As revoltas na Síria não foram uma rebelião popular nem pacífica

Por Mikel Itulain.

Traduzido ao português por Jair de Souza. 

Como começaram as revoltas na Síria? O que ocorreu foi um movimento espontâneo e popular?

Bem, vejamos alguns fatos relevantes que devem ser tomados em consideração para entender o que vem ocorrendo.

Em primeiro lugar, embora eu creia que isto já é sabido, no Oriente Médio, para controlar aqueles países o colonialismo ocidental historicamente tem se apoiado, além de em Israel, nos movimentos religiosos extremistas e bastante fanáticos, como no caso do wahabismo e a Irmandade Muçulmana. Estes movimentos implantavam e implantam um férreo controle social, anulando as liberdades e, assim, as famílias que possuem as corporações nos Estados Unidos ou na Europa podem fazer lucrativos negócios sem nenhum contratempo. Claro está, à custa do desenvolvimento e da prosperidade desses países e dessas gentes, devido a que anulam a soberania nacional, o controle próprio dos recursos (a soberania econômica) e a liberdade política. A Irmandade Muçulmana lutou com ferocidade, financiada pelo Ocidente, contra um dos maiores expoentes da liberdade e da emancipação do Oriente Médio, Nasser; fizeram o mesmo também contra o pai do atual presidente da Síria, e perderam a parada. O wahabismo se instalou na Arábia Saudita e, desde que a dinastia saudita abocanhou o poder a princípios do século XX, foi anulada qualquer possibilidade de progresso e independência do país, convertendo-se numa ditadura títere do serviço britânico, primeiro, e, posteriormente, da elite econômica estadunidense, depois da Segunda Guerra Mundial.

O modelo “ideal” de Arábia para o mundo das corporações devia ser exportado a outros países, por exemplo ao Afeganistão, ou agora à Líbia ou Síria.

Os Taliban continuarão possivelmente como os sauditas. Haverá uma ARAMCO ( o consórcio de companhias petroleiras que controlava o petróleo saudita), gasodutos, oleodutos, um emir, sem parlamento e com um montão de leis Sharia. (1)

Por este motivo a Síria, um estado secular, não submetido a uma tirania religiosa, e ainda mais, com liberdade religiosa, incluídos os cristãos, e um estado que também não está submetido economicamente à atual potência mundial nem a seus sócios, tem estado constantemente no ponto de mira deste mundo econômico-militar e fundamentalista religioso.

Se retrocedemos ao ano 1991, depois da caída da União Soviética, temos o caso de Paul Wolfowitz dizendo que havia que “eliminar aqueles velhos regimes do clientelismo soviético antes de que o próximo superpoder venha a nos desafiar” (2) Wolfowitz, subsecretário do Ministério de Defesa dos Estados Unidos e que foi também presidente do Banco Mundial, sabia muito bem o que dizia. A zona do Oriente Médio tornou-se vital já desde meados do século passado e seu controle levaria ao controle do mundo. O subsecretário entendeu que, mais cedo ou mais tarde, após a caída do sistema soviético, emergiria outro ou outros superpoderes que poderiam competir com os Estados Unidos, concretamente com as elites econômicas estadunidenses. Estes outros superpoderes apareceram, agora são a Rússia e a China. Daí o interesse por manter o controle sobre o Oriente Médio e, em particular, pela Síria primeiro e, à continuação, pelo Irã, já que são os rivais finais depois da destruição do Iraque. O general Wesley Clark também revelaria que no ano 2001 no Pentágono lhe haviam comunicado que atacariam a sete países para subjugá-los: Iraque, Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e Irã.(3) Todos estes países foram atacados de um modo ou outro, seja com invasão militar, com exércitos mercenários ou com políticos ou organizações compradas, como as revoluções coloridas, é o caso da “revolução dos cedros” no Líbano, na qual atuou a NED, uma organização satélite da CIA. Os objetivos iam além do Oriente Médio, centrando-se especialmente na África. A “Primavera Árabe” voltaria com estas intenções, triunfando nos casos da Líbia, Egito e Tunísia.

Já no ano 2002, a Síria é colocada pela administração estadunidense no chamado “eixo do mal”, sendo ameaçada.(4) O mal era praticado por essa administração, mas o atribuíam a outros.

