Carta aberta de economistas formados pelo curso de Economia da UFSC

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Carta aberta de economistas formados pelo curso de Economia da UFSC

É com muita preocupação que nós, economistas formados no curso de Ciências Econômicas da UFSC, reunidos através desta carta, vimos expressar indignação com a decisão tomada pela reunião do Departamento de Economia e Relações Internacionais do dia 07/07/2015. Nessa reunião foi decidido pela não aprovação do mestrado interdisciplinar em Estudos Latino Americanos, proposta encaminhada pelo professor Nildo Ouriques, de origem no Instituto de Estudos Latino Americanos da UFSC (IELA), e que contaria com a participação de apenas três professores do departamento: o próprio Nildo, Lauro Mattei e Valdir Alvim.

Em primeiro lugar, a decisão gera preocupação pelos rumos ortodoxos que o curso de ciências econômicas vem adotando nos últimos anos. É notório que nosso curso sempre se destacou nacionalmente pela mínima pluralidade de pensamento que expressava. Entretanto, nos últimos anos, com a saída de importantes professores da linha de economia política, o departamento vem adotando uma guinada conservadora, substituindo essas vagas e direcionando a ampliação de novas vagas para professores de linhas teóricas destacadamente divergentes, vinculados com o que convencionou ser chamado de mainstream econômico.

Desta maneira, o voto contra a criação do mestrado em Estudos Latino Americanos – em um departamento que já conta com um mestrado e doutorado em Economia, eminentemente ortodoxos, e com um mestrado em Relações Internacionais – é mais um capítulo desta homogeneização do pensamento econômico e perda de vitalidade científica do curso de economia, vitalidade esta que só pode existir através do debate entre as diversas concepções sobre o fenômeno econômico.

Nós, que nos formamos no curso da UFSC e hoje trabalhamos ou continuamos nossos estudos, nos sentimos diretamente lesados com esta decisão da reunião do departamento, pois ataca diretamente a possibilidade de formação futura. A realidade é plural, o mercado de trabalho exige desde bons economistas voltados para a área de criação de modelos macro e microeconômicos, até bons economistas voltados para a área de economia política e de gestão pública. Quando vemos um departamento de uma Universidade PÚBLICA adotar posturas que vão contra esta pluralidade, na direção nociva do pensamento único, nos causa a mais absoluta preocupação com o rumo do curso que ainda nos sentimos parte.

Em segundo lugar, a decisão da reunião é ainda mais preocupante por ter ocorrido com o apoio do Centro Acadêmico Livre de Economia (CALE), que votou, por unanimidade entre seus representantes, contrário à abertura do mestrado. Nós, que hoje estamos fora da UFSC, tivemos no CALE um espaço fundamental de formação política, teórica e democrática. Nas disputas que o CALE travou, sempre levamos à frente o interesse dos estudantes e o interesse da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade. Tivemos no processo de Reforma Curricular de 2009 um marco histórico desta atuação, onde o acúmulo de politização de inúmeras gerações consolidou-se em uma proposta de Novo Curso, voltado para as exigências da realidade: uma formação que fomente o espírito crítico e uma visão ampla dos processos econômicos e sociais.

Quando vemos o CALE justificar o voto contrário à criação do mestrado pelos problemas de alocação de professores no semestre seguinte ou pelo “tempo restrito para analisar a proposta”, causa espanto a estreiteza política do voto. Atende a um argumento corporativista falso, que na justificativa de garantir a oferta de professores – que historicamente é deficiente por problemas estruturais –, compromete a própria geração de estudantes, que poderia ser beneficiada seja pelo fomento de debates que o novo mestrado traria para o departamento, seja pela própria possibilidade de cursar este mestrado em um futuro muito breve.

Talvez por desconhecer as reais consequências para a sociedade, o CALE votou contra o projeto, mesmo sabendo que nenhum outro programa de expansão do Departamento de Economia e Relações Internacionais na história recente exigiria tão nula estrutura do mesmo. Por ser de natureza multidisciplinar, o mestrado em questão contaria com a participação de professores dos mais diversos departamentos da UFSC. Com isso, a sociedade catarinense, que teria a oportunidade de expandir seu leque de conhecimento, ficará mais uma vez a mercê de um pensamento único. Portanto, consideramos que o CALE errou gravemente ao apenas observar as possíveis consequências internas, que, mesmo estas, também são seriamente questionáveis. Ao não analisar a própria necessidade da profissão do economista – que atua diariamente nos mais diversos órgãos, sejam eles privados ou públicos, e que constantemente tem seus conhecimentos postos em xeque pela própria dinâmica dos ciclos econômicos – o CALE corrobora a opção pelo pensamento único, descartando sua história de luta pela pluralidade.

