Assange e o Wikileaks: a grande batalha se inicia

Foto: Steve Buissinne – Pixabay

Por Marco Arenhart, para Desacato.info.

A prisão e a certa deportação de Julian Assange para os EUA é o início de um novo capítulo da história do Wikileaks e da imprensa livre. O julgamento, que será um grande espetáculo, tem como objetivo estabelecer novos limites e controles à liberdade de comunicação e à atividade jornalística investigativa. Por isso, o caso Assange não é um ataque a um indivíduo, mas uma ofensiva dos setores mais duros do governo estadunidense contra todos os que lutam contra a opressão e o controle do Estado sobre a sociedade. A luta contra sua deportação é a luta de todos nós.

Em 2010, Desacato se juntou à denúncia global contra a perseguição ao Wikileaks e à pessoa de Julian Assange pelo governo dos EUA e seus aliados (1). Já então o governo estadunidense preparava secretamente uma ação para justificar legalmente a perseguição, baseada em um vazamento de documentos militares relacionados aos crimes perpetrados durante a segunda guerra do Iraque. A desconstrução de Assange como pessoa – descrito como um hacker –  e a vinculação do Wikileaks com divulgação de segredos militares representa uma tática comum para justificar esta perseguição diante da opinião pública. Mas limitar o caso a estes temas não nos permite uma compreensão da real dimensão da disputa que está em jogo.

A proposta e ação do Wikileaks sempre foi muito além da divulgação de segredos governamentais. Seu propósito é criar uma nova forma de jornalismo investigativo, adaptado à era da cibercultura, e um espaço de livre expressão e defesa da transparência de informação de governos e empresas. O trabalho de divulgação do Wikileaks teve papel fundamental no desmonte de ofensivas do capital internacional contra a liberdade de comunicação e interação cultural quando revelou as propostas e discussões secretas que embasavam a criação do ACTA  (2). Foi destacado também seu papel nas denúncias dos crimes da Monsanto (3) (4) ou na revelação da espionagem ilegal sobre o governo Dilma. Além das próprias ações, o trabalho do Wikileaks foi, principalmente, fonte de inspiração para muitas outras iniciativas de ciberativismos e referência para jornalistas alinhados com a defesa da liberdade de informação.

Dentro dos grupos mais reacionários do Departamento de Justiça (DOJ) estadunidense  a compreensão deste papel de liderança do Wikileaks esteve bem clara desde o início. Esta é a razão da montagem do processo secreto contra a sua figura mais visível. Na visão destes setores, era necessário dar um basta, estabelecer um novo limite político e legal contra este tipo de jornalismo. Mas este também foi o motivo para a administração Obama não prosseguir com estes planos. Ele sabia que representaria ultrapassar um limite da liberdade de imprensa, criminalizando práticas que estão dentro da tradição da ação jornalística. Esta compreensão de não ultrapassar um limite perigoso se demostrou na decisão de não prosseguir com a ação judicial e na anistia à Chelsea Manning, pivô do caso dos documentos militares do oriente médio.

Com a nova administração da Casa Branca, entretanto, os pudores democráticos deixaram de ser relevantes. A demonstração de que se trata de uma mudança de posição política está no fato de não ter sido acrescentado nada de realmente novo à ação, como explicou Glenn Greenwald (5). O que desqualifica a ação reside no fato de que não se tratou de uma ação hacker ou mesmo uma conspiração pra roubo de segredos militares. A ação de Assange em relação à Manning essencialmente trata de um jornalista ajudando sua fonte a preservar seu anonimato. E esta é a questão chave. O Rubicão que o DOJ as agências de inteligência querem atravessar.

A evolução das tecnologias de segurança de TI e a parceria entre estas agências e as empresas de TI criaram um mundo em que não há mais privacidade para indivíduos comuns, mas os controladores destas tecnologias podem articular e conspirar contra os interesses da sociedade em perfeita segurança. Esta realidade é o que motiva a preocupação com o avanço das tecnologias da Huawei no mundo das telecomunicações: criar uma brecha no muro que construíram à perfeição (muro da prisão virtual em que todos fomos confinados). Mas isto é assunto para outra reflexão. A importância do Wikileaks e todos os que atuam nesta frente de jornalismo está no fato de que a única brecha importante deste muro, hoje, é a indignação de pessoas dentro do sistema com os crimes perpetrados pelos governos, a ponto de vazarem estes segredos obscuros. São poucos, mas existem. Vejam os casos Snowden, o Swissleak de Falciani (6), entre outros.  E do lado de fora é fundamental a existência de órgãos de imprensa qualificados e preparados para acolher o legítimo ato de desobediência civil destas pessoas.

Devemos denunciar a ação de criminalização do Wikileaks e de órgãos de imprensa livre que atuam com vazamento e divulgação de informações de interesse da sociedade. Compreendermos claramente que a perseguição contra Assange  é um violento ataque direto à liberdade de imprensa (7). Precisamos assumir uma postura firme de defesa dos whistleblowers, pessoas que rompem as cortinas das conspirações dos Estados e grandes empresas transnacionais. Hoje, a forma de assumir esta postura é participarmos ativamente da mobilização global contra a extradição de Julian Assange para os EUA, em favor da liberdade de Ola Bini (ativista sueco detido no Equador), Manning e tantos outros ameaçados pela criminalização da democratização da informação.

 

(1) http://desacato.info/inteligencia-de-eeuu-trata-de-%e2%80%9csilenciar%e2%80%9d-a-julian-assange-fundador-de-wikileaks/

(2) https://link.estadao.com.br/noticias/geral,acta-e-o-fim,10000037852

(3) https://jornalggn.com.br/analise/o-lado-mais-sujo-da-monsanto/ e http://br.rfi.fr/europa/20190512-bayer-pede-desculpas-por-investigacoes-ilegais-da-monsanto-na-franca

(4) http://desacato.info/monsanto-e-obama-em-guerra-quimica-contra-a-natureza/

(5) https://theintercept.com/2019/04/12/acusacoes-contra-julian-assange/

(6) https://www.theguardian.com/news/2015/feb/11/the-hsbc-files-what-we-know-so-far

(7) https://www.theguardian.com/media/2019/apr/12/julian-assange-charges-press-freedom-journalism

 

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Marco Antonio Arenhart é graduado em Ciências da Computação e ativista em favor do software livre. É fundador do Portal Desacato.

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

 

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