Após o brutal ataque de Israel contra o Líbano no ano 2006, no qual mataram milhares de civis mas pôde derrotar o Hesbolá, a organização xiita que contou o apoio da Síria, começaram a formar, financiar e armar a extremistas islâmicos vinculados a Al Qaeda, por parte do próprio Israel, dos Estados Unidos, da Arábia Saudita e da mesma Irmandade Muçulmana síria, com o objetivo de criar terror e divisão entre as comunidades sunita e xiita. Estes fanáticos se refugiariam no norte do Líbano.(5) Isto já acontecia no ano 2007 e ia preparar o terreno para o que ocorreria a seguir nas revoltas pouco pacíficas de 2011, a cargo destes islamitas violentos, principalmente estrangeiros. É preciso recordar também que a destruição do Iraque por parte da potência norteamericana contribuiu a que organizações terroristas como Al Qaeda pudessem pela primeira vez assentar-se com força neste país, e entrassem também na Síria com o apoio da Irmandade Muçulmana. No ano 2008 o Departamento de Estado dos Estados Unidos financia uma organização, a Aliança para os Movimentos da Juventude, que irá preparar os distúrbios e os líderes que atuarão no ano 2011 na chamada “Primavera Árabe”, algo que mostra que o tal movimento teve pouco de espontâneo e menos de popular e autóctone. Por trás desta aliança estavam organizações como Freedom House, a NED e outras como o International Republican Institute.(6) Todas elas sob o controle e a ordem do Departamento de Estado e das corporações econômicas. A “Primavera Árabe” foi criada pela administração estadunidense para conseguir objetivos políticos, econômicos e militares há muito desejados. E, para isto, contou com a inestimável ajuda das organizações humanitárias e da própria esquerda.(7), (8)

Como consequência de tudo isto começaram as revoltas na Síria. Concretamente, foram numa pequena cidade do sudeste, Daraa, próxima à fronteira com a Jordânia. Como comenta Michel Chossudovsky, não começaram, por exemplo, em Damasco, onde podem concentrar-se um maior número de opositores democráticos. Os meios de comunicação corporativos indicavam que a cidade onde se originaram os protestos tinha 300.000 habitantes, como “informava” Associated Press, embora em realidade Daraa tivesse 70.000. Esses mesmos meios mostravam uma cena na qual o exército disparava sem compaixão contra manifestantes pacíficos, matando vários deles, numa repressão brutal. No entanto, não se informava que nessas “manifestações pacíficas” se haviam assassinado a vários policiais. Teve de ser precisamente um meio israelense, o Israel National News Report, que não pode ser acusado de simpatias com o governo sírio, quem viesse a informar que:

Sete oficiais da polícia e ao menos quatro manifestantes na Síria foram assassinados nos choques violentos que surgiram na cidade sulista de Daraa… (9)

Imaginem se numa manifestação em Madrid os manifestantes armados matassem sete policiais. Imaginam a resposta? E tem mais, os manifestantes de Daraa queimaram edifícios governamentais e outros bens públicos e privados, numa clara tentativa de rebelião violenta. Não havia, como foi dito, manifestações pacíficas no começo que logo se degeneraram ao tomar força organizações como Al Qaeda. Desde o começo os mais extremistas e violentos, pertencentes à Irmandade Muçulmana, a um fluxo enorme de jihadistas estrangeiros e a Al Qaeda, levaram a cabo as revoltas. Os dois primeiros formam principalmente o Exército Sírio Livre, tendo este como dirigentes a membros de Al Qaeda.

O Grupo Combatente Islâmico Sírio (LIFG) atualmente armando, financiando e comandando brigadas inteiras do chamado “Exército Sírio Livre” (FSA), é qualificado pelas Nações Unidas como uma filial de Al Qaeda nas resoluções 1267 (1999) e 1989 (2011), além de ser enumerado tanto pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Ministério do Interior britânico como uma organização estrangeira terrorista e uma organização proscrita terrorista, respectivamente.(10)

Entre estes dirigentes de Al Qaeda comandando e organizando o Exército Sírio Livre temos Mahdi al-Harati e Abdul Hakim Belhaj. Foi o LIFG quem levou a cabo, junto com a OTAN, uma infinidade de crimes na Líbia.

Conroy_And_Belhaj_HumanTrash

Aqui temos uma combinação explosiva: a imprensa ocidental, de azul, Paul Conroy, com seus colegas de Al Qaeda Mahdi al-Harati e Abdul Hakim Belhaj, a sua esquerda. A imprensa “livre” defendendo a liberdade e os direitos humanos. Fonte: (10)

Por trás de todos estes fundamentalistas e terroristas que entraram e entram na Síria estão os poderes ocidentais e as ditaduras de Qatar e da Arábia Saudita, junto a colaboradores como Turquia e Israel, que os financiam, formam e armam com a mais moderna e destrutora tecnologia.

