Atuação da PM foi ilegal, afirmam advogada e militante

Por José Coutinho Júnior.

De São Paulo (SP),

O cheiro na avenida paulista no fim da tarde de terça-feira (12) era de vinagre. Cerca de três mil pessoas estavam presentes na Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, para o segundo ato contra o aumento da tarifa de ônibus, convocado pelo Movimento Passe Livre (MPL), mas a quantidade de policiais que cercava a praça gerava tensão em muitos manifestantes, que molhavam seus lenços com vinagre, a espera do pior. A violência resultante da atuação policial foi critica pelo MPL e pela ONG Artigo 19, voltada para a defesa da liberdade de expressão.

Por volta das 19 horas, o MPL decidiu em jogral que seu trajeto iria até o Largo da Batata, passando pela Avenida Rebouças, caminho que não estava no plano dos policiais.

 
 

Crédito: Rovena Rosa/ Agência Brasil

A PM, que trancava a Consolação e a Rebouças, não deixava que o ato saísse da concentração. Enquanto um integrante do MPL negociava com a PM, a primeira bomba explodiu. Logo depois, a segunda e a terceira e a quarta… Em seis minutos, tempo que durou o primeiro ataque aos manifestantes, 49 bombas foram lançadas, o que totaliza uma bomba a cada sete segundos, de acordo com levantamento do jornal O Estado De S. Paulo.

Os manifestantes corriam, encurralados por policiais que atiravam bombas por trás e o Choque que bloqueava todas as ruas pela frente. A quantidade de gás sufocava a respiração e a visão. Enquanto as bombas eram jogadas e seus estilhaços feriam os manifestantes, outros foram alvos das balas de borrachas, spray de pimenta e cacetetes dos policiais. O resultado da ação policial, de acordo com o MPL, foi de mais de 25 pessoas feridas e 17 presos.

O secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Moraes, defendeu a ação da polícia e garantiu que não houve abuso.

Os relatos que circulam nas redes sociais de violência e abusos por parte dos policiais, no entanto, diferem da fala do secretário.

Esses relatos afirmam que policiais bateram em um portador de necessidades especiais e num catador de latinhas; que a polícia depredou propriedade privada ao quebrar a portaria de vidro de um prédio onde manifestantes estavam se protegendo; que dois jornalistas ficaram feridos. Policiais também jogaram uma bomba dentro da Estação Consolação, que estava lotada na hora. Um manifestante teve 2 dentes quebrados após ser espancado por policiais. E uma mulher que estava grávida teve sua costela quebrada.

Crítica

Camila Marques, advogada da organização de direitos humanos Artigo 19, considerou a atuação da PM na manifestação “ilegal e abusiva”.

“Não vejo nenhuma hipótese que justifique o lançamento de uma bomba a cada sete segundos, de forma tão indiscriminada. A gente entende que mesmo quando há necessidade de usar a força policial, ela tem que ser comedida, visando a segurança da população. Não há nenhuma justificativa para o que aconteceu ontem”.

Ela completa que a Artigo 19 está estudando medidas legais para acionar judicialmente a PM, e que a organização monitora protestos desde junho de 2013. “A gente não viu nenhuma melhora, só pioras na atuação policial, e isso é muito preocupante”.

Trajeto

A justificativa para a repressão, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), foi que o MPL não informou antecipadamente o trajeto do ato.

O secretário de Segurança disse nesta quarta-feira (13) que se os movimentos que fizerem manifestações na cidade não informarem previamente o percurso da passeata, quem definirá isso será a Secretaria e polícia.

“Passamos a estabelecer o que a Constituição determina: o absoluto direto de manifestação de qualquer grupo, desde que haja o aviso prévio para que as autoridades possam organizar a cidade. O único movimento que não comunica previamente suas manifestações, apesar de solicitado, é o Movimento Passe Livre. A partir do momento em que não comunicar qual será o trajeto de sua manifestação, nós vamos estabelecer o traçado para evitar confusão com milhões de pessoas que não estão participando”, disse.

