“As pessoas fingem que se importam com fetos. Quando temos aborto espontâneo vemos que não”

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Depoimento enviado  para Revista AzMinas. (De 2017)

“As pessoas fingem que se importam com fetos. Isso é uma grande mentira, ninguém dá a mínima pra eles. A questão é que obrigar a mulher a ser mãe é uma forma de controle, e ter controle sobre as pessoas é bom. Ou você tem dinheiro (outra forma de controle) pra abortar seguramente ou morre, pois a morte também é… controle. É só isso. Eu perdi dois filhos: o Tomás, com quase sete meses de gestação, e a Amora, com três meses de gestação. Ninguém da minha família (fora eu e meu marido) conta essas crianças. Nossos amigos não contam essas crianças.

 Pessoas que sabem que eu perdi meus filhos me perguntam quando serei mãe, porque, pra elas, ter engravidado e parido bebês mortos não me torna mãe. Só vale bebê vivo, aí você tem o aval, o carimbinho da maternidade.
 Quantas mulheres que vocês conhecem sofreram abortos e perdas gestacionais? Quantas deram nomes a esses bebês? Cadê os túmulos desses fetos? Não existem. E nos atestados de óbitos estão lá aos montes: natimorto. Sem nome nem sobrenome. E quando tem atestado de óbito, porque uma gestação de três meses não te dá o direito de ter um documento desses.
 Que sociedade cruel é essa que acredita que fetos são tão seres humanos quanto eu ou você e ao mesmo tempo não oferece um túmulo, um nome, um atestado de óbito? É porque de fato, lá no íntimo, ninguém acredita nisso.
Quando eu falo que sou mãe de dois filhos as pessoas acham que sou biruta. Estranham que dei nome pra Amora. ‘Mas você não perdeu com três meses? Por que deu nome?’

Perguntem às mulheres que perderam bebês quem se importou com eles. No hospital não queriam me deixar ver meu filho, pois ele era um feto (sim, foi isso que disseram).

A médica disse que não tinha problema se meu filho caísse na privada (onde me colocaram pra parir) porque ele já estava morto. É esse o respeito que um ser humano merece?

Quando fiz ultrassom pra ver se tinha de fato sofrido um aborto na gestação da Amora a médica me disse: ‘Que bom seu útero tá limpinho. Aquilo tudo já saiu, nem vai precisar de curetagem’. AQUILO.

Perguntem às mulheres que sofreram abortos espontâneos o tratamento VIP que tiveram no hospital. Nem consigo contar quantas vezes ouvi ‘Logo nasce outro’ (como se fosse fácil substituir pessoas) ou ‘Fica triste não, perder assim é normal’. Você fala assim de uma pessoa que perdeu um filho de 18 anos? Não. De um filho de 1 ano? Não. Mas de feto? Feto pode. Posso dar um milhão de exemplos de como a sociedade não considera fetos pessoas, tenham eles alguns dias ou 38 semanas.

Se ter filhos fosse absolutamente tão incrível e maravilhoso quanto a sociedade quer que a gente acredite, não tinha tanta criança abandonada no mundo! Só deve ser mãe quem quer. Homens já escolhem não ser pais por meio do abandono. Deixem as mães escolherem também, mas de uma forma mais digna que simplesmente virar as costas. Não sejam hipócritas.”

Depoimento enviado por Kiwi Bertola (e-mail: [email protected])

Foto:  Pexels

Fonte: Revista AzMinas

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