Chile: Quando bastou dizer “não”

Por Haroldo Ceravolo Sereza.

Ela foi a mãe de todas as campanhas eleitorais da esquerda latino-americana por muitos anos. E, de certo modo, continua a influenciar a forma de fazer política na televisão. Em cartaz, o filme “NO”, de Pablo Larraín, conta pelo viés da propaganda política os últimos dias do governo de Augusto Pinochet, no Chile. Mas o faz de modo muito especial: como seus opositores construíram a ideia de que a ditadura podia chegar ao fim.

O general chileno, que ascendera ao poder em 1973, derrubando o governo democraticamente eleito de Salvador Allende num dos mais violentos golpes militares da região, enfrentava, no final dos anos 1980, pressões para deixar o poder. Havia, nos quinze anos que separam 1973 de 1988, conduzido uma das mais cruéis ditaduras latino-americanas, com milhares de mortos e desaparecidos e a implantação de um programa econômico neoliberal que serviu de modelo para inúmeros outros países – do Reino Unido de Margareth Thatcher e os Estados Unidos de Ronald Reagan ao Brasil de Fernando Henrique Cardoso e à Argentina de Carlos Menem.

Trailer do filme “NO”

Apesar desse papel de “vanguarda” do reacionarismo político e do ultraliberalismo econômico, a conjuntura internacional dos anos 1980 “pedia” que a América Latina pusesse fim a suas ditaduras. Brasil, Argentina e Bolívia, entre outros, já tinham pactuado suas transições, mas Pinochet resistia à ideia de deixar o governo.

Optou, então, por uma outra via, a de legitimar mais oito anos de governo, convocando um referendo que, acreditava, não teria outro resultado que não o “sim”, ou seja, que o Chile queria renovar seu “mandato”.

De fato, tudo parecia conduzir para que o referendo apenas confirmasse a permanência de Pinochet. Mas a coalizão de partidos que defendia o “não”, que incluía socialistas, social-democratas e democratas-cristãos, acabou encontrando um caminho que conduziu a um fim pacífico e inesperado, com a derrota de Pinochet na votação.

Trecho da campanha, de 1988

O que há de novo nesse processo, e o filme nos conta por meio dos bastidores, é a construção do discurso político tomando emprestados conhecimentos da publicidade. O protagonista, René Saavedra (Gael García Bernal), é um publicitário, filho de exilados, que acaba assumindo a campanha do “não”.

Seu dilema é justamente esse: como fazer uma campanha do “não”, com apenas quinze minutos diários, num horário ingrato, contra um presidente que, de certo modo, apresentava relativo sucesso na condução da economia (ainda que ampliando a diferença entre ricos e pobres) e tinha todos os meios à mão para defender o “sim” – do controle das TVs privadas e estatais ao clima de medo de eclosão de mais violência caso o “não” fosse vitorioso.

Fonte: Ópera Mundi

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