Arte plena para os olhos

Por Magali Moser.

A chegada cinco minutos antes do início da sessão poderia ser um prenúncio: Não seria possível assistir ao filme. Mas, mesmo em cima da hora, a possibilidade não nos passou pela cabeça. Era um filme francês, afinal. Esperávamos cinema vazio, como costuma ser quando se trata de produções alternativas. A atendente no entanto nos deu a temida notícia: “a sala está lotada, não há mais ingresso.” Apesar da frustração – considerada a expectativa para ver a obra, após ler tantas críticas elogiosas – começava a me conformar com a ideia de voltar para casa sem assistir ao filme. Foi quando minha tia espavitada saiu com essa: “ah, moça, por favor! Minha sobrinha veio de longe e lá não vai entrar em cartaz esse filme. A gente senta no chão!”. (Lembrei na hora de experiência similar vivida para assistir Xuxa e os Trapalhões – sim, fiz parte da geração afetada por ela – nas minhas férias de infância, em Florianópolis, quando não me importei em sentar no chão pra ver a estreia. Mas na época eu tinha uns cinco anos!)

Não esperava por aquela reação da minha tia, com seu vestido na altura do joelho, sempre com atos de tanta fineza e elegância. Além disso, ela só estava ali por minha causa. Mas não bastou tentar convencer a atendente. Foi preciso persuadir a gerente do Espaço Itaú de Cinema do Shopping Crystal, em Curitiba. As moças se sensibilizaram, ainda concederam o desconto de meia-entrada – pois a sala não dispunha de assentos vagos. Quando as luzes se apagaram, sentamos no canto direito da sala, numa escada. A parede serviu de apoio para o corpo. O desconforto inicial deu lugar à desconfiança de que não haveria posição capaz de suportar assistir ao filme naquelas circunstâncias.

Era uma sala vip, com direito a poucos lugares e mordomias como poltronas reclináveis. Sob olhares de curiosidade, passamos os 96 minutos da sessão ali, no chão. Mas não houve porque reclamar. E Se Vivêssemos todos juntos (Et si on Vivait tous Ensemble?), de Stéphane Robelin, é arte plena para os olhos! Faz a gente dar risada e se emocionar. É também duro em alguns momentos ao mostrar com realidade o retrato de uma fase marcada pela falha de memória e limitações inevitáveis no próprio corpo. Mas com humor e leveza, bizzarices e asperezas, transforma situações dramáticas num legítimo elogio à existência humana, embora em muitos momentos trate das perdas e da solidão.

Na película, um grupo de cinco amigos septuagenários por mais de 40 anos (Annie, Jean, Claude, Albert e Jeanne vividos por Geraldine Chaplin, Guy Bedos, Claude Rich, Pierre Richard, e Jane Fonda, respectivamente) dá um rumo diferente para suas vidas. Para evitar o asilo, eles decidem viver juntos. Dividir particularidades. O grupo contrata um jovem alemão (Daniel Brühl, de Adeus, Lênin) para auxiliá-los. Sem correr o risco de cair em tentação e revelar mais sobre o filme, a grande sacada é que belo da vida está presente na trama através das coisas vitais, que fazem a alegria de qualquer ser humano, independentemente se ele tiver dez ou 80 anos: Amizade, aventura, cachorro, companheirismo!

O filme mostra ainda algo essencial, mas nem sempre lembrado: Todo o tempo é tempo para corrigir, começar e recomeçar. Termina com uma cena de delicadeza ímpar. Talvez uma das grandes mensagens deixadas após os créditos acabarem é justamente: se a velhice é inevitável, os inconvenientes com a chamada “melhor idade” podem ser superados quando se tem amigos de verdade. Como diz Frei Betto, “o avassalador consumismo neoliberal reduziu tudo a mercadoria, até as relações humanas”. A obra mostra os valores realmente importantes.

Nesses tempos marcados pela vaidade descontrolada, pela idolatria ao corpo perfeito e pelo desejo de permanecer eternamente jovem, E Se Vivêssemos Todos Juntos torna-se um filme ainda mais necessário. A velhice é rejeitada, mas em contrapartida temos desenvolvido cada vez mais técnicas em prol da logevidade. Quando reconhecemos no envelhecimento um processo fisiológico natural e irreversível, a mudança de ciclos passa ser vista como um caminho permanente, não necessariamente um rumo à finitude. O problema deixa de ser as rugas carregadas na pele. No final do filme, o choro inevitável e a certeza de que a obra valeria qualquer esforço para ser assistida. Obrigada, Tia Cleo!

Fonte: http://jornalistamagalimoser.wordpress.com/

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