‘Café com canela’: os regionalismos de um recôncavo em ebulição

Imagem – Divulgação

De flashbacks a câmeras trêmulas. De focos em rostos de pessoas diversas a situações comuns de um recôncavo baiano à procura de si mesmo. De histórias sobre luto e perda ao retrato de um universo cheio de singularidades. Café com canela, primeiro longa de Ary Rosa e Glenda Nicácio, é fruto de uma região em plena ebulição cinematográfica, especialmente por conta do curso de cinema da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).

Não é a primeira vez que essa região do país fica em evidência. De Glauber Rocha, durante o período do Cinema Novo, no auge de suas alegorias regionalistas, até mesmo ao Kleber Mendonça Filho, em filmes-potência como O som ao redor (2012) e Aquarius (2016), o nordeste do Brasil é uma das regiões mais frutíferas em termos de inovação, experimentalismo, linguagem e qualidade de cinema. Café com canela talvez seja um misturado disso tudo — um retrato esculpido da região, desde os anos 90 (quando parte da história se inicia), até a contemporaneidade.

Por mais que ‘Café com canela’ não seja um filme necessariamente comercial, retrata de maneira primorosa o recôncavo baiano

No longa-metragem, um grupo de indivíduos, aparentemente distintos, se une por conta de situações também diferentes entre si, mas que remetiam à dor do luto e do vazio existencial da perda. Margarida (Valdinéia Soriano) é uma mulher que vive anestesiada pela dor da perda do filho. Ao reencontrar-se com Violeta (Aline Brunne), uma jovem mulher que vende coxinhas e é casada com um homem por quem é apaixonado, a vida das duas personagens muda completamente, entre conversas com café com canela, que dá nome ao filme.

Tecnicamente, o filme chega a ousar a cada minuto — o que certamente pode deixar o espectador ou outro desorientado logo de cara. No entanto, a narrativa se desenvolve de forma a preencher essas lacunas que foram sendo caoticamente espalhadas. Um pouco longe da história em si, o grande charme de Café com canela é, sem dúvida alguma, o retrato de um recôncavo baiano, cheio de regionalismos e contrastes, figuras humanas genuinamente representadas.

Isso em grande parte se deve também à escolha de um elenco de peso, que de fato conhecia aquela realidade da região. Personagens como o de Babu Santana, um médico casado com um homem mais velho, e de Arlete Dias, uma mulher extrovertida e cheia de anedotas, dão um tempero de comicidade ao filme que, no fundo, é quase teatral, e foge um pouco do melodrama da trama principal.

É importante pontuar também o fato de que o filme foi contemplado em 2017 com o Prêmio Petrobrás de Cinema por meio do Júri Popular no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e participou da Seleção Oficial do Festival Internacional de Cinema de Roterdã em 2018. Café com canela talvez não seja um filme que conquiste o cinema comercial devido a suas especificidades técnicas, e mesmo por conta de uma linguagem mais ousada. Porém não se deve jamais tirar o mérito de um filme que retrata de maneira magistral a realidade de uma região culturalmente em ebulição que é o recôncavo da Bahia. E, muito além disso, o longa também traz uma reflexão apurada sobre o senso de comunidade em meio ao caos da dor da perda, tão comum ao espírito humano.

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