Por José Álvaro de Lima Cardoso.*
Conforme já registramos em artigo anterior, falar mal do Brasil virou esporte predileto de muitos no Brasil e no mundo. Nunca se falou tão mal da economia do país, por exemplo, exatamente em um período em que os indicadores, possivelmente, sejam os melhores da história do Brasil. Os imensos desafios do Brasil, obviamente não podem ser desconsiderados. Por exemplo, o país ainda não possui um projeto nacional de desenvolvimento, fruto do debate da maioria da sociedade. Um projeto que leve em conta as mudanças na conjuntura mundial e reconheça a necessidade da política econômica brasileira se readequar a uma trajetória de longo prazo. Isso tudo requer um pesado e democrático debate na sociedade, de difícil construção.
Não se sabe, ademais, qual a proposta da sociedade para as despesas com juros do governo, que drena parcela significativa do esforço nacional. No ano passado, o país gastou R$ 249 bilhões com juros, que vão para o bolso de uma minoria. De 2009 a 2013, os gastos com juros alcançaram R$ 1,065 trilhão, equivalente a cerca de 22% do PIB brasileiro. Os gastos com as arenas para a Copa do Mundo (que serão devolvidos, pois são fruto de empréstimos), representam duas semanas de juros recebidos pelos rentistas no ano passado. Conforme já foi veiculado, desde que começaram as obras da Copa, em 2010, o governo investiu R$ 825 bilhões em saúde e educação, o que representa mais de cem vezes os gastos com arenas. Mas isso não se discute, afinal quem leva 5% do PIB todo ano tem muita força sobre a opinião pública.
Outra questão fundamental: como reverter o processo de desindustrialização? Para a economia gerar empregos e salários de qualidade e receita fiscal compatível com as urgências sociais e logísticas, não é possível imaginar o país sem indústria, que é o principal polo irradiador de produtividade e inovação da economia. Dá para ter indústria competitiva com o atual nível de câmbio e juros, sem pensar em controle de capitais?
Continuamos sendo, além disso, um dos 10 países mais desiguais do mundo e segundo a principal pesquisa sobre paraísos fiscais, da Tax Justice Network, nos paraísos fiscais existe entre US$ 21 trilhões a US$ 30 trilhões. E a estimativa é que o Brasil teria cerca de US$ 520 bilhões – quase R$ 1 trilhão. O PIB do Brasil é R$ 4,84 trilhões, ou seja, estamos falando de quase 25% do PIB brasileiro desviado para paraísos fiscais.
No entanto, os desafios devem ser analisados sob perspectiva histórica, do contrário as críticas ficarão no plano abstrato e genérico. Por exemplo, de fato a taxa média de crescimento do PIB do Brasil, nos últimos anos, (2%), realmente é muito baixa. Mas vivenciamos ainda os efeitos da maior crise do capitalismo nos últimos 80 anos; isso não conta? No Brasil o consumo das famílias sobe, ininterruptamente, durante 120 meses seguidos, o que explica, inclusive, a pressão sobre a inflação, já que ocorreu a mudança da estrutura de distribuição de renda e a inclusão de milhões de brasileiros, nos últimos anos, no processo de consumo, o que é extremamente positivo.
A comparação da evolução da economia brasileira com a mexicana é interessante, porque alguns analistas gostam de mencionar aquela como um exemplo de sucesso, pelo seu alinhamento com a pregação neoliberal e com as políticas emanadas dos EUA. Desde 2003 a economia brasileira (que cresceu pouco para as nossas necessidades) expandiu 45,44% e a economia mexicana, no mesmo período, cresceu 30,47%. E com um detalhe importante: no Brasil a participação dos salários na renda nacional, é de 45% e no México é de 29%. Isto significa que o Brasil cresceu mais (ainda que insuficiente) e com menos desigualdade.
Queiramos ou não, para vários assuntos o Brasil se tornou uma referência internacional e isso incomoda muita gente. Por exemplo, mudamos o padrão de nossas relações comerciais, fortalecendo a relação Sul-Sul, tanto na América do Sul com o reforço do Mercosul, quanto em relação ao Continente Africano. As forças armadas do país, recentemente, firmaram parcerias com a Suécia, com a aquisição de caças e transferência de tecnologia. Em parceria com a França e Argentina, o país está fabricando submarinos movidos à propulsão nuclear. Tudo isso mostra uma nova postura do Brasil em política internacional, que certamente desagrada interesses dominantes mundo afora, especialmente dos EUA.
Um capítulo importante deste processo complicado e novo foi a entrega à Petrobrás, pelo governo, de quatro das seis áreas de cessão onerosa utilizadas como garantia no processo de capitalização da empresa. Essas áreas, que estão concentradas no campo de Franco (agora Búzios), tem entre 10 e 14 bilhões de barris de petróleo recuperáveis, praticamente tudo que o país possui de reservas comprovadas. Para termos uma ideia, Franco possui 25% acima das reservas de Libra, o maior campo de petróleo descoberto no mundo nos últimos anos. Segundo avaliações dos especialistas, o campo de Franco deve disponibilizar à educação e à saúde, algo próximo a R$ 700 bilhões, fora as receitas de impostos. Para a extração das reservas a Petrobrás deverá investir no país cerca de R$ 500 bilhões, nada mal para uma empresa que alguns qualificam como “endividada” ou “quebrada”.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
Fonte: DIEESE