Ariano Suassuna encanta Petrolina

Terno e sapatos pretos, uma camisa vermelha, de botão, por dentro. As meias se deixam entrever, no mesmo exato tom da camisa, quando Ariano senta na cadeira no meio do palco do auditório da UPE, por volta das 21h do dia 14/05. Defronte a ele uma platéia de cerca de 1500 pessoas. Saindo do auditório, em um espaço lateral da universidade, havia um telão com mais uma boa quantidade de pessoas assitindo à já tradicional aula espetáculo do escritor. Para ele, provavelmente mais um teatro lotado, dentre tantos e tantas multidões que já se juntaram para vê-lo falar. Para os petrolinenses presentes era, claramente, algo raro, excitante. Ariano agradece as palmas efusivas com um gesto gentil com a cabeça, levando as mãos à testa.

“Eu vou mostrar muita doidice a vocês, porque eu não tenho juízo”, começa o escritor, professor  e “palhaço”, segundo ele próprio. “Porque são duas qualidades de gente que eu gosto muito: o doido e o mentiroso, não sei se por identificação”, completa  já arrancando gargalhadas e aplausos – algo que se repete a todo o momento durante cerca de uma hora de apresentação.

Ariano fala das mais diversas coisas. A morte, a mentira, a cultura, o tempo, Deus. E no meio de toda a universalidade desses temas le entreabre espaço para um causo, uma história de Biu Doido e do relógio, de Galdino que acreditava mas não simpatizava com Deus, da tia que odiava Pedro Álvares Cabral porque este a havia impedido de nascer européia: os personagens prontos que ele diz encontrar pelo nordeste. “O povo diz que eu sou muito criativo. Não sou não, eu não invento nada, eu copio. Os tipo estão prontos”.  Pergunta quem já leu ou assistiu ao Auto da Compadecida. Absolutamente todos levantam os braços. “Não é por vaidade não, é porque eu queria dizer que Chicó era um tipo pronto, ele existiu”. É impressionante ver o alcance da obra de Ariano, independentemente dela haver sido fruída em um livro, na televisão ou no cinema.

Cervantes, Engels, Dostoiévski, Tolstói, Alceu Amoroso Lima, Euclides da Cunha, e mais um sem número de artistas e filósofos são convidados pela fala de Ariano a dançar com os tipos prontos da cultura popular. Fala da questão posta por Machado de Assis do Brasil real e do Brasil oficial. “O país oficial é caricato e burlesco, o real é bom e revela os melhores instintos”, cita a frase do escritor, e faz uma reflexão sobre o valor da cultura popular e do povo que a produz. “O que mais me encanta é a unidade na diversidade”, diz.

Um dos pilares da aula de Ariano foi o debate em torno da cultura como algo ligado ao seu lugar de origem . A existência de uma cultura que nasce em consonância com o lugar na qual ela é produzida é discutida por meio de imagens mostradas por Ariano em uma projeção ao lado do palco. A faceta mágica da inteligência humana  também é enfatizada pelo escritor: “na inteligência humana existe uma centelha divina que não tem bicho que vá alcançar!”, diz depois de citar um livro de Engels chamado “Humanização do macaco pelo trabalho”, do qual discorda enfaticamente. Nesse momento, mostra à platéia um pregador de roupas de madeira e discorre sobre a engenhosidade humana nas pequenas coisas. “Um macaco, por mais que tente, nunca seria capaz”.

No final da noite, dedica a aula espetáculo ao amigo e escritor Raimundo Carrero, que assistia à apresentação de Ariano. Carrero é demoradamente aplaudido pelos presentes: “eu quero dedicar hoje esse espetáculo ao meu querido amigo, sertanejo e pernambucano como vocês, de Salgueiro, e um grande escritor”.

Aula espetáculo de Ariano Suassuna (Foto: Ricardo Moura)

Confira, a seguir, uma fala de  Ariano Suassuna a respeito da cultura sertaneja:

Clisertão.com – O senhor enfatizou na aula espetáculo que a cultura existe em consonância com o lugar no qual ela nasce. E a cultura do sertão? Quais são as características dessa cultura?

Ariano Suassuna – Ao meu ver é, sobretudo, a preservação da dança popular através de grupos como o Reisado de Mestre Cícero, de Belmonte, o Samba de Véio de Petrolina… Enfim, é um movimento muito importante de criação de uma dança brasileira. Agora outra coisa é que o sertanejo é dotado de uma visão muito própria. O sertanejo é um sujeito normalmente desconfiado, crítico. Acidamente crítico. Então você veja, por exemplo, o caso de um velho sertanejo, a quem eu conheci. Ele estava já com 92 anos quando começou a sentir dor em uma perna, e o sertanejo olha com muita desconfiança para os médicos, não é? E eles têm razão. Eu fui criado por uma pessoa que dizia assim: tem duas coisas no mundo que eu não posso compreender, uma é padre ir pro inferno, a outra é doutor morrer. Os médicos morrem, e lutam contra a morte, coitados. Então é uma luta que não deixa de ser cômica.

Então aí os filhos desse sertanejo disseram:
– Papai, por que o senhor não vai no médico?
Ele disse:
– Meu filho, eu não tenho mais nem idade nem resistência pra essas extravagências não.

Realmente quando você vai no médico descobre umas três ou quatro doenças novas, né?
Mas então levaram ele, o médico examinou e não encontrou nada.
– O senhor não se preocupe não, que isso é da idade.
– Doutor, não é não, procure outra coisa, mas idade não é.
– Mas por que você me diz isso?
– Por que a outra perna nasceu no mesmo dia e eu não sinto nada nela.

Mas isso é muito o espírito do sertão. Eu acho que é por aí que a gente tem que encarar, ao mesmo tempo junto com essa malícia, com esse senso de humor, a enorme resistência! O sertanejo é um povo de sobrevivência. Quem escapa hoje é o forte, Euclides da Cunha tinha razão.

Clisertão. com – O senhor acha que essa personalidade do sertanejo influencia também a literatura produzida aqui?

Ariano Suassuna – Eu acho que sim, eu acho que sim. Basta você ler um folheto como o “Enterro do Cachorro”, de Leandro Gomes de Barros, que você vê tudo isso. Foi o folheto que deu origem ao Auto da Compadecida, aquilo é uma coisa puramente sertaneja!

Fonte: http://clisertao.com/

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