Caso Mari Ferrer: Menos de 1% dos tuítes sobre julgamento foram a favor da sentença

Pesquisa do Internetlab mostra que vídeo do julgamento de denúncia de estupro gerou em média 20 tuítes por minuto, sendo a maioria a favor de Mariana Ferrer

Figura 1. Nuvem de palavras feito com base nos tuítes analisados

A forma como o julgamento de André de Camargo Aranha, acusado de estuprar a jovem Mariana Ferrer, foi conduzido ganhou as redes sociais na semana do dia 3 de novembro. Apesar de o processo tramitar em segredo de justiça e de a audiência ter sido realizada em setembro, parte da sua gravação foi divulgada dois meses depois pelo The Intercept Brasil.

A divulgação do vídeo gerou comoção nas redes e levou usuários do Twitter a questionarem como o sistema de Justiça se posiciona diante das mulheres e das acusações que são relacionadas à violência baseada em gênero; foi o que mostrou a pesquisa que realizamos no InternetLab.

Instigadas pelo acontecimento, no que dizia respeito à forma como os usuários do Twitter recepcionaram o conteúdo do vídeo e nos questionando de que modo a Justiça seria retratada nesse debate, fizemos uma pesquisa para ver o volume de tuítes e também como se posicionavam em relação ao caso.

Maioria dos tuítes eram favoráveis a Mariana Ferrer

No que tange ao posicionamento dos usuários em relação à Mariana Ferrer, identificamos que 93,64% se colocaram a favor de Ferrer, 5,63% somente relataram o caso, colocando-se de forma neutra e apenas 0,73% dos usuários se diziam a favor da sentença que absolveu André de Camargo Aranha – e acusavam o vídeo da audiência de ter sido editado pelo The Intercept Brasil.

Os posicionamentos favoráveis eram bastante diversos. Algumas mulheres cobravam justiça para Mariana Ferrer, pontuando o quanto era difícil ser mulher e ter acesso a esse tipo de “injustiça”. Nesses casos, a audiência remetia-as a situações de violência e impunidade pelas quais também haviam passado.

Outras apontavam para o fato de que mesmo com toda a visibilidade que Mariana tem nas redes sociais, ela não havia sido respeitada pelos envolvidos no julgamento. Diante disso, questionavam-se: como são tratadas as mulheres negras, LBT+ e de classes populares quando levam denúncias de estupro à Justiça?

As críticas dos usuários se direcionaram não só à justiça de forma mais ampla, mas também à sociedade brasileira. Houve a compreensão, por parte daqueles que se posicionaram sobre o caso, de que a maneira como o julgamento de André de Camargo Aranha ocorreu é mais uma demonstração do quanto as mulheres têm suas demandas pouco acolhidas social e juridicamente. Nesse sentido, muitas publicações fizeram referência à estrutura social brasileira, aos costumes sexistas e à comum culpabilização da vítima.

Ademais, parte dos tuítes se concentraram em enfatizar a não existência de “estupro culposo”. O termo foi utilizado pelo The Intercept Brasil, pois, de acordo com a agência de notícias, o promotor do caso argumentou que André de Camargo Aranha não tinha como saber se a jovem estava ou não consentindo o ato sexual. Desse ponto de vista, não teria havido “intenção de estuprar”. A argumentação foi bastante comentada pelos usuários; 16% dos tuítes analisados faziam referência ao termo “estupro culposo” e à não existência dessa categoria, especialmente, tratando-se de tipificação penal.

Para parte dos usuários, não existe estupro que possa acontecer sem a intenção de estuprar. O uso da argumentação do promotor pode ser lida, portanto, como uma forma de naturalizar as violências que são disseminadas contra mulheres, abrindo espaço para que estupros não sejam punidos e as vítimas sejam duplamente vitimizadas, isto é, sejam vitimizadas quando passam pelas situações de violência e passem novamente por esse processo quando suas denúncias não são acolhidas com a justificativa de que a violência sofrida não foi intencional.

Cobrança de posicionamentos 

Outro ponto que chamou nossa atenção foi a quantidade de tuítes que cobravam posicionamentos sobre o ocorrido, o que contabilizou 10% das publicações analisadas. A cobrança se dirigia, principalmente, aos clubes de futebol, às mulheres que não se solidarizavam com Mariana Ferrer e aos homens em geral.

Além da cobrança de posicionamento, outro assunto bastante recorrente, presente em 21% dos tuítes analisados, foi a indicação de que havia uma contradição entre as pessoas, especialmente entre os homens, que se posicionavam nas redes, mas não sustentavam suas práticas fora da internet. Havia, ainda, a argumentação de que é contraditório se posicionar quando não conhecem o homem que está sendo acusado de estupro, mas se omitir quando se está diante de um conhecido que é acusado.

Na mesma linha dessa argumentação estavam os tuítes que compreendiam o caso de Ferrer, como parte de um sistema estrutural de opressão que opera na sociedade brasileira desfavorecendo as mulheres. Diante disso, havia colocações relacionadas ao fato de não ser suficiente a comoção em relação ao caso supracitado, se não houver o mesmo empenho para combater as raízes da desigualdade de gênero; fazendo piadas machistas, por exemplo, ou ignorando quando situações de assédio e violência sexual ocorrem.