A medida, ao combater um mestrado vinculado ao departamento e ao IELA – instituto de forte projeção social no Brasil inteiro –, também coloca o curso de economia da UFSC, o maior de Santa Catarina, ainda mais fundo no isolamento político e social em que hoje se encontra. Tirando a experiência individual de alguns poucos professores, o curso de economia não tem qualquer respaldo institucional nos debates públicos sobre a economia catarinense e brasileira. As decisões sobre a economia do Estado ocorrem sem qualquer interferência do nosso curso. Não por barreira imposta de fora. Mas sim por um isolamento imposto de dentro, por parte do comodismo professoral, que inclusive foi a principal força política que derrotou a proposta de criação de um Novo Curso em 2009.

Não perceber que Santa Catarina, com a aprovação de tal mestrado, poderia se consolidar ainda mais como referência na discussão da América Latina, é extremamente grave. O mestrado poderia, inclusive, ampliar a participação de diversos expoentes do pensamento crítico latino-americano, que recorrentemente visitam nosso Estado em função das Jornadas Bolivarianas. Os benefícios são enormes e evidentes. Apenas a falta de ambição institucional pode explicar tal posição contrária. Conhecemos de longa data esta postura, e não nos causa espanto algum.

O espanto vem com a mudança de postura do CALE. O Centro Acadêmico, que sempre esteve vinculado e preocupado com a formação ampla de seus estudantes, voltando-os para o mercado de trabalho real – este que a maioria dos professores insiste em virar as costas –, hoje parece ter assumido todo o atraso imposto pela estrutura hierárquica da Universidade. Nega sua história de autonomia e combate, primeiro contra a ditadura, origem do seu adjetivo LIVRE, depois contra os ataques à educação, tanto os advindos de fora da Universidade quanto os de dentro. Nega sua história de vanguarda política da mudança, seja entre os estudantes do próprio curso, entre os demais Centros Acadêmicos da UFSC, ou dentro do movimento estudantil estadual e nacional. Nega, por fim, a tão necessária transformação da Universidade Brasileira, tirando-a do papel de instrumento do atraso e a colocando, de fato e não apenas em seu nome, como fomentadora do desenvolvimento das artes e da ciência, formando, somente assim, economistas de qualidade capacitados para a realidade pós-universidade.

Assinam esta carta os seguintes economistas:

Nome Entidade de trabalho/estudo*
Aline Venturi ICom
Amanda Maciel da Silva Economista
Ana Paula Colombi Unicamp
André Inácio Straginski Carmona AGDI/RS
Antônio Ferreira Marques FIOTEC
Arland de Bruchard Costa Economista
Beatriz Tamaso Mioto Unicamp
Bruno Mazzucco UFPR
Celso Roberto Caracas Júnior Universidade de Londres
Daiane de Bertoli UFSC
Daniel Corrêa da Silva UFSC
Daniel Neves Damiani Secretaria da Fazenda/SC
Daniel Paulon Avancini UFRJ
Daniele de Bertoli UFSC
Daniele Cristina Knihs Economista
Diógenes Moura Breda UNAM
Elder Figueiredo Arceno Fecomércio-SC
Fabio Pádua dos Santos Unicamp
Fábio Soncini BMF-Bovespa
Felipe Camargo Gaiotto UFRGS
Felipe Scott Kraft Heinz Company
Fernando Correa Prado UNILA
Fernando Silveira Ruiz Diaz Universidade de Viena
Gerson Correa Leite Economista
Gustavo Pinto de Araújo UDESC
Igor Queluz Cruz Tupy
João Luis Abrantes Bertoli UFSC
José Aldoril dos Santos Júnior Economista
José Álvaro de Lima Cardoso DIEESE/SC
Josué de Lima Caixa Econômica Federal
Lenina Formaggi DIEESE/PR – Prefeitura de Curitiba
Lilian de Pellegrini Elias Unicamp
Lucas Rodrigues UFRGS
Luciana Ferrari Maistro Economista
Luciano Neves Córdova Fecomércio-SC
Luís Felipe Aires Magalhães Unicamp
Maicon Claudio da Silva UFSC
Mariana Imhof Economista
Mauricio Mulinari DIEESE/SC
Pietro Caldeirini Aruto Unicamp
Rafael Poddixi Economista
Raquel Azevedo UFRJ
Roberto Dokonal Badesc
Sidnei Niederle Economista
Samya Campana DIEESE/SC
Simara Pereira Banco do Brasil
Tales Renato Cugler França Economista
Thiago Marques Economista
Tiago Mateus Azevedo Economista
Tomás de Siervi Barcellos Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Vitor Batelochi JBS
Vitor Hugo Tonin Unicamp

 

* O conteúdo da carta é de responsabilidade individual dos economistas formados, sem qualquer relação com as opiniões institucionais das entidades a que estão vinculados.

