Audiência Pública debate discriminação

Por Míriam Santini de Abreu.

Audiência Pública debate discriminação e o direito às manifestações religiosas de origem africana.

No Centro do Plenário da Câmara de Vereadores de Florianópolis há uma cruz dourada com cerca de um metro de altura. É um dos símbolos mais significativos das igrejas cristãs. A cruz está no centro da parede de um órgão que representa um dos três poderes – o Legislativo – de um Estado laico, sem religião oficial, no qual a Constituição Federal, em seu artigo 5º, diz que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Portanto, garante a liberdade de culto religioso.

É significativo, portanto, que no Plenarinho da Casa Legislativa seja realizada, no dia 19 de abril, às 14h30, Audiência Pública para discutir a discriminação e o direito às manifestações religiosas de origem africana.

A iniciativa visa dar visibilidade à Semana das Religiões de Matrizes Africanas, sempre na semana de 23 de abril, conforme a Lei Municipal 7.558/2008, bem como discutir formas de proteção aos cultos, entidades e adeptos  que sofrem os mais variados tipos de discriminação e agressão, inclusive com ameaças de morte.

A Militante do Movimento Negro Unificado (MNU) Vanda Pinedo diz que essa discriminação é histórica, desde que populações ligadas a diferentes etnias foram seqüestradas do continente africano para o Brasil como escravos. Esse processo de seqüestro e de conversão ao catolicismo implicou perda de identidade negra e na subversão da religião de matriz africana, que passou a se manifestar na clandestinidade.
Passados 500 anos, o racismo só mudou de foco, pois a sociedade brasileira  ainda não consegue conviver respeitosamente com os cultos religioso, conforme estabelece a Constituição.

As agressões e o desrespeito são verbais e até físicos. No primeiro caso, se relaciona a religião de matriz africana ao “culto ao demônio”, ao mau, a “atos de maldade”. Dependendo de onde ou de quem faz esse tipo de discurso, é possível levar outras pessoas a incorporar o mesmo ponto de vista ou atitude. As agressões se tornam  explícitas quando há invasão a centros, terreiros ou barracões, como são chamados os espaços das práticas da religião de matriz africana. Nas denúncias para que a polícia intervenha, a mesma age de forma agressiva, proibindo de imediato o uso dos atabaques e demais instrumentos fundamentais à prática nestes espaços públicos. Com esta perseguição, o medo leva a maioria dos seguidores a evitar denúncias, temendo retaliação.

Para Vanda, muitas pessoas criticam uma expressão religiosa que praticamente desconhecem, e ainda assim a associam ao mal, reforçando o estigma. “Uso como exemplo festas e manifestações de outras religiões que, com seus rituais, canções, toques de sinos, ocupam espaços públicos e fecham ruas com o aval do poder público”. O racismo se expressa quando, para a religião de matriz africana, não há este mesmo tratamento, inclusive para utilização de espaços naturais, constata Vanda. Na avaliação dela, programas religiosos ou não, veiculados em muitos casos nos meios de comunicação, reproduzem e até estimulam a intolerância religiosa.

Ela cita como exemplo a forma como são tratadas, nesses discursos, as oferendas. Nos terreiros afro-brasileiros há a prática de sacrifício de animais, mas para cumprir um ritual de oferenda aos deuses, que são vistos como elementos da natureza, e alimentar as pessoas que participam do ritual. Mas a prática de abater cruelmente animais em muitos frigoríficos, que cada vez mais só visam lucro e depois são comprados e vendidos pelas redes de supermercados, não sofre a mesma crítica, ainda que altere cada vez mais o crescimento e a reprodução deste animais em prejuízo da saúde humana, destaca Vanda. Ela acrescenta que essa discriminação racionaliza e animaliza a prática dos seguidores da religião africana, tirando-a do âmbito da expressão religiosa.

Segundo Vanda, a expectativa, com a Audiência Pública, é dar visibilidade aos problemas apontados, debater o direito dos adeptos à livre expressão religiosa e garantir que os encaminhamentos tenham os efeitos esperados, e que o  Poder Público se responsabilize pela defesa do cidadão em todos os aspectos de sua convivência na sociedade.

 

Liberdade de crença

O dirigente do Sinergia (Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis) Wilson Martins Lalau observa que as matrizes afro-brasileiras sofrem ataques por vários segmentos da sociedade e são condenadas secularmente, reproduzindo, no ideário nacional, o discurso do ódio, rasgando assim os princípios da Carta Magna, que defende a liberdade do exercício e crença religiosa no país.

“A mesma atitude que condena a pessoa pela cor de sua pele também atribui, nessa contextualização, a criminalização por sua fé religiosa”, constata Lalau. “Como dirigente do Sinergia e cidadão brasileiro, um país multirracial  e multicultural, tenho  ideais voltados à liberdade de expressão, cultural e religiosa, pois entendo que o exercício da tolerância, respeitando as diferenças,  é o pilar de um mundo, civilizado, justo e harmonioso”.

Para que isso se concretize, diz ele, é preciso repensar valores e preconceitos, desconstruindo atitudes motivadas pelo ódio, que estimula a violência, vitimiza pessoas e resulta em atos de barbárie.

 

Saiba mais:

 

Orixás são entidades cultuadas no candomblé, que foi trazido ao Brasil no período colonial pelos africanos de origem iorubá (onde hoje é a Nigéria e o Benin). Quando o deus Olodumaré decidiu criar o mundo, cada orixá ficou responsável por alguns aspectos da natureza e da vida em sociedade. Cada humano surgiu de um desses deuses e herda dele algumas características. Essas mesmas entidades são reverenciadas, de forma diferente, na umbanda.

 

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