“Awavena” expande as fronteiras do que um vídeo imersivo pode fazer.

Você está sentando numa canoa no Rio Gregório enquanto uma voz narra gentilmente a história de Hushahu, a primeira mulher Yawanawá a se tornar uma xamã. O narrador traduz para Hushahu enquanto ela fala sobre sua tribo de cerca de 3 mil indígenas espalhados pelo Brasil, Peru e Bolívia, e a tradição sagrada de tomar o chá medicinal Uni (mais conhecido como ayahuasca) para se reunir íntima e espiritualmente com a floresta onde eles vivem.

Uma longa ponte divide o mundo exterior da tribo. Você está no meio dela, esperando ser convidado para entrar. Você é transportado para o lado de Tatá – um xamã Yawanawá de mais de 100 anos – enquanto ele está deitado numa rede, cercado por sua família. Hushahu toma o chá Uni. Ela te conta como a floresta ganha vida e troca energia com ela. Ela fala sobre os desafios de ficar sob influência do Uni por vários meses, sob a orientação de Tatá, como parte de seu treinamento de xamã.

Depois você é transportado para a floresta enquanto ela se dissolve num lindo campo ondulante de milhares de pontos de luz – é como estar no meio de uma pintura pontilhista. Você é levantando lentamente para uma árvore enorme, onde a vista infinita te enche de admiração, fazendo os pelos do seu braço arrepiarem. O caminho da sua visão acende o ambiente com a luminescência que Hushahu está descrevendo. Enquanto Hushahu descreve os desafios da ayahuasca, você é descido para um riacho, onde a água passa serenamente por você. Você está lá.

Esse é Awavena, um trabalho de 17 minutos de “realidade mista” que junta realidade aumentada, filmagem em 360 graus e realidade virtual. O filme foi financiado pelo Sundance Institute, produzido por Nicole Newnham e dirigido por Lynette Wallworth, uma dupla cujo filme anterior em RV, Collisions, ganhou um Emmy. Awavena estreou em janeiro no Sundance, mas ainda estava sob produção até esta semana, com a equipe trabalhando nele com base em tecnologias de realidade virtual emergentes. (Atualmente o filme está sendo exibido no Festival de Cinema de Veneza.) É a história de Hushahu, mas também é mais que isso, é uma tentativa incrível de dar ao espectador a experiência de estar fisicamente na Amazônia, beber o chá Uni e sentir a energia da floresta tropical.

 

O projeto começou em 2016, quando o chefe Yawanawá Tashka assistiuCollisions e percebeu que a tecnologia poderia ser usada para ajudar as pessoas de fora a entender as tradições sagradas dos Yawanawá. Tashka imediatamente ajudou Wallworth a ir para o Acre, para filmar sua comunidade, já que a saúde de seu xamã Tatá estava piorando. Eles começaram a filmar em 2017. “Tivemos uma compatibilidade instantânea”, me disse Wallworth quando me encontrei com ela no Technicolor Experience Center em Los Angeles. “Tashka me disse que eu e ele somos sonhadores, que vemos coisas que nem todo mundo vê.”

Como documentado no filme, Tatá era um dos cernes espirituais da tribo Yawanawá, tendo sobrevivido a anos de escravidão sob missionários e ameaças de seringueiros contra sua cultura. Tatá preservou a tradição espiritual Yawanawá mesmo quando a tribo encarava a extinção nos anos 1980. Ele treinou Hushahu para ser a primeira xamã mulher da tribo, e fazendo isso, encorajou outras tribos indígenas da Amazônia a finalmente iniciarem mulheres como xamãs.

Hushahu me disse por telefone (como traduzido pelo marido Mayaisa) que ser filmada foi “assustador e bonito ao mesmo tempo”. A maior parte da filmagem parece cândida no estilo clássico de documentário, como se a câmera não estivesse ali. Mas em certos momentos – no começo e no final – Husashu olha direto para a câmera. Parece que ela está realmente olhando e falando com você, uma intimidade impossível num filme 2D comum. “Eu não podia explicar a ela exatamente o que estava fazendo”, disse Wallworth. “Ela só tinha que confiar, que foi algo que ela me disse hoje, que confia em mim.”

