Brasil está entre as 6 economias mais afetadas pela devastação da natureza, revela estudo global

Foto: Projeto Baleia Jubarte

Pesquisadores do WWF International revelaram o óbvio, na verdade, mas, neste mundo essencialmente capitalista, é necessário apresentar dados para embasar o que só não se quer ver, nem admitir. Eles calcularam o custo econômico do declínio da natureza em 140 países e revelaram o resultado no relatório Global Futures (Futuros Globais). E este é uma sentença.

Se o mundo continuar promovendo a devastação ambiental em beneficio dos negócios, sem considerar a vida – ou seja, agir pautado pela máxima do business as usual -, os EUA, que lideram este movimento de destruição – inclusive com as guerras que promove -, sofrerão as maiores perdas do PIB anual em termos absolutos. Em números, isso significa que “US$ 83 bilhões serão varridos de sua economia por ano até 2050: uma quantia equivalente a todo o PIB anual da Guatemala”.

Esse total se deve, em grande parte, aos danos que poderão ser causadas a suas infraestruturas costeiras e terras agrícolas, devido ao aumento das inundações e da erosão. Estas, por sua vez, podem aumentar assustadoramente por causa da destruição das defesas naturais da costa do país, como manguezais e recifes de coral.

Danos às zonas costeiras, aliás, também serão a principal causa dos prejuízos à economia brasileira, o que coloca o nosso país em sexto lugar no ranking do estudo do WWF. As perdas estão calculadas em US$ 14 bilhões (ou cerca de R$ 65 bilhões no câmbio de hoje: 1 dólar = 4,67 reais) ao ano até 2050. Leve em conta que a zona costeira abriga cerca de 60% dos brasileiros e é a mais vulnerável frente às mudanças climáticas.

Por ano, de acordo com a área afetada, os prejuízos no Brasil poderão seguir este script:

ZONAS COSTEIRAS – Bens e pessoas serão constantemente afetados pelo aumento do nível do mar e das erosões, impactando a economia de forma assustadora. Nos primeiros anos, os prejuízos poderão ser de US$ 12,382 bilhões/ano ou quase R$ 58 bilhões.

FLORESTAS – A perda de produtividade nas áreas florestais tem origem no uso indevido do solo e no desmatamento, que afetam diretamente o clima. Em 2019, 9.762 km² foram desmatados e as emissões por uso de solo representaram 44% da emissão do país. Nesse cenário, os prejuízos, então, poderão ser da ordem de US$ 1,326 bi/ano ou cerca de R$ 6.1 bilhões.

POLINIZAÇÃO – Muita gente ainda não sabe, mas cerca de 32 alimentos dependem exclusivamente de polinizadores. Com as alterações do clima, este ciclo de produção fica altamente comprometido. E, por isso, os prejuízos podem chegar a US$ 1,013 bi/ano ou pouco mais de R$ 4.7 bilhões.

ÁGUA DOCE E PESCA – Ambos são consideravelmente afetados à medida que as chuvas sofrem alterações de intensidade e frequência, modificando o ciclo hidrológico. Isso impacta na segurança das comunidades costeiras, na mudança de seu habitat e na reprodução dos peixes. E ainda provoca grandes períodos de estiagem.

No caso da água, os prejuízos podem chegar a US$ 0,69 bi/ano ou R$ 3,2 bilhões. Já a produção pesqueira pode registrar US$ 0,108 bi/ano ou R$ 504 milhões.

O estudo Global Futures ainda prevê outras perdas globais anuais até 2050 relacionadas a essas áreas:
– US$ 327 bilhões (ou R$ 1,5 trilhão) em proteções danificadas por inundações, tempestades e erosão devido a mudanças na vegetação ao longo da costa e ao aumento do nível do mar;
– US$ 128 bilhões (ou quase R$ 584 bilhões) com a perda de armazenamento de carbono que protege o planeta contra as mudanças climáticas;
– US$ 15 bilhões (ou R$ 70 bilhões) por causa da destruição de habitats de abelhas e outros insetos polinizadores;
– US$ 19 bilhões (ou R$ 88,7 bilhões) provenientes da redução da disponibilidade de água para a agricultura; e
– US$ 7,5 bilhões (ou R$ 35 bilhões) com a perda de florestas e serviços de ecossistemas florestais.

E se a economia fosse de baixo carbono?

Para as commodities agrícolas, o cenário obviamente não é promissor se continuarmos investindo no modelo atualintensivo em carbono.

setor agrícola global será o mais atingido pelo declínio dos serviços ecossistêmicos da natureza: sofrerá com a escassez de água e a diminuição de abelhas e outros insetos polinizadores. E isso também poderá levar a um aumento dos preços dos alimentos em todo o mundo, com implicações graves para a segurança alimentar em muitas regiões.