Foto: Reprodução/UFSC

9 COMENTÁRIOS

  1. Ok.

    Uma carta aberta.

    Uma resposta importante do prof. Armando de Melo Lisboa.

    Falta a resposta do prof. Nildo Ouriques para dar uma melhor visão aos que leem sobre os seus posicionamentos.

    De todo modo acabou tornando-se uma página diferente no meio da internet contra o contraditório que temos atualmente.

    Mesmo sem a resposta do prof. Nildo Ouriques, parece-me que os argumentos do prof. Armando de Melo Lisboa não são suficientes para explicar o porque não ser aberta uma pós-graduação strictu senso no nosso país. Deu a entender que é um esforço enorme de barrar um pensamento à que ele é contrário. E isso na academia?

    Vamos em frente. Boa sorte aos envolvidos.

  2. Olha, nunca tive aula com o Armando e sempre achei ele meio estranho. Mas acho que o texto dele aqui é extremamente lúcido…
    Só acho que faltou alguém anexar o projeto da pós aí, pra que a gente possa ler e julgar também como a coisa tava estruturada.

  3. Sobre ortodoxias e seitas.
    Razões contrárias a um determinado mestrado em América Latina.
    Armando de Melo Lisboa (1)

    “Só se pode trair verdadeiramente um autor repetindo-o,
    permanecendo fiel ao núcleo de seu pensamento” (Slavoj Zizek).

    “As ideias nos oferecem duas possibilidades: ser arqueadas velas
    que captam os ventos da imaginação e, assim, impulsionem o humano para praias distantes, ou, pelo contrário, podem ser prisões sombrias de onde o prisioneiro não foge, ainda que as grades estejam sempre abertas” (Lourdes Arizpe).

    Diante do Manifesto contestando a não aprovação pelo nosso Departamento (Economia e Relações Internacionais – CNM/UFSC) do Mestrado em AL proposto pelo prof. Nildo Ouriques (NO) subscrito por ex-alunos nossos, em sua maioria já distantes da UFSC e inclusive no exterior, faço o seguinte esclarecimento, o qual reproduz em grandes linhas o que defendi na reunião do CNM que rejeitou aquela PG. Este é um episódio triste, e este foi o tom daquela minha intervenção.

    A pergunta óbvia é: quem pode ser contra a criação de um mestrado em América Latina?

    A recusa a uma PG em AL no âmbito de um departamento universitário, apresentada genericamente, parece motivada por ideologias tacanhas e coisa de gente truculenta, como o Manifesto tenta rotular. Procura ainda colar a ideia de que o Mestrado em tela expressaria um pensamento plural e heterodoxo, e, por isto, seria o bastião da luta contra a “guinada conservadora” e os “rumos ortodoxos” adotados pelo nosso Dpto. nos últimos anos.

    Esta é uma descrição mais que caricata, pois inverídica e oposta à realidade, falsificando-a. É exatamente a própria PG em AL que busca nascer sem a “mínima pluralidade de pensamento” e “na direção nociva do pensamento único”, posturas incompatíveis com qualquer universidade, pública ou privada. A conclusão decorre não apenas do exame das minúcias e nuanças do projeto apresentado, mas também da trajetória dos atores envolvidos naquela proposta. Como sem história nada entendemos, diante de muitos professores novos, e da representação estudantil, narrei na reunião um pouco da mesma, conforme segue.

    O presente insulamento de NO em nosso Dpto. colhe o que sua práxis doutrinadora e manipulativa plantou. Na fatídica reunião do CNM de 7/7/15 lembrei da proximidade que eu e os demais colegas à esquerda tínhamos com proponente (inclusive levei exemplar de “Subdesarrollo y revolución”, com dedicatória para mim do RMM (2) datada de 30/5/85, única vez em que Marini esteve na UFSC e em nosso Dpto.), e que tínhamos todos participado da criação do IELA em 2006.

    Expus também um episódio que envolve o Roberto Fernández Retamar, e NO não contestou, pelo contrário, disse que era provável que tenha sido assim como descrevi. Reproduzo-o abaixo tal como narrado em 2014 no blog “UFSC à esquerda” quando nele um anônimo postou a seguinte crítica a artigo meu e colegas que circulava nas redes a respeito da eleição para Reitor:

    “Mais manifestações sobre a eleição de reitor para 2015. Os elementos mais reacionários já começam a se expor e defendem o fim da paridade” .

