Cegueira política

Por Thiago Burckhart, Blumenau para Desacato.info.

A história política brasileira e de grande parte da América Latina é marcada pela instabilidade político-institucional. Nessa trajetória não faltaram golpes de Estado, ditaduras e autoritarismo perpetrados por uma elite política que em grande medida, mesmo após a abertura política e redemocratização ocorrida em 1985, continua governando o país. Entretanto, o momento político em pelo qual o Brasil mergulhou desde as jornadas de junho de 2013, e que vem se intensificando a cada dia, marca a entrada do país em uma nova conjuntura, caracterizada pela emergência e difusão de uma nova forma de autoritarismo social, que alcança em diversos momentos uma conotação fascista.

Os discursos e afetos de grande parcela da população, sobretudo dos desfavorecidos de capital cultural, acabam por ser manipulados pelo discurso dominante, que se utiliza de seus próprios instrumentos de poder – como os meios de comunicação de massa – para vender ideários e interpretações de fatos que se adequam a seus próprios interesses político-econômicos. Dessa forma, a crise política aliada a crise econômica, ao domínio dos meios de comunicação de massa, que produz desinformação em grande parcela da sociedade, somado aos fracassos nas políticas neoliberais do atual governo federal e a espetacularização da Justiça brasileira, produz o cenário perfeito para a manipulação e, consequentemente, para a cegueira política.

Manipulação dos afetos

Em termos filosóficos pode-se afirmar juntamente com Vladimir Safatle que os afetos são parte fundante da política, sendo necessário conceber e praticar uma política dos afetos, que são os sentimentos e emoções que produzem ações em nossos corpos. Ocorre que a manipulação destes afetos implica na exteriorização de emoções políticas que podem beirar a histeria ou a uma paranoia política, produzindo o exato contrário de uma política de afetos comprometida com o sentimento democrático e com a alegria enquanto afeto político.

Esses efeitos mostram-se evidente no discurso de ódio e no xingamento político, que atestam o esvaziamento da subjetividade do sujeito que não se reconhece como ser político, mas apolítico. Mostra-se evidente tanto em termos sociais quanto institucionais, na dinâmica de autopromoção demagógica de determinados setores retrógrados da sociedade brasileira que representam o retrocesso na garantia de inúmeros direitos sociais, políticos e liberdades fundamentais. Mostra-se evidente no crescente sentimento de intolerância perante a diferença de pensamento e ao recrudescimento de uma polarização (pseudo)ideológica que se projetam como únicas narrativas oficiais.

Esses efeitos ainda tornam evidente a cegueira de grande parte da população brasileira frente a causa e efeito da dinâmica da crise política. A cegueira aqui é utilizada como metáfora – metáfora da tragédia -, no mesmo sentido enunciado por José Saramago em seu clássico “Ensaio sobre a cegueira”. Certamente essa cegueira não é voluntária, mas causada intencionalmente pelos detentores do poder econômico. O que está em curso pode ser definido como uma “política da cegueira”, pelo qual se difundem discursos irrefletidos no mercado da linguagem que não se coadunam com os fatos.

Estado de exceção do discurso

O objetivo da política da cegueira é produzir o fascismo. Este é seu meio, ao passo que também é seu fim. Junto ao fascismo produz-se a desinformação, a descompreensão, a não capacidade de pensar para além de clichês e categorizações binárias, sendo o medo um afeto manipulado. Reproduz-se no contexto do estado de exceção do discurso, onde a manipulação impede que o pensamento seja efetivamente livre e honesto. Talvez essa política da cegueira sempre tenha estado presente na história política brasileira, mas de fato, é a primeira vez que ela se projeta tão violentamente após a redemocratização do país.

A problemática central nessa discussão é a profunda crise institucional que esse processo ocasiona, que causa uma série de efeitos colaterais que não são unicamente político-ideológicos. Esse estado de exceção do discurso produz uma cortina de fumaça que impede a sociedade de se informar e debates democraticamente sobre assuntos de real importância para o país. Nesse contexto, a questão que fica é: quando se tomará consciência da cegueira política?

Thiago Burckhart é estudante de Direito.

Foto: obviousmag.org

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