Bolívia: O golpe sob julgamento. Por Elaine Tavares.

Foto: Ricardo Carvallo Terán/ABI

Por Elaine Tavares.

Quem acompanhou o golpe de novembro de 2019 na Bolívia, quando a legalidade das eleições foi questionada e Evo Morales acabou tendo de sair do país sob pena até se ser morto, sabe que tudo não passou de uma grande conspiração envolvendo militares, políticos regionais e a chamada elite boliviana, como sempre assessorada pela embaixada estadunidense. Com Evo fora da Bolívia, os milicos colocaram para correr a presidente do senado e trataram de colocar a segunda vice, uma mulher, Jeanine Áñez, na presidência. Naqueles dias de convulsão, houve a invasão do palácio presidencial, a retirada e a queima da Wiphala (bandeira indígena) e a presidente ilegítima, ao assumir, ladeada por militares e segurando uma enorme bíblia, proclamou: “a bíblia volta ao palácio”, fazendo referência ao fim de um tempo de índios. O golpe de 2019 foi racista e eivado de fundamentalismo religioso, típico de uma minoria da região de Santa Cruz.

Os dias que se seguiram ao golpe foram de muita violência e perseguição aos políticos e partidários do MAS. Políticos ligados ao então ex-presidente Evo eram caçados nas ruas e chegou a haver algumas tentativas de linchamento de vários deles. Foi paradigmático o caso da prefeita da cidade de Vinto, Arce Guzmán, que teve seu cabelo cortado e foi arrastada pela cidade com tinta sobre o corpo, numa humilhação pública. Até mesmo a casa de Evo foi saqueada, com os invasores se surpreendendo com a simplicidade da morada. Por todo o país houve dezenas de mortes e violência desenfreada. E, com o levante dos movimentos sociais, a repressão também foi grande. Por três vezes as eleições – que deveriam ser chamadas – foram adiadas e foi preciso muita mobilização do povo boliviano para que finalmente acontecessem. Jeanine também retomou negociações com o FMI que tinha sido banido do país, abrindo caminho para novo ciclo de dependência.

Os golpistas acreditavam que poderiam se manter no poder usando as eleições como escudo, mas a população não permitiu. O resultado não poderia ser diferente, até porque já havia sido provado que não houvera fraude na consulta, a qual elegeu Evo. Assim não foi novidade a vitória do candidato do MAS, em primeiro turno, reestabelecendo-se a normalidade institucional, ainda que Evo Morales tivesse sido impedido de concorrer ao senado, tal como ele pretendia.

Luis Arce assumiu a presidência em novembro de 2020 e tinha por compromisso estabelecer a justiça depois de tantos desmandos. A população que o colocou na presidência não queria nem esquecimento, nem perdão, afinal muitas vidas tinham se perdido na quartelada.

Por conta disso, tão logo começou o novo governo, iniciou-se também uma investigação para saber quem esteve envolvido no golpe e quais suas responsabilidades. Agora em março foram expedidos alguns mandados de prisão para ex-ministros golpistas, chefes de polícia e das forças armadas e também a ex-presidente Janine. Alguns deles estão foragidos, tendo conseguido passar a fronteira, e justamente por isso a justiça decidiu agir antes que mais gente escapasse.

Na manhã de sábado a polícia realizou a detenção da ex-presidente Jeanine Áñez, a qual estava escondida na casa de parentes, porque havia indícios de que ela preparava sua saída do país. Ontem, já no cárcere, onde deverá ficar detida, preventivamente, pelos próximos seis meses, enquanto durar a investigação, ela reivindicou ajuda da OEA, alegando que as prisões ferem os direitos humanos. A mesma OEA que provocou o golpe ao anunciar que houvera fraude e que jamais se pronunciou contra as perseguições aos masistas e aos movimentos sociais.

Já os deputados ligados ao MAS insistem que o que está acontecendo – com as prisões – é justamente a ação de impedir que os responsáveis pelo golpe saiam do país e fiquem impunes. O que acontece agora não é uma perseguição política – tal como se deu durante o golpe – mas uma investigação que pressupõe a coleta de provas e um julgamento justo. O povo boliviano não vai aceitar impunidade.

Elaine Tavares é Jornalista, em Florianópolis.

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

 

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