Carta às e aos estudantes

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Foto: Coletivo Aymoré

Por Rafael Siqueira de Guimarães, Ilhéus, para Desacato.info.

Minhas queridas, meus queridos!

Neste período de desocupação da Universidade Federal do Sul da Bahia, dedico a vocês a brisa marítima mais suave que me trouxe até aqui. Vim para cá por diversos motivos, professor já não tão jovem, nômade por decisão, com um companheiro que é parceiro de todas essas horas e me leva a qualquer momento daqui para outro canto. Mas o que mais nos importava era o mar. Sempre quis estar perto do mar.

Cheguei ao sul da Bahia em agosto de 2014. Aqui, meu maior aprendizado foi rever meus privilégios. Sim, me achei um tolo privilegiado logo que pude perceber que tenho vista para o mar todos os dias e que sou professor de alunas e alunos que muitas vezes não podiam estar nas atividades porque lhes faltava dinheiro para a condução. Aqui encontrei racismo diário, presenciei, logo de chegada, uma história de assédio sexual. Sofri homofobia.

Recebi tanto carinho… Beijos, abraços, afagos. Já nos idos de 2016, na presença de todas estas desigualdades, era o Brasil sangrando, era a instituição universitária preocupada somente consigo mesma, com as questões protocolares, as nossas brigas internas, a vida de sempre em qualquer Universidade. Sangrávamos antes da PEC, eu percebia isso, não sabia como dizer. Me sufocava em lágrimas.

Não precisei! Do alto de minha intelectualidade, só ouvi.

Ouvi vocês gritarem bem alto: NÃO! Não vamos permitir, vamos lutar. Como se levasse um soco no olho, eu estava ali, metido de novo com a juventude. Me (re) conectei aos meus anos de movimento estudantil, às ocupações pela moradia na Unesp, as festas do DCE na UFSCar, as invasões do RU em Araraquara. Me (re) conheci com alunas e alunos que tive no Paraná, que fizeram marmitaços há alguns anos para garantir alimentação. Me vi tendo que lidar com todas essas memórias.

Me conectei com a guerrilha de vocês. Com a força. Com a disponibilidade. Com a solidariedade. Com a festa. A cantiga. O desespero. O terror. A luta. Só ela muda a vida, repeti, repito, mas me parecia certamente um pouco vazia nesses dois últimos anos aqui de Sul da Bahia, tenho que aceitar. Tudo parecia ir amornando no cotidiano. Mas vocês disseram: AQUI NÃO!

E expuseram toda a nossa impotência. A nossa importância. A nossa força. Nossa não. Não, nossa não. A força está com vocês. Não ganhamos nada, continuamos no nosso lugar de privilégio, no nosso lugar de professoras e professores. Eu não passarei incólume a isso, vocês mudaram a minha existência, mais uma vez eu sendo atropelado pela juventude! Sou sujeito difícil, mas eu mudo devagarinho.

Agradeço a todas e todos e a cada uma e cada um em especial por transformarem minha existência em REXISTÊNCIA. Vocês são árvores frondosas, de muitas cores, que dão muitos frutos. São sujeitas e sujeitos de sua história, atravessadas e atravessados por privilégios e por desigualdades, são porosidade. Sim, são porosidade.

São poros. São pétalas. São frutos. São rizomas. São doces, azedas, amargas, salgadas. São e serão sempre a grande motivação para a minha vida, para a minha luta. Eu escolho vocês porque vocês me escolhem. E escolhemos lutar!

Com amor,

Rafa.

17 de dezembro de 2016.

 

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