Argentina: Imperdoável

Milagro Sala
Milagro Sala

Por Débora Mabaires, de Buenos Aires, para Desacato.info.

Tinha dezoito anos e seu enxuto corpo havia ido parar no cárcere. Ela vivia na rua e a haviam denunciado por roubar comida. Não tinham provas, mas como era morena e o denunciante branco sua sorte esteve selada pela cor de sua pele.

Milagro Sala havia sido criada e educada por uma família de classe média, branca e ao descobrir que era adotada decidiu sair de sua casa. Tinha quinze anos.

Sua mãe adotiva era enfermeira, dela tinha os conhecimentos necessários para entender que a comida que davam as detentas era insuficiente e nutricionalmente pobre. Como suas reclamações não eram escutadas, decidiu iniciar uma greve de fome.

Assim conseguindo que as autoridades a escutassem e, com o mesmo dinheiro, foram comprados alimentos mais nutritivos que foram cozinhados pelas próprias presas.

Apenas esteve oito meses detida e conseguiu transformar essa injustiça e erradicar a desnutrição nessa prisão.

Encontrou trabalho, se filiou ao sindicato ATE (Associação de Trabalhadores do Estado) e se fez delegada. Participou de diversas lutas sociais que se levaram a cabo nos anos do governo de Carlos Menem, quando o neoliberalismo arrasava com os postos de trabalho e com a dignidade das pessoas.

A fome e a desolação começaram a golpear a porta de sua modesta casa em São Salvador de Jujuy. Crianças que pediam um pedaço de pão eram alimentados em cada tarde. E como alguns não haviam para onde ir, começaram ficar por ali mesmo para dormir. Em sua casa, chegou a albergar a trinta inquilinos.

Adotou a doze dos que não possuíam família. Começou a organizar a Copa de Leite, uma merenda feita pelos e para os mais pobres habitantes da região de São Salvador de Jujuy. Cada um levava algo, um pouco de leite, um pouco de açúcar, farinha… E aqueles que nada tinham iam ao monte buscar e cortar lenha. Todos trabalhavam e todos comiam.

Milagro Sala, organizou aos pobres para que a pobreza não terminasse devorando suas vidas.

A organização da Copa de Leite já tinha nome: Túpac Amaru. O caudilho mestiço da grande revolução independentista da corte indigenista que havia decretado pela primeira vez na América Latina a abolição da escravidão, no ano de 1780.

No ano de 2003, com a chegada de Néstor Kirchner ao poder, conseguem estabelecer cooperativas de trabalho têxteis, metalúrgicas, fábricas de ladrilhos, por que alimentar aos filhos dos desempregados já não era suficiente. Milagro Sala sabia que a única possibilidade de ter uma vida digna era através do trabalho.

A Túpac Amaru se apresenta frente ao governo para construir casas dentro do Plano Federal de Habitações. Empregando o triplo de trabalhadores a um custo inferior ao apresentado pelas construtoras mais econômicas.

A Túpac Amaru se converteu, nos últimos dez anos, na terceira empregadora provincial. Construiu oito mil habitações; seis cooperativas de trabalho; três escolas para os bairros que construíram, uma de ensino primário e fundamental, outra de ensino médio e outra para adultos. Trabalham 150 professores empregados da Organização.

Dois centros médicos, totalmente equipados, onde trabalham 42 médicos de distintas especialidades; enfermeiros; equipes de limpeza; psicólogos e psicopedagogos. Tem farmácia e laboratório próprio, com seus farmacêuticos e bioquímicos. Possuem tomógrafo e mamógrafo. Além disso, construíram um centro de reabilitação com piscina climatizada; câmara Gessel; salas de audiência; e é tão completo que os médicos dos hospitais da província levam para lá seus paciente. O atendimento é absolutamente gratuito e, aos filiados, são dados os remédios gratuitamente.

O bairro emblema construído pela Túpac Amaru é o “El Cantri” no Alto Comedero, a 15km da capital de Jujuy. É imponente, com suas casas coloridas e com um parque poliesportivo de quatro hectares, desenhado para que as crianças que necessitassem de acessibilidade também possam desfruta-lo, algo que poucos parques do país possuem. O que dá mais felicidade as crianças nas tórridas tardes em Jujuy é, sem dúvida, o parque aquático, com piscinas conectadas e toboáguas.

A entrada para esses parques é livre e gratuita. Ali ninguém é discriminado.

Na página da Organização Túpac Amaru podem ser vistos imagens das distintas obras.

Hoje, Milagro Sala volta a estar atrás das grades injustamente. O governador Gerardo Morales pediu a seu amigo, o juiz Raúl Rodríguez, que a detivesse por protestar. Invadiram sua casa sem ordem judicial, a levaram presa, e dizem que a manterão assim até que as organizações sociais que acampam frente ao Governo se retirem. Rodríguez assinou a ordem e, por vergonha, pediu licença.

O juiz que ficou encarregado da causa, Gastón Mercau, é marido da presidenta da Corte Suprema de Jujuy, que fez campanha pelo governador. Violam o artigo 14 da Constituição Nacional que proclama o direito aos cidadãos de peticionar frente as autoridades; e cometem o delito de sequestro ao exigir que terceiros façam algo para liberar Milagro Sala. O Poder Judicial na Argentina entra em recesso em janeiro, pelo que as causas penais estão paralisadas pela vontade dos juízes.

A esta mulher não a perdoam por ter retornado a dignidade aos moradores mais pobres de Jujuy, esses mesmos que caíram na indigência quando Gerardo Morales era vice-ministro do Desenvolvimento Social no ano de 2000 no governo de Fernando de la Rúa. As crianças desnutridas que Gerardo Morales roubou o pão e a infância; hoje são adultos, comem todos os dias e acampam frente ao Governo pedindo que não lhes retirem o trabalho.

A resposta de Gerardo Morales foi encarcerar sua líder, por que não a perdoa por tentar abolir a escravidão da fome.

A CTA e diversos políticos argentinos pedem a liberação de Milagro Sala
A CTA e diversos políticos argentinos pedem a liberação de Milagro Sala

 

Obras da Tupac Amaru

Centro de formação profissional
Centro de formação profissional

Fábricas

 

fábricas

fabricas 2

Cooperativa têxtil
Cooperativa têxtil

Centro Cul

 

Versão em português, Thiago Iessim para Desacato.info.

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