Ofensas e xingamentos

Em um primeiro momento, acreditávamos que encontraríamos uma quantidade significativa de  tuítes  se posicionando contra Mariana Ferrer e trazendo ofensas e xingamentos direcionados a ela. Essa expectativa, no entanto, não se cumpriu na análise dos dados. Além de o número de tuítes contrários a ela ser muito baixo, conforme apontado acima –  apenas 0.73% dos usuários se colocaram a favor de André de Camargo Aranha – os xingamentos e ofensas encontrados não foram direcionados à Ferrer. Pelo contrário, expressavam revolta em apoio a ela.

Encontramos ofensas e xingamentos em 15,5% dos casos analisados. As ofensas se apresentaram de forma variada, podendo ser direcionada a aspectos morais (“amigo de abusador”, “abusador”, “assediador”, “passador de pano” etc), a aspectos de saúde mental (“doente mental”, “retardado” etc), xingamentos que desumanizavam os envolvidos no caso (“porcos”), uso de linguagem de baixo calão (asqueroso, nojento, atitude escrota, filh* da p***, vai à mer**) e incitação à violência (vamos enfiar um cabo de vassoura no ** do juiz, vamos estuprar André Aranha, vamos matar André Aranha etc).

Agrupamos as ofensas, observando, assim, que se direcionavam a cinco grupos específicos.  No primeiro grupo, os xingamentos eram direcionados aos envolvidos no caso (réu, juiz, advogado e promotor), somando 29,8%. No segundo, com 28,9%, as ofensas tinham como alvo as pessoas entendidas como hipócritas: aquelas que ignoravam  abusos de conhecidos e os homens considerados abusadores, mas que apoiavam publicamente o caso de Mariana Ferrer. O sistema judiciário e a sociedade brasileira, compreendidos como sexistas, foram alvo de ofensas em 13,98% dos casos. Houve ainda os xingamentos direcionados a homens no geral, postos como coniventes, com 3,49%. E, por fim, o grupo outros, com 23,77% dos casos que não tinham ataques direcionados a nenhum grupo específico de pessoas.

Figura 2. Gráfico feito com base nos números de xingamentos e ofensas direcionados aos grupos mencionados acima

Descrença na Justiça brasileira

A comoção relacionada à absolvição de André de Camargo Aranha e à sentença que evidencia a compreensão de ausência de elementos probatórios — a não ser a palavra da vítima para confirmar a impossibilidade de oferecer resistência —, trouxeram à tona a indignação dos usuários do Twitter que se manifestaram majoritariamente a favor de Mariana Ferrer.

Nesses posicionamentos, pudemos observar cobranças e descrenças direcionadas à sociedade brasileira como um todo, mas principalmente ao tratamento que o judiciário dispensa às questões de gênero e à seletividade do sistema. O debate em torno do caso lança luz sobre a necessidade de ampliação da discussão social sobre violência baseada em gênero e de uma melhor compreensão social do que pode ou não ser considerado como consentimento em práticas sexuais.

Parte das mulheres que se pronunciaram narraram a dificuldade de ser mulher em uma sociedade como a brasileira. Além disso, as cobranças para que os homens também venham a público e falem sobre o tema, compreendendo que a desigualdade de gênero não deve ser apenas uma luta feminina, demonstra a expectativa de que mais sujeitos se envolvam no combate às práticas sexistas.

Por fim, vale salientar que a descrença no sistema judiciário fez com que parte dos usuários expressasse o desejo de fazer justiça com as próprias mãos. Foi o que ocorreu quando parte deles (6,29%) decidiu divulgar dados como endereço e telefone do acusado, do seu advogado e do promotor do caso. Essa divulgação foi realizada de maneira irônica, com pedidos como “por favor não divulguem que o endereço do André Aranha é…”, “vcs não devem divulgar que o número do telefone do advogado de André Aranha é…”.

Como a pesquisa foi feita

Dividimos a nossa pesquisa em duas partes: em um primeiro momento, coletamos os tuítes e retuítes relacionados ao caso que foram publicados entre os dias 3 e 5 de novembro deste ano – dia da publicação da matéria e os dois dias seguintes. Para tanto, utilizamos  como palavras-chave: “Mari Ferrer”, “Caso Mariana Ferrer”, “Estupro Culposo”, “André de Camargo Aranha”, “#justicapormariferrer” e “#justicapormarianaferrer”.

A busca pelas palavras-chave nos levou a um corpo total de 392.049 tuítes e retuítes que faziam referência ao caso. Diante desse número, para tornar a análise possível, em um curto período de tempo, optamos por focar a análise apenas nos tuítes. Encontramos, então, uma média de 20 tuítes sobre o caso postados por minuto. Para selecionar quais deles seriam analisados, colocamos como filtro o engajamento de 5 likes e 5 RTs, o que nos levou a aproximadamente 3 mil tuítes.

Em um segundo momento, fizemos as leituras e classificações de padrões nos tuítes selecionados. Questionamos, primeiramente, se o autor do tuíte se posicionava a favor ou contra a argumentação de Mariana Ferrer, qual o teor do que havia sido escrito, se havia menção ao termo “estupro culposo” e se continha xingamentos ou ofensas.

 

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