O chefe Tashka e a esposa, Laura, são coprodutores de Awavena, e trabalharam com Wallworth durante o processo. “Fui um condutor para o que eles queriam expressar – não passamos por cima de nada, estávamos constantemente perguntando o que fazer”, Wallworth me disse por telefone. Sua equipe mandava as filmagens para Tashka, que dava seu feedback e aprovação.

A diretora Lynette Wallworth testando ‘Awavena’.

O equipamento de realidade virtual é um pouco desconfortável no começo – um desses óculos enormes que você vê em propagandas de RV onde parece que a pessoa está prestes a esquiar. Os fones, que cancelam sons externos, têm uma aba auxiliar que se apoia no topo das orelhas, tornando o som mais ambiente e realista.

O ambiente se torna imersivo porque Awavena te ensina a ver além do filme como um campo estático retangular. É estranhamente intuitivo a maneira como o filme não só te guia para olhar em volta, para um campo completo de 360 graus, mas também te faz prestar atenção num elemento particular de cada vez. Acontece primeiro com uma filmagem de uma menina traçando padrões num caminho de terra com uma faca, antes de jogar a faca para fora do seu campo visual. Seus olhos intuitivamente seguem a faca, e você percebe que não está simplesmente assistindo uma cena, mas parado no meio dessa estrada.

As dicas também são auditivas, como os sons de uma fogueira vindo da esquerda ou direita, te fazendo virar como faria na vida real. Wallworth tomou muito cuidado para garantir que essas transições nunca fossem assustadoras ou induzissem fobias – diferente de outros filmes RV como The Blu, um simulador estilo Blue Planet que não foi pensado para dar medo, mas que pode desencadear fobia relacionada a afogamento. (Quase tive um ataque de pânico assistindo o filme pela primeira vez.)

Mais importante, a realidade virtual te permite ter uma experiência física similar ao ritual da ayahuasca. Wallworth disse que o ritual sagrado Yawanawá do chá Uni tem uma característica de “visualização” com algumas similaridades com o funcionamento da realidade virtual. “Isso abre um portal, te carrega para um lugar onde você nunca esteve, intensifica cores e sons”, diz Wallworth num vídeo dos bastidores de Awavena. “Você está se movendo dentro do seu corpo, você recebe uma mensagem, aí você retorna.”

A geografia física também é muito importante, já que a tradição é sobre se reunir com a floresta Yawanawá especificamente. Isso não poderia ser expresso de maneira apropriada sem esse senso de lugar. Hushahu concorda que o filme não poderia ser feito sem a tecnologia. “Talvez um pouco, mas não da maneira como é, completamente não”, ela disse. “Espero que isso abra o mundo para conhecer a energia que está na floresta. É bom, o jeito como o filme traz essa mensagem. Você sente que está aqui, que está realmente tomando o Uni. É diferente.”

Apesar de não ter tido a oportunidade de testar, uma exibição completa de Awavena vai incluir uma segunda metade opcional onde os espectadores vão poder consumir um chá (não o verdadeiro chá Uni) para entrar no “Espaço Abençoado”. Os espectadores receberão um óculo de RV portátil com mochila para atravessar a floresta Yawanawá, traduzida com escaneamento LIDAR. A floresta vai responder aos movimentos da pessoa usando os óculos numa sala de exibição montada para facilitar a exploração.

Still da extensão de ‘Awavena’ “Espaço Abençoado”.

“O que eles estão aprendendo desse remédio é específico da floresta deles”, disse Wallworth. “Trouxemos isso num mecanismo de jogo, o Unity, e o tornamos responsivo. É algo completamente específico. Toda árvore é realmente uma árvore, toda planta é realmente uma planta da floresta Yawanawá, mas quebrado de uma maneira que parece etérea. Fui incisiva sobre como isso precisava responder ao seu andar, porque como Tashka disse, a floresta ‘está consciente que você está ali’.”

“É muito lindo, fiquei emocionada”, disse Hushahu sobre a segunda parte, “Senti uma conexão, algo muito real com o remédio e com as forças quando você bebe o Uni. A espiritualidade”.

“Esse filme é sobre a mensagem de Hushahu e a passagem de Tatá”, acrescentou Mayaisa. “Parece que uma parte dele está ali.”

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