As perguntas que a venezuelana María Corina não respondeu ao Senado brasileiro

alckmin maricori

Por Pedro Silva Barros.

Na última quarta-feira (2/4), a deputada venezuelana cassada María Corina Machado iniciou visita ao Brasil participando de sessão na comissão de relações exteriores do Senado Federal a convite do senador Ricardo Ferraço.  Foi recebida com protestos de movimentos sociais que a chamavam de golpista e aclamada por líderes da oposição.

Aécio Neves a saudou como representante da voz das barricadas, legitimando a violência que levou a morte de quase 40 venezuelanos nos últimos dois meses. Agripino Maia perguntou se o Bairro Adentro (programa massivo de saúde pública que conta com apoio de médicos cubanos) era eleitoreiro, tentando fabricar argumentos para as próximas eleições no Brasil.

Alosyio Nunes Ferreira interrompeu a sessão de debates para que uma militante do PSDB Mulher (entre os 11 senadores do partido há apenas uma mulher, que não estava na sessão) entregasse flores para María Corina.

Álvaro Dias afirmou que esteve em Caracas e viu pessoalmente que a guarda pessoal de Chávez era formada por jovens soldados cubanos vestidos com uniforme venezuelano.

A falta de compromisso com a solução pacífica dos impasses do país vizinho e a propagação de desinformação desse grupo de senadores, que reflete a péssima cobertura da imprensa brasileira sobre a Venezuela, não foi suficiente para esconder as perguntas que a ex-deputada María Corina Machado não respondeu.

1 – A senhora pode contestar a lista que eu tenho aqui em que aparece seu nome entre os que apoiaram o golpe de Estado de 2002 e assinaram apoio ao efêmero regime de Pedro Carmona? (Randolfe Rodrigues)

2 – A senhora reconhece os resultados da última eleição presidencial que deu 7.505.338 votos (50,66%) a Nicolás Maduro e 7.270.403 (49,07%) para Henrique Capriles, seu principal concorrente? (Eduardo Suplicy)

3 – Por que universidades são depredadas nos protestos liderados pela senhora? (Vanessa Grazziotin)

4 – Por que vocês querem expulsar os médicos cubanos? (Vanessa Grazziotin, mostrando foto de boneco representando médico cubano sendo enforcado durante protesto defendido por Corina)

5 – Esse filme que a senhora acabou de mostrar é um montagem grotesca, quem financiou o filme? (Vanessa Grazziotin, sobre o filme exibido minutos antes por Corina)

6 – O Art. 149 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela impede que cargos estrangeiros sejam assumidos sem autorização da Assembleia Nacional, por que a senhora não cumpriu os requisitos antes de viajar a Washington para representar o Panamá em reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA)? (Eduardo Suplicy)

7 – Os membros da Corte Suprema da Venezuela são, como nós no Brasil ou em outros países, designados pelo Presidente? (Eduardo Suplicy)

8 – A divisão da oposição (entre radicais, representados por Leopoldo López, e moderados, representados por Henrique Capriles) não agrava os problemas no sentido de uma saída pacífica? (Ana Amélia)

9 – Caso seu grupo consiga derrubar o governo Maduro, quais medidas econômicas seriam tomadas? Neoliberalismo à modo do Chile depois da queda de Allende? (Roberto Requião)

10 – Como se cria um mercado próprio, cortando todos os benefícios sociais e levando a Venezuela a um período pré-Chávez? (Roberto Requião)

María Corina apoiou o golpe de 2002 e reconheceu o governo de Pedro Carmona. Não reconheceu o resultado eleitoral de 2013 que a própria oposição e diferentes instituições internacionais validaram. Não condenou os protestos violentos nem mesmo quando os manifestantes atearam fogo a uma creche com crianças dentro e afirma que a violência é exclusiva por parte do governo. Diz que os médicos cubanos tiram espaço dos médicos venezuelanos e roubam a soberania do país.

Não cumpriu as obrigações constitucionais para representar o Panamá em reunião da OEA para forçar a própria cassação e apresentá-la como prova da violência do governo bolivariano. Recebe financiamento sistemático dos EUA para produzir materiais como o vídeo mencionado. Os juízes da suprema corte venezuelana são designados pela assembleia nacional, que ela fazia parte. Sua postura sectária e golpista é o maior obstáculo para a unificação da oposição e para o diálogo necessário entre os diferentes setores da sociedade venezuelana. María Corina criticou as todas as políticas de transferência renda, instrumento fundamental para as políticas distributivas e da redução das desigualdades em toda a América Latina.

Ao não responder as perguntas, preferiu esconder dos brasileiros parte da verdade. Ao colocar-se a fantasia de grande defensora da constituição venezuelana, cria um personagem que convêm à oposição no Brasil, ao uribismo na Colômbia e aos republicanos na Florida. Esses três grupos trabalham menos para solucionar os impasses venezuelanos e mais para que manter a instabilidade no país até as eleições presidenciais de maio na Colômbia e de outubro no Brasil e as eleições regionais e parlamentares de novembro nos Estados Unidos.

María Corina Machado transita entre o golpismo e a atuação institucional há mais de dez anos. Apoiou o golpe de Estado contra Hugo Chávez em 2002 e assinou com outros 351 golpistas o Decreto Carmona, documento que suspendia direitos constitucionais, revogava o mandato de todos os deputados venezuelanos, destituía a suprema corte e aclamava um líder da associação de empresários presidente de fato. Depois Corina alegou que pensava tratar-se de uma lista de presença de quem fora ao palácio do governo comemorar a queda de Chávez.