    Na ocasião, este comentário anônimo foi publicado ao lado de uma foto da abertura das Jornadas Bolivarianas. Minha resposta:

    “Sou um dos “reacionários” que assinam o artigo.
    Estou tbém na primeira foto que surge nesta página (ver ao lado), exatamente na primeira fileira.
    Naquele primeiro dia das Jornadas, quando abriram a palavra p/o debate, expressei publicamente que participei integralmente das primeiras Jornadas Bolivarianas, e me considero uma espécie de sócio-fundador do IELA, pois tbém estive presente no evento de sua inauguração.
    Expressei tbém que c/o tempo, cansado de sempre assistir a “mesmidade”, pois nas mesas nunca houve espaço p/o contraditório, acabei deixando de assistir as jornadas.
    Não faltaram sugestões de minha parte feitas diretamente ao Nildo, como, por exemplo, convidar o Roberto Fernández Retamar, membro ativo do comitê central do partido comunista cubano, tendo aderido a revolução ainda nos seus primórdios (não é nenhum “cristão novo”), e dirigente por décadas a Casa de Las Américas, o mais importante órgão cultural de Cuba.
    A resposta de Nildo foi reveladora do caráter doutrinário do que está em curso: tratava-se de um elemento não revolucionário …
    Engraçado que em Cuba então são os “reacionários” que estão no poder há mais de 50 anos ininterruptos, pois lá – como na China, Coréia, ou mesmo na URSS tanto quando ainda comunista quanto hoje – não há nenhuma universidade cujos dirigentes são escolhidos por processos paritários, muito menos c/voto universal. Como tampouco há em nenhuma das centenas melhores universidades deste planeta.
    Abs, Armando Lisboa, Dpto. Economia e Relações Internacionais/UFSC”.

    Na internet pode-se conferir a grandeza do Fernández Retamar, simplesmente um dos mais reconhecidos intérpretes vivos da América Latina, e, possivelmente, o maior intelectual cubano da atualidade. A “Casa de las Américas”, que ele dirige há três décadas, é uma instituição mais que emblemática da Revolução Cubana. Selecionei duas obras dele disponibilizadas pela Clacso:

    a) “Pensamiento de nuestra América”: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/formacion-virtual/20100721121022/retamar.pdf (mesmo o prólogo do Boron, um dos gurus do NO, não foi suficiente para ele reconhecer o valor do F. Retamar);

    b) “Todo Caliban”: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/caliban/caliban.html (prefaciado por Fredric Jameson, um dos grandes marxistas contemporâneos).

    O problema (para NO) é que Fernández Retamar é um cara da teoria literária e descendente de Shakespeare e Fellini, e não de Marx ou Marini, que pensa a cultura e a sociedade sem se enquadrar pelo vulgar e míope economicismo. Um artigo de Néstor Kohan – “Marxismo y cultura en Nuestra América (A propósito de “Todo Calibán” de Roberto Fernández Retamar)” – repõe com exatidão o contexto em que F. Retamar escreve seu mais relevante ensaio, bem como a importância deste cubano para a perspectiva socialista em nossas terras: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27926711015.

    Em outra recente reunião departamental (29/6/15), NO afirmou que apenas os que acreditam em Marx poderiam lecionar Economia Política II e III (disciplinas que, a seu juízo, apenas devem discutir uma única obra, “O Capital”), e que eu, por não ser marxista, não estava apto para tal … Notem que ele não desqualificou meu conhecimento de Marx ou do marxismo, pois não poderia fazê-lo, mas apenas sentenciou, como supremo e infalível sacerdote, que eu não era de determinado clube, ou melhor, capela.

    Ora, o próprio Marx afirmava não ser marxista. Isto não é um clichê barato, mas uma vigorosa e fecunda posição metodológica de quem utilizou amplamente a literatura acadêmica de sua época sem se deixar aprisionar nem mesmo por suas próprias análises, rejeitando expressamente seu encastelamento num credo. Infelizmente, após Marx tivemos foi marxismos que desencadearam cismas permanentes na autofágica disputa por ser guardião e intérprete da sua herança.

    Os “neoclássicos” em nosso Dpto. nunca exigiram profissão de fé para quem ministra disciplinas relacionadas aquela perspectiva, nem fogem do embate teórico, comportando-se dignamente como acadêmicos. Todavia, estes são definidos como “ortodoxos” pelo Manifesto.

