seguramente conduzirá, como tema de debate nestas negociações, a retirada de todas as forças militares estrangeiras baseadas nas formosas e belas terras colombianas pela ameaça que representam para a região e especialmente aos seus vizinhos.

*Jornalista e analista de temas internacionais.

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