Ajudou a coletar assinaturas para um referendo revogatório que abreviaria o mandato do presidente Chávez em 2004; mais de 60% dos venezuelanos rejeitaram a proposta. Foi recebida por George W. Bush na Casa Branca em 2005, quando defendia o boicote às eleições parlamentares na Venezuela. A Súmate, ONG que María Corina dirige, era uma das recordistas em repasses do National Endowment for Democracy, instrumento dos EUA para atuar politicamente na América Latina. O próprio Jimmy Carter, ex-presidente dos EUA, criticou as tentativas da Súmate por favorecer a oposição em votações na Venezuela.

Concorreu pela primeira vez a um cargo público em 2010, o sistema eleitoral que ela tanto critica e a forma de voto distrital na Venezuela permitiram que Corina fosse a deputada mais votada do país, com 250 mil eleitores do circuito que representa as regiões mais ricas de Caracas (Chacao, Baruta e El Hatillo) e que hoje concentram os protestos violentos contra o governo.

Dois anos depois disputou a prévia da oposição para ser candidata à presidência. Sofreu uma acachapante derrota. Henrique Capriles teve 1,9 milhão de votos, Pablo Pérez 890 mil e María Corina apenas 110 mil. Menos de 4% dos que participaram a queriam como candidata, quase todos seus votos se limitaram ao seu reduto eleitoral.

Nos últimos dois anos radicalizou ainda mais o seu discurso e a sua ação política. Provoca cirurgicamente ações violentas, sempre tentando vincular a imagem de violência ao governo venezuelano. Seu movimento é seguido pelos jovens que montam barricadas impedindo o livre trânsito em pontos estratégicos de Caracas. Não à toa, em sua volta do Brasil, no sábado (5/4), foi diretamente encontrar um grupo que organizava barricadas em uma das principais avenidas da cidade.

Em 30 de abril de 2013, María Corina foi agredida por uma deputada governista em uma tumultuada sessão na Assembleia Nacional. Conseguiu o pretexto para, poucos dias depois, ter um palanque no Senado colombiano. Na Colômbia disse que a população estava contra o governo, que havia caos econômico na Venezuela, que o governo iria sofrer uma grande derrota eleitoral nas eleições municipais de dezembro. O governo elegeu os prefeitos em 75% dos municípios do país e teve mais de 700 mil votos a mais que a oposição que apresentava as eleições como um plebiscito sobre o governo Maduro.

No mês passado, foi para a OEA em Washington sem ser convidada e representou outro Estado durante o exercício parlamentar na Venezuela sem autorização violando explicitamente sua própria Constituição. Deu argumento para os deputados mais radicais do chavismo apresentarem a sua cassação. Ao mesmo tempo, conseguiu o palanque no Senado brasileiro. As ações dos radicais dos dois lados inibe o diálogo que a Venezuela precisa. A recepção a María Corina promovida pelo governo do estado de São Paulo e por parte dos senadores brasileiros alimenta os radicais na Venezuela.

Por outro lado, a Unasul e o Brasil tem procurado ajudar. Ontem (domingo, 6/4) a Mesa de Unidade Democrática (MUD, articulação ampla das forças de oposição) divulgou comunicado apoiando o diálogo, a missão da Unasul e destacando que “la presencia de gobiernos de naciones hermanas es valiosa”. O comunicado da MUD destoa muito das posições de Corina no Brasil. Hoje (7/4) nove chanceleres sul-americanos participam novamente da Conferência da Paz em Caracas. No fim da tarde se reunirão com a oposição venezuelana. Existe a possibilidade concreta de uma mediação para favorecer o diálogo. María Corina é contra.

No mesmo dia, a TV Cultura de São Paulo vai exibir um programa Roda Viva tendo María Corina como entrevistada (foi gravado na sexta passada, 4/4). Todos os convidados para fazer questionamento são notórios críticos da Venezuela. Um dos entrevistadores, Augusto Nunes, divulgando o programa em seu blog no site da revista Veja escreveu sobre o programa “Todas as perguntas foram feitas.

Nenhuma ficou sem resposta convincente”. Ricardo Setti, da mesma revista, postou uma reportagem do Jornal da Cultura sobre a presença de María Corina no Senado brasileiro em que é afirmado que a ex-deputada foi cassada por “viajar ao Panamá”.

A TV Cultura nessa questão parece ser o braço televisivo da Veja. Talvez a serviço do governador Geraldo Alckmin que recebeu a ex-deputada no Palácio dos Bandeirantes horas antes da gravação o Roda Viva. Segundo reportagem no portal do governo estadual, “Alckmin ressaltou que conversaram sobre os valores da democracia”.

Não é possível comentar o programa antes de assisti-lo. Arrisco, porém, que se tratará mais de uma conversa entre amigos do que esclarecimentos sobre o que ela deixou de responder no Senado brasileiro.

Foto 1: Protesto violente apoiado por María Corina AFP em https://twitter.com/felippe_ramos

Foto 2: Policial pegando fogo ao ser atingido por coquetel molotov disparado por manifestante apoiado por María Corina AFP em https://twitter.com/felippe_ramos

Foto 3: María Corina e George W. Bush em 2005 http://aporrealos.com/forum/viewtopic.php?t=44139&postdays=0&postorder=asc&start=45&sid=afe1efbf8566e2a81ccac81b6be22ef4

Foto 4: Maria Corina e Geraldo Alckmin em 2014 http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=236489

Créditos da foto: http://www.saopaulo.sp.gov.br

Fonte: Carta Maior

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