Biogás leva autossuficiência energética a produtores no PR

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Por Paloma Rodrigues *

Vinte cabeças de gado se espalham pela pequena propriedade do casal Pedro e Isolda Regelmeier, no município de Marechal Cândido Rondon, interior do estado do Paraná. Além do leite retirado das 11 vacas da criação, os animais são responsáveis por gerar a própria energia em um local onde não chega a conta de luz nem de gás. Na casa da família tudo funciona a partir do biogás: lâmpadas, sistema de aquecimento e refrigeração e até o fogão, adaptado por uma empresa de eletrodomésticos para funcionar a partir do uso do material.

A matéria prima vem dos próprios animais da propriedade. Mais especificamente, de seus dejetos que, depois de passarem por um processo de biodigestão (foto), transformam-se em biogás.

Como eles, outros 32 pequenos produtores da cidade se utilizam dos excrementos gerados por seus suínos, bovinos e aves para gerar energia em suas propriedades.

Dona Isolda é vice-presidente da Cooperativa do Condomínio Ajuricaba. Na vida dos pequenos produtores rurais, o impacto vai além da economia nas contas de gás e luz. “Melhorou a qualidade de vida da gente, porque ficou mais pratico, mais higiênico”, diz a agricultora.

A chamada “raspagem”, processo de retirada dos dejetos das estribarias, acontece diariamente, mas agora o material não é mais depositado no solo. “O serviço não diminuiu, mas sem o material estar na terra, o número de insetos diminuiu, não tem mais mosca, nem mosquito”, diz. “Olha aqui, é uma estribaria e não tem cheiro.”

No processo de raspagem das instalações, a solução se transforma em ganho ambiental: a limpeza é feita com água da chuva, captada por um sistema de calhas no telhado das unidades.

O processo é simples: o material segue para uma caixa que torna todo o material homogêneo. De lá, segue para o biodigestor. No caso de propriedades como a de seu Pedro e dona Isolda, a propriedade gera 350 litros de dejetos por dia. O biodigestor tem capacidade para armazenar o material de 32 dias. O sistema funciona com composição em camadas: o material mais novo entra na parte debaixo do biodigestor e o material mais velho vai subindo com o passar do tempo.

A produção de biogás, nesses moldes, pode ser levada a outras cidades, explica o engenheiro João Carlos Zank, do Parque Tecnológico Itaipu (PTI), e já começa a ser replicado na cidade de Entre Rios do Oeste, também no interior do Paraná, e também no Uruguai. “Em cada bacia hidrográfica que se tenha pecuária de corte de ave, bovinos ou suínos ou tenha produção de leite, é possível replicar esse modelo”, diz. “Cada caso precisa de um estudo de viabilidade para que se saiba a quantidade de gás possível ser gerada e o fim que ele terá, que pode ser a energia elétrica, térmica ou veicular, vai depender da escala de produção do local.”

O material degradado segue pela tubulação para alimentar a propriedade e o restante segue pelo gasoduto até chegar a central. O engenheiro explica que se o fosse depositado no solo ou em rios – como antes acontecia em todas as propriedades -, o material também se converteria em gás, mas não poderia ser captado para o uso.

Cada unidade, retém uma diferente porcentagem de energia para sua autossuficiência – em média de 10 a 15% do total da energia gerada, segundo Zank. O restante vai para a Central de Energia do condomínio, que produz energia térmica e elétrica e pode produzir combustível para veículos. “O filtro instalado na nossa unidade já permite o uso veicular desse combustível. Estamos desenvolvendo uma cadeia de uso de biogás de qualidade e segurança”, afirma o engenheiro.

“Esse é o agricultor do futuro, o que produz sua própria energia”, acredita Jorge Samek, diretor da usina Itaipu, a maior apoiadora e idealizadora do projeto. A Itaipu Binacional administra a maior usina da América Latina, responsável por quase um quinto da produção de energia elétrica do Brasil. Samek afirma que a empresa viu um novo polo gerador de energia a partir de um problema enfrentado na administração da usina: a contaminação das bacias hidrográficas e dos lençóis freáticos que abasteciam os reservatórios de Itaipu.

A contaminação era fruto dos excrementos dos animais, dispostos diretamente sobre o solo das propriedades dos pequenos agricultores. Agora, eles recolhem os desejos dos animais e os armazenam no biodigestor, que gerará o gás.

“O Paraná é o maior estado produtor de agropecuária no Brasil”, afirma Samek, “e Itaipu fica justamente em uma de suas regiões de maior produção. Temos propriedades aqui com 240 mil suínos. Agora, isso está virando energia.”

“Esse agricultor contamina menos seu solo, pode ter seu próprio carro elétrico e o abastecer com a energia que ele mesmo gerou, sem nenhuma emissão de poluentes e com uma economia absurda”, completa.

Durante a última semana, representantes de dez países membros da Agência Internacional de Energia (IEA) visitaram o Parque Tecnológico e discutiram, entre outros assuntos, iniciativas de seus países para a produção do biogás. Ajuricaba, apostam os especialistas, pode ser o carro chefe das energias alternativas do Brasil. “As cidades que se abastecem com o gasoduto estão próximas do litoral, onde estão as maiores capitais. Essa é a maneira que temos de descentralizar a geração de energia: em vez de você trazer o gasoduto até o estado, ele está saindo do interior e encontrando a capital”, diz Zank. “Dessa forma, o biogás pode gerar independência e descentralização da geração de energia.”

Um dos objetivos futuros da Força Tarefa 37 é regulamentar a produção do biogás, para que ela seja uniforme em todo o País. Um dos benefícios da regularização seria a produção de gás combustível para veículos, como já acontece com o gás GNV.

*A repórter viajou a convite da Itaipu Binacional

Fonte: Carta Capital

Foto: Alexandre Marchetti / Itaipu

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