    Sinceramente, talvez a pecha de ortodoxo se aplicasse, mas para NO. Ocorre, entretanto, que definir NO como ortodoxo é inadequado, pois insuficiente e eufemizante. De forma cristalina, NO vai muito além da pura ortodoxia teórica, e apenas posso identificar sua práxis como a de uma igreja (ou seita), mais próxima de organizar irmandades secretas do que do trabalho acadêmico.

    Aqui há que cuidar para não ofender todos os religiosos, pois, reconheço, existem os arejados e não dogmáticos. O problema são os fundamentalismos, as doutrinas fechadas e encapsuladas ao tempo, que sacralizam e cultuam um determinado texto revelador de oráculos. Nisto os ismos se parecem: são conjuntos de crenças inquestionáveis e salvíficas.

    Em nome do saudável e recomendável pluralismo teórico, todas as ortodoxias abertas para o debate com outras correntes são defensáveis. Mas, o bolivarianismo que se apresenta por aqui se assemelha a uma confraria religiosa. Trata-se dum modus operandi que fossilizou Marx e Marini, engessando-os, duma doutrina que não dialoga, e até ignora, com a profunda renovação teórica e política que ocorre por toda a América Latina e mais além, inclusive na esquerda (vide, por exemplo, a longa e profícua trajetória de Aníbal Quijano : http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20140424014720/Cuestionesyhorizontes.pdf). (3)

    A PG proposta não se coaduna com o ambiente acadêmico, que é necessariamente o do pensamento crítico e do diálogo entre posições controversas. Basta consultar as ementas e as bibliografias das disciplinas propostas. Uma pós graduação não é lugar de pregação, mas de forjar categorias que desvendam o real.

    Os efeitos nefastos deste bolivarianismo sectário e estreito estão presentes no atual desastre econômico-político da Venezuela, bem como no abismo que se agiganta na Argentina. Sem dúvida que no atual mundo pós-westfaliano, a pressão da competitividade diante da inexistência de uma regulação financeira global debilita todos os povos, mesmo aqueles não submetidos diretamente à troika. Mas, deixar-se pautar por visões maniqueístas e messiânicas apenas agudiza e aprofunda nossos problemas, fazendo com que ideologias produzidas por nós mesmos sejam uma das principais ameaças dos nossos países.

    Interessante é que NO se proclama como baluarte da tradição crítica. Mas, a característica fundamental do pensamento crítico é ser reflexivo, ou seja, autocrítico. Quem não duvida de si próprio, tampouco fica aberto às críticas. Quando não se é sabedor da provisoriedade das suas “convicções”, diante de quaisquer controvérsias passa a defendê-las apriorística e teleologicamente, mesmo que os dados do real o desmintam.

    Isto não significa negar que as tradições acadêmicas não possam ser impulsionadas legitimamente por objetivos políticos. Nas ciências humanas o referencial metacientífico é inescapável. Mas, a dúvida e o questionamento são intrínsecos a qualquer campo de conhecimento acadêmico, inclusive nas humanas e sociais, caso contrário adentramos no âmbito da pregação e da fé.

    Em verdade, alerta Frans de Waal, o inimigo não é a religião, “mas sim o dogmatismo, seja ele científico, filosófico ou religioso.” Pois, sem a vital criticidade, a contribuição analítica da nossa reflexão perde sua capacidade heurística, de leitura dialógica (e transformadora) do mundo.

    (1) Professor, entre outras disciplinas, de América Latina nos cursos de Economia e Relações Internacionais da UFSC.

    (2) Rui Mauro Marini, um dos ícones que NO professa devoção.

    (3) Não por acaso, nem Quijano nem Fernández Retamar estão dentre as referências presentes na proposta de mestrado em América Latina, em que pese configurarem dois dos mais influentes e clássicos intérpretes da AL.

  4. Fui Presidente do CALE em 1986 e 87 e minha turma foi a primeira do novo currículo pós-ditadura. Lá já enfrentávamos a postura comodista e fechada de um grupo significativo de professores. O novo currículo já tinha a marca do pluralismo e da formação ampla. No final afunilava para duas áreas Economia de Estado e de Empresa. Tinha espaço para todo mundo, mas isso só foi obtido com a participação dos estudantes. Lamentável a posição do CALE nesse processo…

  5. Fui presidente do CALE em 1986 e 87 e a carta reflete nossa história. minha turma foi a primeira a cursar o currículo novo pós-ditadura e sua marca já era o pluralismo. Lamentável a posição do Depto e, pior ainda, a do CALE.

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