Ascender é quase um milagre para quem nasce num bairro pobre

jorn

Por Willian Novaes.

Acabei de ler o artigo “Nascer em bairro pobre ‘prejudica ascensão social por décadas’”, e vi como foram difíceis os meus primeiros 16 anos. Também senti uma tristeza no fundo da alma pelos meus amigos que não tiveram a sorte que tive, ou que busquei, sei lá o que aconteceu nestas últimas duas décadas.Atualmente moro num bairro de classe média em São Paulo, frequento lugares mais tranquilos, mais sensatos (depende do ponto de vista) e talvez menos honestos do que há 20 anos.

Convivo com a minha ascensão profissional tranquilamente, mas sempre me deparo com as cenas de violência extrema que presenciei na quebrada na infância e adolescência, em momentos inesperados, como por exemplo, durante uma reunião de trabalho. Do nada, volta a cena de um vizinho matando o outro na porrada, outro que foi fuzilado, dos linchamentos nas quermesses do bairro, das troca de tiros no campo de futebol. Dos manos que caíram nas drogas, virando zumbi e detonando uma família já destruída.

Semanalmente ou quinzenalmente volto ao local da infância para encontrar meus pais e amigos. Subo o morro na boa, sem qualquer medo, ou frescura, afinal nasci e cresci naquele canto afastado da capital.

Algumas vezes encontro os manos e começamos a trocar ideias. Fico amargurado, em silêncio, quando eles – caras da minha idade, alguns com um pouquinho a mais ou a menos – assumem em outras palavras que estão vivendo para viver, sem nenhuma possibilidade de ascensão social, não é fácil. Percebo que eles assumiram que o bonde da vida passou e não conseguiram subir. Isso com 30 e poucos anos. Ouço essa frase com frequência “Meu filho vai fazer como você, vai estudar e dar linha na pipa desde lugar”. Não é para qualquer um nascer e crescer num ambiente hostil e conseguir administrar o futuro.

Jaraguá, SP, bairro onde Willian nasceu

Por outro lado, poucos aceitam o convite de visitar a minha casa, participar das minhas festas e aproveitar e conhecer os meus novos amigos. Parece que existe uma barreira da ponte para lá. Eles, quase todos, nasceram, cresceram e morrerão no morro. Aceitam friamente o destino que foi imposto. Por outro lado, nunca vi um movimento do poder público de querer inseri-los num mundo menos violento, menos trágico e mais feliz.

O contrário existe, imploram cada vez para que cada um fique no seu gueto e não perturbem a tal classe média alta paulistana, com os seus shoppings e restaurantes bregas e prédios neoclássicos (nem merece adjetivos).

É óbvio que enquanto não houver investimento de verdade das autoridades e com foco, no Brasil sempre vão existir dois ou três, talvez, vinte Brasis, onde um brasileiro só porque nasceu no Jaraguá, não vai ter chance de proporcionar uma vida mais digna para o seu filho, ter um bom emprego, com um excelente salário, com direito a bônus, conseguir viajar para o exterior ou passar uma semana numa praia paradisíaca do nordeste e quem sabe morar da ponte pra cá.

* Jornalista, editor da Geração Editorial e coautor do livro Mascarados, a verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc.

Fonte: Diário do Centro do Mundo

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