Assim, se continuarmos nessa toada, estão previstas perdas anuais de US$ 8 milhões ou R$ 37,36 milhões na cultura de cana e US$ 51 milhões ou R$ 238 milhões na pecuária. Mas, e se fossem adotados modelos mais limpos e sustentáveis? Ganhos anuais seriam possíveis: US$ 87 milhões ou R$ 406 milhões para a cana, e US$ 4 milhões ou R$ 18,6 milhões para a pecuária.

Na indústria alimentícia, desconsiderando os serviços sistêmicos como agora, a perda prevista é de US$ 460 milhões ou R$ 2.148 bilhão. E, na indústria em geral, pode ser de US$ 2,2 bilhões ou R$ 10,274 bilhões. E se estivéssemos numa economia de baixo carbono? Os ganhos seriam, respectivamente, de US$ 459 ou R$ 2.143 bilhão e US$ 1,5 bilhão ou pouco mais de R$ 7 bilhões.

Já o setor de serviços perde nos dois cenários, mas, em proporções bem diferentes, veja só. Numa economia como a atual, perderá US$ 9,3 bilhões ou R$ 43 bilhões; numa economia verde, continuaria perdendo, mas muuuuito menos: US$ 1,6 bilhão ou quase R$ 7,5 bilhões.

E não será possível fugir dos aumentos nos preços globais para as principais commodities nos próximos 30 anos:
– Madeira: + 8%
– Algodão: + 6%
– Sementes oleaginosas: + 4%
– Frutas e verduras: + 3%.

Os três países mais impactados

Países em desenvolvimento como o Brasil – África Oriental e Ocidental, a Ásia Central, além de alguns da América do Sul – também sofrerão grandes impactos devido à perda de seus serviços ecossistêmicos, o que afeta os níveis de produção, o comércio e os preços dos alimentos.

De todos, os três países que mais devem perder PIB em termos percentuais são Madagascar, Togo e Vietnã. Até 2050 certamente sofrerão quedas de 4,2%, 3,4% e 2,8% ao ano, respectivamente.

Levemos em conta que perder PIB não precisa ser ruim, somente numa sociedade capitalista. Esta pode ser uma grande oportunidade para implementar mudanças nos valores morais, éticos e financeiros.

Cenário inóspito para as futuras gerações

“Este estudo inovador mostra como a natureza perdida não apenas terá um enorme impacto na vida e nos meios de subsistência humanos, mas também será catastrófica para nossa prosperidade futura. Pessoas de todo o mundo já estão sentindo o impacto do aumento dos preços dos alimentos, secas, escassez de mercadorias, inundações extremas e erosão costeira. No entanto, para a próxima geração, as coisas serão muito piores, com trilhões varridos das economias mundiais até 2050”, ressaltou Marco Lambertini, diretor geral do WWF Internacional, no lançamento do estudo.

Mas ele chama a atenção para um fato alarmante: nesta previsão, as estimativas são conservadoras. Isto porque apenas alguns dos inúmeros benefícios que a natureza nos oferece podem ser modelados e, também, porque “não é possível levar em conta os efeitos multiplicadores de riscos dos pontos de inflexão ambiental, além dos quais os habitats mudam rápida e irreversivelmente, levando à súbita perda catastrófica dos serviços da natureza”.

Portanto, se todas as questões levantadas por ele fossem levadas em consideração, o estudo apresentaria cenários ainda mais assustadores. Levando em conta que este é o legado que estamos deixando para os jovens de agora e as futuras gerações, isso é muito grave. Perverso.

Já Alexandre Prado, diretor de Economia Verde do WWF-Brasil, destaca a estreita relação entre economia e conservação confirmada pelo estudo e o que devemos fazer a partir dele, lembrando que a desigualdade também está presente na forma como os prejuízos afetam cada região no planeta: “os países-ilha, por exemplo, serão varridos do mapa”.

“É necessário dar ênfase e escala a modos de produção e consumo mais sustentáveis. Os serviços ecossistêmicos não são somente a garantia de nossa sobrevivência em nosso planeta, mas também da geração de oportunidades econômicas e da qualidade de vida para as sociedades humanas. O mundo perde muito em não agir, principalmente pelo aumento do nível do mar e demais eventos extremos nas costas, mas também pela perda de produtividade agrícola e florestal e o menor volume de água doce disponível. Só vamos conseguir manter o crescimento econômico e a prosperidade global em um cenário de conservação”.