O quartel general da OTAN em Bruxelas e o alto mando turco estavam neste ínterim elaborando planos para o primeiro passo na intervenção militar na Síria, o qual consiste em armar aos rebeldes com armas para combater os tanques e os helicópteros queencabeçam a repressão do regime de Assad contra a dissidência [nome dado aos terroristas islâmicos]. Ao invés de repetir o modelo líbio dos ataques aéreos, os estrategas da OTAN estão pensando mais em termos de suprir grandes quantidades de mísseis anti-tanques e anti-aéreo, morteiros e metralhadoras pesadas nos centros de protesto para golpear as forças blindadas do governo.(11)

Isto era dito por fontes de inteligência israelenses, eles chamavam de dissidência aos jihadistas e aos seguidores de Al Qaeda que haviam entrado na Síria a partir de infinidade de países, principalmente desde a Líbia, depois de ter sido arrasada pela OTAN e pelos jihadistas, e desde a Arábia Saudita. Também passam por Israel desde o Egito (ver figura 1).

Como já comentamos, a invasão do exército dos Estados Unidos sobre o Iraque já em sua segunda fase, em 2003, teve uns efeitos devastadores para que grupos fundamentalistas e a própria Al Qaeda pudessem aparecer e ganhar força em um lugar onde antes não tinham nenhuma possibilidade. Mas esta presença não foi uma consequência indireta da invasão, senão que os próprios serviços de inteligência estadunidenses, com sua embaixada à cabeça, John Negroponte e seu segundo Robert S. Ford, promoveram a criação de esquadrões da morte no Iraque, com o propósito de lançar o país no caos e eliminar a verdadeira resistência à ocupação. Negroponte tinha já um historial sinistro criando esquadrões da morte na América Central nos anos 80 do século XX.(12) Robert S. Ford se converteria em embaixador estadunidense na Síria em janeiro de 2011 e, em seguida, começaram a agir estes esquadrões da morte também na Síria.

O mandato de Negroponte como embaixador dos EUA no Iraque (junto com Robert S. Ford) foi coordenar a embaixada dos Estados Unidos, dar apoio oculto aos esquadrões da morte e a grupos paramilitares no Iraque com vista a fomentar a violência sectária e debilitar o movimento de resistência. Robert S. Ford como número dois (Ministro Conselheiro para Assuntos Políticos) desempenhou um papel central nesse trabalho na embaixada estadunidense.(12)

Havia na Síria neste período da invasão do Iraque setores extremistas que apoiavam e davam cobertura a estes paramilitares e esquadrões da morte islâmicos, entre eles estava o embaixador Nawaf Fares. Estava sendo criado o ninho das víboras que logo se estenderiam e aplicariam seu veneno à própria Síria. Em relatórios acadêmicos emitidos pelo West Point Combating Terrorism Center do exército dos Estados Unidos foram realizados estudos nos quais se mostrava de onde procedia o fluxo principal de membros de Al Qaeda que chegavam ao Iraque.(13), (14). Neles via-se que o principal fornecedor em número era a Arábia Saudita, mas em proporção de habitantes era a Líbia, concretamente da zona de Cirenaica, onde fica Bengazi e onde, anos depois, começariam as revoltas na Líbia. Portanto, vê-se uma clara conexão entre a existência de centros de acumulação de terroristas de Al Qaeda e afins e o começo dos atos de terror, os quais foram qualificados pelos meios de comunicação ocidentais como revoltas e rebeliões de “manifestantes pacíficos”.

As rotas que os terroristas usavam para chegar ao Iraque são praticamente as mesmas que agora usam para invadir a Síria. Tudo isto com a cumplicidade e apoio do ocidente e de seus sócios na região: Egito, Israel, Jordânia, Turquia, Arábia Saudita e Qatar.