Segundo Camila Marques, a Constituição não obriga os movimentos a informar qual será o trajeto. “Ao contrário do que o secretário de segurança pública disse, é importante lembrar que os organizadores da manifestação tem o direito de escolher o trajeto que ela vai seguir. A constituição somente pede que a organização avise que vai ter um ato. Não existe regulamentação que informe quais vão ser os trajetos. E nosso entendimento, analisando outras organizações e práticas, é que não é necessário avisar o trajeto, ainda mais que a escolha das rotas naquele momento de assembleia é até uma forma de proteção dos manifestantes”.

Laura Viana, integrante do MPL, acredita que “eles não estão ligando muito para a legalidade no momento, tanto pelas prisões como pela forma como o ataque se deu. Caiu por terra a desculpa de que ‘são os mascarados que atacam primeiro’, ninguém atacou. O pessoal recuou e foi bomba, bomba, bomba. Esse tipo de armamento não pode ser usado em uma situação dessa. É irresponsável e ilegal o que estão fazendo”.

Violência desmedida

A repressão ocorrida foi algo nunca visto antes, e teve como objetivo intimidar impedir a manifestação antes que ela começasse, afirma Laura. “A gente esperava que fosse violento, mas não tanto, foi cena de guerra. Foi uma repressão cruel e pensada para quem estivesse na rua ficasse com medo e não se manifestasse mais”.

Camila Marques explica que a tática usada pela PM de “envelopar o ato”, que consiste em cercar e encurralar os manifestantes, da forma como foi feito na paulista, é condenada por normas internacionais e até mesmo pelo próprio Manual de Controle de Distúrbios Civis da Polícia Militar, quando trata sobre o tema:

“A multidão não deve ser pressionada contra obstáculos físicos ou outra tropa, pois ocorrerá um confinamento de consequências violentas e indesejáveis”, diz o documento.

Além disso, completa Camila, “a repressão aconteceu na própria concentração. O ato não saiu do lugar, e a violência foi generalizada. Como o ato estava envelopado, as pessoas estavam em um diâmetro muito perto da ação policial, o que fez com que as balas de borracha, o gás lacrimogêneo e o spray de pimenta tivessem um efeito muito mais exacerbado”.

O próprio secretário de Segurança de São Paulo, ao contrário do seu discurso em defesa da ação policial, diz em trecho de seu livro Direito Constitucional que “a Constituição Federal determina que o direito de reunião deverá ser exercido independentemente de autorização; assim, veda atribuição às autoridades públicas para análise da conveniência ou não de sua realização, impedindo as interferências nas reuniões pacíficas e lícitas em que não haja lesão ou perturbação da ordem pública. […], se a intenção policial for a de frustrar a reunião, seu comportamento é até criminoso”.

Para Laura, do MPL, a forma como a PM paulista e a SSP estão lidando com manifestações populares fere o direito à manifestação de toda população. “É muito preocupante que esse seja o cenário pensado para as próximas manifestações. Esse não é um problema só para o MPL, é para qualquer um que queria se manifestar. Se é que dá para ver com otimismo essa situação, isso mostra que o estado está com medo. Não existira uma ação dessas se o estado não estivesse se sentindo ameaçados, no sentido de que eles estão perdendo poder e que tem gente que está questionando o que está acontecendo. Numa manifestação que não ameaça que não passa essa pressão popular não vai ter esse tipo de repressão”.

Para garantir não só o fim do aumento da tarifa, como também o direito de se manifestar, o MPL volta às ruas nesta quinta-feira (14), às 17 horas, com concentração no Largo no Teatro Municipal.

A reportagem entrou em contato com a SSP para saber os motivos do início da repressão policial e o desacordo da atuação da PM em relação ao seu próprio manual, mas até o fechamento desta reportagem não obteve resposta.

Fonte: Brasil de Fato

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