Chacina do Vigário Geral e a violência do Estado brasileiro

Protesto em Copacabana, no Rio, relembra a chacina. Foto: Fernando Frazão / ABr.

Por Fernanda Alcântara.


Há 26 anos, em um final de tarde após um jogo de futebol do Brasil, uma chacina brutal estava prestes a se tornar pauta nos noticiários. Embora nos dias atuais seja rotineira, muitas vezes fazendo parecer que perdemos certa sensibilidade, a execução sumária de 21 moradores em Vigário Geral, no Rio de Janeiro, seria um marco na história do país.

A chacina de Vigário choca pelo grau de crueldade. Foto: Márcia Foleto / Agência O Globo

Ainda hoje, a chacina de Vigário choca pelo grau de crueldade e aleatoriedade, principalmente aqueles que não conhecem muito da história. Há imagens por aí dos moradores, que morreram segurando a carteira de identidade, um rádio de pilha, descansando em casa. Somente em uma família morreram oito pessoas dentro de casa. Foi a maior ação em número de vítimas no Rio de Janeiro e uma das maiores que a sociedade brasileira sofreu na década de 90.

Um relatório da Anistia Internacional de 2003 apresenta os danos irreparáveis que o policiamento  de  força  excessiva,  arbitrária  e  corrupta  tem  causado  nas  vidas  de  tantas  pessoas  no  Rio  de  Janeiro.

Era uma das gêneses do que chamamos hoje de milícias, organizações formadas primordialmente por policiais militares – ativos ou aposentados –, que impõem serviços para moradores de algumas vizinhanças em troca de uma taxa mensal.

“O estado busca fazer uma ‘limpeza’ do pobre, do negro, da juventude, daqueles que podem incomodar certo modelo de sociedade. Nesse bojo, um elemento que tem crescido muito e chamado a atenção são as milícias”, afirma Débora Nunes, da coordenação nacional do MST.

Em entrevista ao Brasil de Fato,  Ariel de Castro, especialista em segurança pública e direitos humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, aponta que em 2019 cerca de 20% a 30% dos homicídios registrados no Brasil foram cometidos por policiais.

Só na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2 milhões de pessoas vivem em áreas sob influência de milícias, segundo levantamento do portal de notícias G1 realizado em 2018, feito a partir de dados da Polícia Civil, Secretaria de Segurança, Ministério Público Estadual, prefeitura municipal e do Instituto Brasileiro de Geografia e EstatÍstica (IBGE). A pesquisa aponta também que, só naquela região, 11 municípios são hoje reféns das milícias, sem contar as facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).

Nesse sentido, Nunes lembra: “A chacina de Vigário Geral é um reflexo da impunidade no Brasil, do jeito de se fazer justiça com as próprias mãos. É consequência do próprio retrato do país. Somos um dos países mais violentos do mundo. Só em 2017 foram assassinados mais de 65 mil pessoas no Brasil segundo o Atlas da Violência”.

A chacina no Vigário

A favela de Vigário Geral é conhecida por concentrar um dos maiores índices de pobreza da capital do Rio de Janeiro, com 40 mil pessoas (dados de 2010). A  favela estava em alerta no dia 29 de julho, após a morte de quatro policiais, durante uma emboscada dos traficantes da favela no dia anterior.

Era o entardecer do domingo, dia de um jogo do Brasil pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Algumas dezenas de homens encapuzados entraram na favela atirando por quase duas horas. As reportagens ganharam o mundo, principalmente as fotos, e seguem sendo um exemplo de impunidade e fazem entender porque as comunidade temem tanto os policiais.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.