Porque não celebro esse Estado palestino

Por Diana Alzeer.

Ele me olha, sacudindo o cabelo loiro e sujo. Com um tom de deboche diz: “Vamos lá, Diana, por que não estás celebrando? Odeio te ver triste”. Ele é estadunidense e jornalista, um amigo meu que está aqui em Ramallah tirando fotos da multidão em festa que celebra a petição da Autoridade Palestina para que as Nações Unidas reconheça um Estado palestino baseado nas fronteiras de 1967. Mas não estou a fim de celebrar esta solicitação de um Estado com as fronteiras de 1967. Essas fronteiras significam a perda de 70% do que nós palestinos chamamos “Palestina” – o território em os palestinos moravam antes do ano 1948. Significa celebrar o fato de que os palestinos estão por ceder o direito ao retorno, porque já não aparece mais na pauta de assuntos da AP nem no discurso cotidiano dos jornais palestinos. Durante os últimos dois meses, a imprensa defendeu devotamente o Estado palestino com as fronteiras de 1967. Porém, para muitos refugiados palestinos – que são o 70% dos palestinos no mundo – e ativistas que estão na luta diária, este Estado não nos representa.

Faz seis meses, em 15 de março, um grupo de jovens palestinos incluída eu fizemos uma manifestação na praça  Manara no centro de Ramallah para pedir o fim da divisão do povo palestino. Nos referíamos nem só à divisão  entre os principais partidos políticos da Palestina: Fatah e Hamas, mas também às divisões entre todos os palestinos onde quer que eles vivam: no exílio (refugiados), na Cisjordânia , Gaza ou Israel. Fizemos um chamamento para o fim desta divisão através de eleições para o Conselho Nacional Palestino (CNP), para garantir a representação de todos os palestinos e que aqueles que tomam as decisões obedecerão de verdade e ouvirão o chamado das ruas. “15 de Março” é o nome do movimento.

Seis semanas depois, Fatah e Hamas assinaram o “acordo de reconciliação” no Cairo e garantiram aos palestinos, especialmente aos ativistas do 15 de Março, que as eleições para o CNP e o Conselho Legislativo da Autoridade Palestina serão celebradas em um ano depois da assinatura do acordo.

Desde meu lugar como ativista no movimento 15 de Março, o movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) e a luta popular desarmada na Palestina em cidades como Nabi Saleh, Bil’in, Ni’lin, etc, não vejo as eleições como uma realidade. A OLP pode ser considerada a “única representante legítima do povo palestino”,  mas como o CNP não faz a eleição, muitos palestinos, como eu, não se sentem representados por ela. Seguiremos pedindo eleições até que sejam feitas.

Hoje não posso celebrar com meus irmãos palestinos; não quero cantar consignas a favor do sr. Abás nem para Hamas em Gaza. Sou palestina e vou defender meus direitos até obtê-los. Portanto, não aceitarei só um 20% da Palestina que existiu antes de 1948 e não vou dar de presente o direito dos refugiados no exílio ao retorno para seus lares e terras em Haifa, Acre, Jaffa e toda a terra que os palestinos tiveram que deixar e partir para um exílio em 1948.

O Estado palestino com as fronteiras de 67 não me dará garantia do fim de 63 anos de exílio, ocupação e apartheid. Não trará a justice da liberdade nem a mim nem a meus irmãos palestinos da Palestina ou no exílio.

O sr. Abás fará seu discurso no Conselho de Segurança na sexta-feira, mas esse discurso não vai me dar o direito de visitar Haifa, nem vai derrubar os blocos do muro nem vai resultar na remoção dos assentamentos israelenses das terras que foram ocupadas por  Israel em 1967.

Mensagem para o Sr.Abás

Sr. Abás ou “presidente” Abás,

Não acredito que a esta altura a OLP represente os palestinos. O CNP deve celebrar eleições antes de você ter decidido ir à luta na ONU. Como palestina que mora em  Ramallah, eu deveria ter sido consultada sobre este movimento.

O período presidencial acabou faz dois anos; o período do Conselho Legislativo Palestino também terminou; a AP cancelou as eleições do Conselho Local e decidiu seguir com a petição na ONU sem prestar atenção para o fato de que o povo palestino está mais dividido que nunca.

Abás pode ver uma multidão pulando e dançando no centro de Ramallah e cidades da Cisjordânia, mas sou testemunha de que isso não representa a toda Palestina e o povo palestino. Os que celebram não são refugiados a quem o Sr. Abás não visita nos campos de refugiados do Líbano, Síria e Jordânia desde que voltou com a OLP aos territórios ocupados. Com certeza esses não são os refugiados que marcharam em 15 de maio até a fronteira com Israel exigindo seu direito ao retorno para sua terra. Esses não são os jovens que protestam contra os assentamentos e contra o muro toda e cada semana.

Podemos ser minoria, ou talvez não. 63 anos de ocupação têm feito desistir muita gente. Mesmo assim, nem todos os palestinos temos desistido, alguns de nós continuamos a exigir uma solução política que não esteja baseada em territórios separados e em criar fronteiras. Nossa luta como palestinos não é uma questão de territórios em disputa; a luta histórica dos palestinos é uma luta por justiça, liberdade e igualdade com o direito ao retorno no topo da lista. A única forma de chegar a uma solução justa para os palestinos é criar um Estado democrático secular para todos os habitantes: muçulmanos, cristãos, judeus, etc. Esta é uma opção que muitos palestinos e israelenses têm esquecido.

Diana Alzeer é ativista politico-social palestino-búlgara e produtora independente que mora em Ramallah, Palestina.

Versão em português: Tali Feld Gleiser.

Foto: Joseph Dana.

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