A imprensa nativa não gosta de debater o jornalismo brasileiro, e há mesmo “certa resistência da parte dos jornalistas em admitir a legitimidade da análise de mídia”.
Essa constatação é do conceituado cientista político Marcus Figueiredo (Iesp-Uerj), após analisar a cobertura dos principais jornais do País sobre as eleições presidenciais e colher forte oposição ao trabalho, com o qual mostra o tratamento negativo dado a Lula em benefício dos opositores.
O diagnóstico de Figueiredo casa com a declaração de Joaquim Barbosa, em San José da Costa Rica: “O Brasil tem hoje três principais jornais nacionais impressos, todos mais ou menos inclinados para a direita”, explicou o presidente do Supremo. Nesse caso, nada mais natural que, em 1964, todos eles tenham aderido ao golpe contra o presidente João Goulart.
O Globo, quase 50 anos depois, parece incomodado por ter “confundido” o golpe que acabou com a democracia com “revolução”, como trombeteava em manchete. À qual traria a democracia de volta.
“Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: ‘A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura’. De fato, trata-se de uma verdade e, também de fato, de uma verdade dura”, diz o jornal com essa espécie de autopenitência.
O texto esconde muitas verdades. Uma delas, a mais dura: apoio à ditadura significa apoio à tortura. Mas por esse “pequeno” sacrifício a empresa foi recompensada. Sob a ditadura, o Sistema Globo tornou-se um império: televisão, rádio, jornais, revistas etc. Há um relato de como os aliados obtinham vantagens materiais. Está registrado no livro Dossiê Geisel (FGV), organizado por Celso Castro e Maria Celina D’Araujo. Eis um caso essencial para a compreensão da aliança civil-militar:
“A concessão de um canal de televisão para João Pessoa teve quatro candidatos e um deles era a Rede Globo. O ministro (Euclides Quandt de Oliveira) mostrou-se contrário à outorga à TV Globo, porque isso significaria aumentar o monopólio da emissora”.
“O ministro expôs sua política em relação à radiodifusão (…) Devia-se procurar certo equilíbrio entre duas ou três redes, para que nenhuma delas tivesse condições de exercer um monopólio virtual da audiência de televisão (…) Se uma rede de TV vier a ter índices de audiência, em âmbito nacional, superior a 80%, ela representará um virtual perigo, o que não pode ser aceito pelo governo.”
“Marinho discordou (…) Afirmou que deveria ser permitido o crescimento, sem restrições e sem limites, da Rede Globo (…) O comportamento da Globo deveria fazê-la merecedora de atenção e favores especiais do governo.”
Quandt de Oliveira estava certo. Roberto Marinho, no entanto, venceu a queda de braço. A pretensa autocrítica publicada em O Globo coabita com um comunicado de igual novidade. Com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) o jornal firma o compromisso de abandonar a prática de descontos nos anúncios (dumping), da qual se valeu para aniquilar economicamente alguns adversários.
O texto não convence. Não alcança o objetivo. Provar que O Globo se converteu à democracia.
Foto: Reprodução/guerraearmas.wordpress.com
Fonte: Carta Capital