Futuro global positivo

O estudo do WWF International avalia o impacto macroeconômico caso os países ricos e em desenvolvimento continuem apostando no modelo predatório e não aprendam a conciliar economia e conservação. É óbvio que este modelo não funciona e está nos arrastando para o abismo. Os impactos são, sim, desiguais, mas ninguém escapará se as emissões de gases de efeito estufa continuarem aumentando e prosseguirmos com a destruição do que chamamos de recursos naturais.

Por que é tão difícil entender que, em um cenário no qual o uso da terra seria gerenciado de forma a evitar novas perdas da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos – chamado pelo estudo de cenário de Conservação Global -, é também óbvio que os resultados econômicos seriam “dramaticamente melhores”? O PIB global, por exemplo, aumentaria 0,02% ao ano, resultando num ganho líquido de US$ 490 bilhões (ou R$ 2,28 trilhões) no mesmo período, ou seja, acima do cálculo da economia, como sempre.

Global Futures é resultado do uso de um método pioneiro de análise criado por meio de uma parceria entre o WWF, o Projeto Global de Análise de Comércio da Universidade de Purdue (Indiana, EUA) e o Projeto Capital Natural da Universidade de Minnesota.

Steve Polasky, co-fundador do Projeto Capital Natural, é taxativo: “as economias do mundo, as empresas e nosso próprio bem-estar dependem da natureza”. E chama a atenção para o fato de que “as mudanças climáticas, as condições climáticas extremas e as inundações, a falta de água, a erosão do solo e as extinções de espécies são algumas das evidências que mostram que nosso planeta está mudando mais rapidamente do que em qualquer outro momento da história”.

E completa: “A maneira como alimentamos, abastecemos e financiamos a nós mesmos está destruindo os sistemas de apoio à vida dos quais dependemos, arriscando a devastação econômica global”.

Já Thomas Hertel, diretor executivo do Projeto Global de Comércio e Análise, um dos parceiros do estudo, lembra que “a ciência e a economia são claras. Não podemos mais ignorar o forte argumento econômico de restaurar a natureza. A inação nos custará muito mais do que ações para proteger as contribuições da natureza para a economia”. E sinaliza: “Para garantir um futuro global positivo, precisamos alcançar padrões mais sustentáveis de produção e de uso da terra, e reformar os sistemas econômico e financeiro para incentivar a tomada de decisão baseada na natureza”.

A hora de agir é agora

Portanto, o futuro continua em nossas mãos. O nosso, o dos jovens, das crianças e das criaturas que ainda não chegaram ao planeta. Não sei se consigo ser otimista como Marco Lambertini, diretor geral do WWF Internacional: “A boa notícia é que esses resultados desastrosos podem ser evitados se, em vez de continuarem atuando com o modelo antigo de fazer negócios, os governos agirem urgentemente para deter a perda de natureza e enfrentar a nossa emergência planetária”. Mas creio que é preciso lutar, cobrar e tentar.

Lambertini finaliza seu depoimento, valorizando o Acordo de Paris: “Não precisamos nada menos que um novo acordo para a natureza e as pessoastão abrangente, ambicioso e científico como o acordo climático global acordado em Paris em 2015”.

No sumario do estudo, o WWF reforça esse otimismo:

“Este relatório chega em um momento crítico, marcando o início de um ano histórico para o futuro do nosso planeta. Durante 2020, líderes políticos e negociadores fornecerão uma série de importantes resultados globais sobre natureza, clima e desenvolvimento e estabelecer um novo acordo abrangente para a natureza e as pessoas que incorporam uma forte estrutura pós-2020 para a proteção da biodiversidade global.

Também haverá novas evidências e recomendações em desenvolvimento sobre como abordar essas questões, inclusive, por exemplo, através da próxima revisão de Dasgupta sobre economia da biodiversidade, encomendada pelo Tesouro do Reino Unido.

Como o IPBES (Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas em Serviços de Biodiversidade e Ecossistemas lançada por 94 governos em 2012) e outros relatórios globais alertaram, e este relatório corrobora, os atuais níveis de ambição não são suficientes.

Para reverter o declínio da natureza e para que a humanidade desfrute de um futuro sustentável e próspero, precisamos urgentemente de mudanças transformacionais em nossos sistemas econômico e financeiro. Orientar esses sistemas para proporcionar prosperidade sustentável a longo prazo incentivará a proteção e a restauração da natureza.

Esperamos que este relatório, juntamente com outras evidências, incentive e permita que os líderes mundiais tomem ações decisivas antes que seja tarde demais”.

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