Até breve, me espera no portão. Por Claudia Weinman.

Foto: Claudia Weinman.

Por Claudia Weinman, para Desacato. info.

 

Dona Renate – 65 anos

13 é o número da minha mãe desde 1955. A última filha de uma mesa rodeada de irmãos e irmãs, a caçula, curiosa, observadora, perguntadora. A menina da vida, apaixonada por letras, ouvidos no rádio, mãos no fogão. Sem romance, era assim. Pequenina na roça, roupas de menos, calçados? Um luxo, num tempo sem tanta ocasião. Vontades de monte, escola de menos, aprendiz foi o tempo que ela fez dele e não ao contrário.

Casada se foi para outra morada, galpão de frestas muitas, vento que assoviava nas madrugadas escuras, banhadas de lua, algumas vezes. Colheita de milho, preparo de erva, pilão. Cana, engenho, melado, trabalho tocado à mão. Botas molhadas, sol quente, borracha ardida, pés violados. Roça, comida, roupa, casa, filhos, filha. Balança criança em teus braços, protege em tua barriga, arriscada tua vida, sempre, sempre. Minha mãe, querida, amada, cozinhou para mais de 20 de uma vez só, todos os dias, por longas jornadas. Lavadeira, roupa na sanga, sabão, escova e mais uma vez, tudo de novo, até findar o dia. Muitas casas, lidas, faxina, aborto nada espontâneo, gerado, causado, por essa existência de pouco descanso.

65 anos. Nos últimos 17 tornou-se cuidadora, em um momento que meu pai foi engolido por outras amarras do sistema, trabalho, fazenda, capitalistas. Ela juntou todos os pedaços de nós, da velha casa, dos bichos, da plantação já seca e sem possibilidade de cultivo. Tomou para si que seria feliz, de algum jeito. Descobriu o caminho, já vinha guiada pela coragem, mulher como essa, algumas, só. Passava o chinelo, xingava mesmo, tanta responsabilidade não era só dela. Crochê, linhas diversas, mesmo que a vida não tenha sido de todas as cores.

Feliz aniversário minha mãe. 13 é teu número, desde que o mundo te conheceu. Minha senhora, artesã da vida. Tua costura criou cortinas para o sol que ardia naqueles dias, fez agasalhos para o inverno, criou meias e pantufas que não tinhas. Tua costura faz toucas, enfeitam a casa que já não é mais triste. O dia amanhece com pássaros feitos a fio de linha vermelha, amarela, verde, rosa. A cozinha está cheia de canecas e não falta pão. Tem até filme no celular. Atrás da casa, um canteiro, brigas com os gatos, flores que colho em imagem toda vez que vou para te ver. A tua casa é a melhor minha mãe.

Eu rezo baixinho enquanto você me ouve sem avisar. Várias ervas e chá de amarelão, benzimento para curar. Quanto tu te tornou minha mãe? Quanto orgulho, satisfação, quanta alegria sinto em te ver e quanta tristeza me causa ao me despedir no portão! Mas eu sempre volto para te encontrar e você sempre está ali, para me receber.

Tua vida tem nome, é ACOLHIDA. A gente nunca reclamou de absolutamente nada do que tuas mãos produziram, não tínhamos o que oferecer, porque criticar quem sempre fez de tudo pela gente? Não faria sentido algum.

Te amo, OBRIGADA por tanto. Eu sei que o maior sonho da tua vida é poder viver e voar, como um passarinho.

Até breve, me espera no portão.

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Claudia Weinman é jornalista, vice-presidenta da Cooperativa Comunicacional Sul. Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e Pastoral da Juventude Rural (PJR).

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.
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