Biodiversidade à mercê dos mercados

Ricardo Coelho.*

Os sucessivos acordos internacionais sobre biodiversidade têm falhado no seu objetivo de travar a destruição sistemática de espécies pela máquina produtiva capitalista. Mas os líderes dos países mais desenvolvidos têm uma ideia revolucionária para preservar a biodiversidade: usar o poder dos mercados financeiros.

Em Hyderabad, na Índia, decorre atualmente a 11a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica. Desde que a convenção foi assinada, na Cimeira da Terra, em 1992, os governos mundiais já assumiram vários compromissos voluntários para abrandar o ritmo de extinção de espécies, mas estes compromissos nunca foram cumpridos. As negociações estão atualmente centradas na discussão sobre mecanismos de financiamento de programas de proteção da biodiversidade, necessários para inverter a extinção de espécies.

Um estudo publicado recentemente na Science concluía que o custo de recuperar e preservar as espécies ameaçadas de extinção no mundo ascende a 62 mil milhões de euros por ano. O montante equivale a menos de metade dos bónus pagos a administradores de bancos no ano passado. Não estamos a falar de muito dinheiro, portanto.

Mas os governos que se reúnem à porta fechada em negociações internacionais não estão, na sua maioria, minimamente interessados em confrontar os interesses dos mais poderosos. Pelo contrário, o que está em cima da mesa de negociações é dar ainda mais poder a quem lucra com a destruição do planeta.

A partir do exemplo (falhado) do mercado de carbono, a União Europeia, assim como vários outros governos do mundo, pretende criar um mercado global para a biodiversidade. A ideia é que passaria a ser possível, por exemplo, a uma empresa destruir um rio construindo uma mega-barragem num ponto do planeta, desde que pague a outra empresa para preservar um rio noutro ponto do planeta.

Neste mercado, a natureza pode mesmo ser produzida. Assim, uma empresa pode comprar uma zona arenosa e transformá-la numa zona húmida, criando um lago artificial e soltando algumas espécies de animais típicas de zonas húmidas, e assim ganhar créditos que podem ser comprados por quem queira destruir uma qualquer zona húmida. O céu é o limite para a imaginação neste jogo de equivalências, sendo possível estipular que uma monocultura de árvores equivale e uma floresta antiga ou que um pântano artificial equivale a um pântano natural.

Não é muito difícil prever que nada disto pode dar bom resultado. Correntemente enfrentamos ainda as consequências de uma crise mundial provocada sobretudo pela financeirização da economia. Sabemos também que os projetos de “conservação da natureza” que foram surgindo pelo mundo impulsionados pela financeirização da natureza, sobretudo ao abrigo do mercado de carbono europeu, têm levado a violações de direitos humanos, desrespeito pelos direitos de comunidades indígenas, apropriação ilegal de terras e todo o tipo de fraudes destinadas a encobrir o insucesso dos projetos. Mesmo assim, muitos governos ainda parecem achar que é uma boa ideia entregar o destino do planeta aos especuladores.

A privatização e financeirização da natureza abre novas áreas para a acumulação de capital, ao mesmo tempo que oferece aos poluidores instrumentos para comprar o direito de poluir. Não é surpreendente, portanto, ver como as maiores empresas do mundo, incluindo bancos, empresas de seguros e petrolíferas têm pressionado fortemente os governos mundiais para que criem mais mercados ambientais, onde se transacionam licenças para destruir a natureza.

A natureza, contudo, não pode ser reduzida a um conjunto de mercadorias. Como defendeu Isaac Rojas, do Friends of the Earth (Amigos da Terra), “A biodiversidade e as florestas são essenciais para a sobrevivência das pessoas e do planeta, e portanto não têm preço. A nossa biodiversidade necessita ser protegida e não ser alvo de especulação por mercados financeiros negligentes e nada transparentes.”

Acabar com a destruição da natureza em que vivemos e de que dependemos envolve questionar não só toda a economia e estrutura produtiva mas até a própria sociedade industrial. Não é tarefa pequena, mas podemos e devemos começar com passos que nos conduzem na direção certa, como afrontar as máfias que dominam o comércio de animais ameaçados e de madeiras raras ou as empresas de mineração, de combustíveis fósseis, de energia e de papel que destroem vastas áreas naturais. Criar novos mercados para a biodiversidade, pelo contrário, é um passo no sentido errado e uma perigosa distração.

* de Esquerda.net

 Fonte: http://www.canalibase.org.br/

 

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