Carta aos vereadores de Florianópolis

Por Murilo Leandro Marcos.

(e a todas as pessoas que ingênua ou maldosamente creem no “privilégio” do servidor público)

Caro vereador, sou servidor municipal, formado em medicina pela UFSC, tendo estudado e aprendido a ser médico (de família), durante 6 anos, nas unidades de saúde de Florianópolis. Sou muito grato por essa oportunidade. Há 6 anos atuo na rede municipal de saúde. Sempre trabalhei na rede pública. Sempre trabalhei no SUS. Só trabalhei no SUS. O SUS é o maior plano de saúde público do mundo. Defendo e defenderei o SUS até quando for possível.

Minha carga horária é de 40 horas semanais, cumpridas integralmente. Bato ponto dia-após-dia. E acho correto bater ponto. Meu salário, mesmo com todos os adendos, ainda é mais baixo que o dos vereadores. Não ganho subsídio de R$ 15.334,85 (Lei nº 10.173, de 12 de janeiro de 2017). O valor da minha gratificação de PSF, criada para compensar o baixo salário (na época cerca de dois mil e poucos reais para 40 horas semanais – sim, isso mesmo!) e como mecanismo para atrair médicos para Florianópolis, corresponde a 46% do meu salário. O valor do meu triênio, outro aclamado “privilégio” dos servidores públicos, é de R$ 142,72 (cento e quarenta e dois reais e setenta e dois centavos), isto é, a cada 3 anos de trabalho dedicados à população da comunidade onde trabalho, recebo cento e poucos reais a mais. Por confiar na vossa capacidade intelectual, não vou tecer comentários sobre os R$ 334,22 de insalubridade ou os R$ 333,00 de auxílio-alimentação.

Farei na sequência um recorte da categoria médica, mas acredito que apresenta semelhanças com outras categorias profissionais. O salário pago para médicos da prefeitura de Florianópolis é sabidamente mais baixo que praticamente o de todos os municípios vizinhos, além de Joinville, Curitiba, Rio de Janeiro e os interiores do estado e do Brasil. Trabalho aqui, como muitos colegas, pela qualidade da rede, por acreditar no SUS aqui construído, pela qualidade de vida e por minha família. A rede municipal de saúde é reconhecida nacional e internacionalmente como uma das melhores (ou a melhor) rede de saúde pública do Brasil. Recebemos mensalmente a visita de médicos, estudantes e estagiários de diferentes estados e diversos países para conhecer nosso trabalho. Portanto, trabalhamos muito e trabalhamos bem.

Agora imagine que, da noite para o dia, o novo prefeito divulga (ou dá a entender) aos 4 ventos que o rombo financeiro do município (de 90 milhões conforme Cesar Souza, ou 1 bilhão conforme a nova gestão – alguma estimativa deve estar equivocada) tem como causa os “privilégios” dos servidores municipais. E assim, com o suposto argumento da crise financeira, (que tudo justifica, até o pacote de medidas mais asqueroso já visto nesta cidade, que mistura retirada de direitos trabalhistas, regulação de transporte de passageiros via aplicativo e procissão de santo) lança um ataque aos causadores da crise: eu, nós. Logo os meus R$ 142,72 de triênio. Ou então à gratificação de PSF, gratificação esta que deveria estar incorporada ao salário propriamente dito, sem a qual o salário médico médio fica em torno de cinco mil reais e torna utópica a fixação profissional (quem trabalha só por amor nesse mundo material que vivemos?). Qual médico trabalhará por 40 horas semanais ganhando cinco mil reais? Para se ter uma ideia, o piso salarial divulgado pela Federação Nacional dos Médicos em 2016 foi de R$ 12.993,00 para jornada de 20 horas de trabalho. Portanto, muitos médicos, muitos mesmo, deixarão de se dedicar ao trabalho na prefeitura de Florianópolis, pois tais cortes inviabilizarão a vida na cidade com a cesta básica mais cara do Brasil. (Brincando de médico privado: 10 consultas ao dia X R$ 150,00 a consulta X 20 dias de trabalho/mês = R$ 30.000,00 – sem maiores comentários…)

Por fim, conclui-se que: nossos “privilégios” ou são insignificantes (R$ 142,72 de triênio, p. ex.) ou são uma necessidade mínima para garantir atendimento médico à população, frente ao valor de mercado da categoria (lembrando que o salário médico em Florianópolis está bem aquém dos R$ 25.986,00 sugeridos pela Federação Nacional dos Médicos, para 40h semanais de trabalho).

E, finalmente, o discurso de que funcionário público só quer “mamar na teta do Estado” não cola, pelo menos não aqui em Florianópolis, reconhecida como a cidade com a melhor rede pública de saúde do Brasil. Mais uma vez: trabalhamos muito e trabalhamos bem. Somos servidores. Servimos ao povo. Para muitos de nós, o trabalho no serviço público é uma missão, que conduzimos com humildade e com orgulho.

Sem mais, era o que tínhamos para o momento.

Na ânsia de vossa compreensão e solidariedade aos servidores públicos de Florianópolis, manifestadas como rejeição ao pacote de medidas proposto pelo excelentíssimo prefeito Gean Loureiro, no dia 24 do corrente, aproveito o ensejo para renovar protestos de consideração e elevada estima,

Médico de família e comunidade de Florianópolis

Fonte: Facebook.

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