Cana de açúcar transgênica: Ameaça à saúde e ao ambiente?

Por Nagib Nassar, professor emérito da UnB.

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou, recentemente,  a liberação comercial de cana-de-açúcar geneticamente modificada. Com isso, o Brasil vai ser o primeiro país do mundo a produzir esse tipo de cana. Isto é verdade porque nenhum outro país  tem a deliberação e aprovação decidida por  representantes de ministérios ao invés de cientistas altamente especializadas no assunto, tornando a decisão mais politica do que científica. Representantes do Ministério do Meio Ambiente, especialistas da área e da agricultura familiar votaram contra a liberação, apontando falta de estudos sobre os impactos ambientais e à saúde humana.

A cana de açúcar modificada geneticamente conta com a inserção de uma toxina capaz de matar sua principal praga, a lagarta Diatraea saccharalis, mais conhecida como broca da cana. A técnica é a mesma usada em milho e algodão transgênicos, com uma diferença: a toxina é vinte vezes mais venenosa, conforme o fabricante informou.

Os três votos contrários analisaram e julgaram insuficientes os estudos apresentados pela empresa fabricante. Eles chegaram à conclusão de que, a exemplo de todos os demais organismos geneticamente modificados (OGMs) aprovados na Comissão, as pesquisas com a cana não são suficientes. E estão muito longe de atender às próprias regras do órgão criado para auxiliar o governo federal nas questões de biossegurança dos transgênicos.

No caso da cana, há lacunas graves quanto aos potenciais efeitos sobre organismos vivos não alvos das toxinas dessa planta modificada, aos animais e ao seres humanos que consumirem a cana in natura, e o risco dessas novas variedades sobre espécies silvestres, a partir dos cruzamentos naturais entre ambas. A cana de açúcar é uma planta alógama com cem por cento de fecundação cruzada (1, 2, 3).

As espécies silvestres da cana representam a fonte principal de produção de açúcar e de bebidas no Brasil, como as cachaças e o popular caldo de cana.

O Brasil foi salvo de aprovar mais uma planta usada para a alimentação humana, o arroz transgênico. Mas agora tem que enfrentar um perigo maior com a cana de açúcar transgênica.

O ecólogo que faz parte da Comissão alertou para as deficiências em experimentos de avaliação do risco ambiental e a ausência de testes estatísticos, de avaliações dos efeitos do consumo dessa variedade modificada, tanto para animais domésticos como para humanos.  Além disso, faltaram dados sobre o cruzamento natural entre a variedade modificada e espécies silvestres, bem como os efeitos sobre a saúde humana e animal. Nem sequer tiveram resultados sobre os efeitos em insetos não alvos da própria lepidóptera (3,4)

O mais notado durante todo processo de aprovação foi à falta de discussão e debate nacional sobre assunto tão importante que envolve uma cultura tão difundida no consumo e alimentação do brasileiro. Se houve esse debate, como aconteceu em caso do arroz transgênico, essa cana transgênica poderia não ser aprovada, como aconteceu no caso daquele transgênico.

Faltou ao fabricante da cana modificada geneticamente considerar que o frequente cruzamento natural com outras espécies silvestres muito comuns no País pode levar ao desaparecimento de muitas dessas espécies. Faltaram dados do efeito não seletivo sobre outros insetos, animais e o próprio humano desse gene cry 1 AB  e até sobre organismos do solo, como o azotobacter.  Essa bactéria fixa o nitrogênio aéreo em plantas leguminosas, e pode ser levada à extinção pela toxina nas raízes de cana transgênica, tornando, potencialmente, o solo inútil para plantar qualquer legume futuramente (5, 6).

Todos os países europeus proibiram o milho transgênico de mesma tecnologia, com toxidade muito menor. A toxidade do milho transgênico é devido ao gene cry, que é muito menos tóxico que o gene cry 1AB, inserido na cana de açúcar.

Se esse gene introduzido na cana transgênica é tão toxico, imaginem o efeito sobre a saúde humana. Infelizmente, nenhum dado analisado estatisticamente foi apresentado pelo fabricante sobre o efeito de longo prazo nos rins e fígado de mamíferos em uma população de grande número.

Referências:

  1. Alteiri, M. A 2000. The ecological impacts of transgenic crops on agroecosystem health. Ecosystem Health 6:13¬23. Kjellsson, G. and V. Simosnson 1994. Methods for assessment of transgenic plants.
  2. Berkauser Verlag, Brasil Krimsky, S. and P. P. Wrubel 1999. Agricultural Biotechnology and the environment: Science, Policy and social issues. University of Illinois Press, Urbana.
  3. Losey, J. E., L. S. Rayor and M. E. Cater 1999. Transgenic pollen harms monarch larvae. Nature 399,241.
  4. Mellen, M. and J. Rissler 1988. Now or never: Serious plans to save a natural pest control. Union of concerned scientists. Washington D.C.
  5. Saxena, D., S. Flores and G. Stotzsky 1999. Insecticidal toxin in root exudates from Bt corn. Nature 401, 480.
  6. Snow, A. A. and P. Moran 1999. Commercialization of transgenic plants: Potential ecological risks. Bioscience 47:86¬96

Foto: Chile Bio.

Fonte: JC Notícias.

 

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