MiddleEast_SyriaIraqAlQaeda_Diagram flow

Figura 1: Rotas para a invasão de terroristas islâmicos rumo à Síria. Segue-se a rede que chegava ao Iraque (ver no recorde pequeno), com a diferença de que a Turquia desempenha agora um papel mais relevante, ao ser a Síria agora o objetivo. Fontes: (13), (14)

Nestes estudos e relatórios do Combating Terrorism Center também se viu quais eram os principais centros da Síria onde se acumulavam terroristas de Al Qaeda durante a guerra contra o Iraque. No gráfico a seguir podemos ver que eram lugares como Dayr Al-Zawr, no sudeste, perto da fronteira com o Iraque, Idlib, próximo de Aleppo, e em Daraa, onde as revoltas se originaram. Bem, esses lugares são principalmente os epicentros destas revoltas na Síria, e não por casualidade. A presença de Al Qaeda e de extremistas islâmicos significou o que ocorreu primeiro no Iraque, logo na Líbia e agora na Síria: um ataque direto à soberania, à liberdade e à tolerância destes países por mercenários fanáticos, principalmente estrangeiros, financiados e armados pelo poder econômico e político ocidental. Esta é a missão da Al Qaeda, de suas filiais e dos salafistas ou wahabistas. Vejam este artigo sobre Al Qaeda, suas origens e sua função: Al Qaeda.

WestPoint_1_SyriaAQvsAS uprising

Figura 2: À esquerda o gráfico onde se indicam as principais localidades e zonas de onde procediam os terroristas de Al Qaeda (ou grupos afins como a Irmandade Muçulmana) na Síria durante a guerra contra o Iraque. À direita os principais centros de onde emanou a “rebelião”. Há uma coincidência clara entre um e outro. O país se encheu de células e centros de terroristas latentes e logo foi atacado com a ajuda externa ocidental e dos países do Oriente Médio submetidos ao poder estadunidense: Turquia, Israel, Jordânia, Egito, Arábia Saudita e Qatar. Fontes: (13), (14).

As revoltas na Síria não são uma rebelião popular, senão que uma guerra de agressão utilizando mercenários, levada a cabo por terroristas islâmicos que atuam como legião de cheque a serviço do poder econômico e de seus sócios locais já mencionados, para eliminar a liberdade e a soberania econômica e política de um país, neste caso a Síria, como antes foram a Líbia e o Iraque.

Analisado tudo isto, vejam a falsificação e o apoio que, em seu editorial La batalla por Aleppo, de 3 de agosto de 2012, o jornal corporativo El Paísfazia a estes extremistas islâmicos e à agressão militar externa:

As dimensões da guerra civil síria e sua insuportável assimetria tornam inadiável uma intervenção exterior que vá além do envio de armas aos rebeldes pela Turquia e Qatar ou da ajuda menor da CIA autorizada por um Obama ambíguo. Como toda força de origem popular os insurgentes sírios, a pesar de seu arrojo, carecem do armamento e da disciplina necessários para derrotar um exército abastecido e com licença para aniquilar seus compatriotas. A paralisia ocidental, alimentada pelos riscos a curto prazo, acentuaram as dimensões do horror, Os Estados Unidos em particular, depois de quase um ano de iniciativas diplomáticas estéreis, certificadas ontem com a renúncia de Kofi Annan, devem pôr-se à frente deste esforço e estabelecer uma cooperação com o Exército Livre da Síria.

Notas:

(1) Phil Gasper. Afghanistan, the CIA, Bin Laden and The Taliban. International Socialist Review. November-December 2001.

(2) Fora.TV: Wesley Clark at the Commonwealth Club of California, October 3, 2007.

(3) Interview du Général U.S Wesley Clark. Democracy Now! 2.3.2007.

(4) Axis of evil. Source Watch. Enlace

(5) Tony Cartalucci.  US, Israel, and Saudi Arabia have plotted bloodbath for years. Land Destroyer, 2.6.2012.

(6) Tony Cartalucci-Nile Bowie. War on Syria. Gateway to WWIII. 2012. p7. (libro muy recomendable).

(7) Mikel Itulain. Amnistía InternacionalEnlace

(8) Mikel Itulain. Cuando la izquierda se deja arrastrar por el poder económicoEnlace

(9) Michel Chossudovsky. Syria: Who is behind the protest movement?Global Research, 3.5.2011.

(10) Tony Cartalucci. UN designates “Free Syrian Army” affiliates as Al Qaeda. Land Destroyer. 12.8.2012.

(11) DEBKAfile, NATO to give rebels anti-tank weapons, August 14, 2011
(12) Michel Chossudovsky. The Pentagon´s “Salvador Option”. Part II. Global Research.  16.8.2011.
(13) Tony Cartalucci. NATO Using Al Qaeda Rat Lines to Flood Syria With Foreign Terrorists. Land Destroyer. 25.10.2012.
(14) Al Qa´ida´s foreign fighters in Iraq. Harmony Project. Combating Terrorism Center at West Point. 2007.

Fonte: http://miguel-esposiblelapaz.blogspot.com.es/2013/05/las-revueltas-en-siria-no-son-ni-fueron.html

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