Arcos do Jânio e o grafite

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Por Vanessa Cancian, Namu.

No começo do mês de fevereiro desse ano, os muros de arrimo abandonados dos Arcos do Jânio, em São Paulo, ganharam obras de arte feitas por diversos artistas. Localizado em um dos acessos da Avenida 23 de Maio, o monumento, destruído pelo tempo e esquecido pela maioria dos paulistanos, se tornou, de repente, o centro das atenções dos meios de comunicação e sinônimo de orgulho do patrimônio histórico de uma cidade que muito pouco ou quase nada faz por suas construções históricas.

Isso ocorreu depois que artistas da cidade fizeram paineis de grafite embaixo de cada um dos arcos. O responsável pelo alarde das críticas dos moradores da capital foi Reinaldo Azevedo, colunista da revista Veja que, além de criticar as pinturas, afirmou que uma das figuras pintadas, o rosto de um homem negro, fazia referência ao líder venezuelano Hugo Chávez. O conflito de interesses políticos dos veículos para os quais ele escreve fez com que o local, antes consumido pelo esquecimento, entrasse em pauta através de uma polêmica sem sentido que colocou em debate o grafite e as ocupações artísticas de uma cidade amplamente dominada pelo cinza.

“Quando aquelas paredes estavam vandalizadas, ninguém deu atenção”, diz Paulo Ito, grafiteiro da capital que questiona a posição de veículos como a revista Veja, que criticaram de maneira ofensiva os grafites que foram feitos. Para ele, o público mais conservador é aquele que com frequência troca a razão pela emoção e vice-versa, e acaba tendo a opinião moldada pela emoção. Em entrevista exclusiva ao Portal NAMU, Paulo Ito conta mais sobre as relações do paulistano com arte.

Você acha que parte da população de São Paulo é contra a humanização da cidade? O que pode ser feito para mudar isso?

Sim, normalmente esse público é muito orientado pelo medo. Isso é tão verdade que marqueteiros usam o medo como apelo em campanhas eleitorais. Esse medo faz com que as pessoas não circulem pela cidade, faz com que não enxerguem nos outros seus semelhantes e sim uma possível ameaça. Dessa forma, elas circulam de maneira isolada dos demais e temem a humanização da cidade que aproxima as pessoas através da arte. Existe também outro tipo de medo que passa a existir com a popularização de coisas que eram exclusivas dos mais abonados como o acesso a voos e aeroportos. Acredito que isso transforme o cidadão de classe média e alta em pessoas iguais aos outros, inclusive igual ao pobre. É um medo da perda do status que existe aos olhos da socionormatividade do ter e não do ser. O medo dessas pessoas torna a cidade ao mesmo tempo dura e cheia de gente traumatizada. No entanto, o modelo que esses muitos defendem gera indiretamente e através da desigualdade social, justamente a violência que eles mesmos temem.

Por que alguns arquitetos e urbanistas criticaram esse tipo de intervenção?

Não sei dizer ao certo, mas devo supor que não são as mesmas pessoas que criticam o absoluto descaso com o arquitetura do passado, a qual, em São Paulo, perde constantemente espaço para empreendimentos espelhados de gosto questionável. Será que esses arquitetos coerentemente nunca fizeram nada no estilo neoclássico e também não frequentam shoppings centers em razão de sua horripilante aparência? No entanto, se eles se alinham ao publico conservador, talvez seja difícil acreditar nisso levando em conta seus hábitos, como o de não se misturar, preferindo estabelecimentos em que os frequentadores são monetariamente qualificados e peneirados como nos shoppings centers. Podem ser aqueles que nunca viram isso em Paris, portanto, não aceitam algo que, novamente como o leitor da Veja, fuja às “regras” nessa tradição da grande colônia cultural que somos. Lembro-me de uma senhora criticando um painel que eu estava fazendo em um bairro de alto padrão: ela acreditava que a parede (do outro lado da rua) era dela ou toda a rua e dizia: “eu estudei com o Niemeyer”. No entanto, sua casa parecia uma cópia mal-feita do mexicano Le Gorreta, provavelmente projetada por ela.

É muito difícil lutar contra a cidade cinza ou monocromática?

Não, isso é o mais fácil. O difícil é lutar contra o leitor da Veja.

Na sua opinião, o que produz esse tipo de polêmica vazia, pois é óbvio que um muro com intervenções é melhor do que o cinza?

Alguns preferem o cinza, não acho que seja um problema. O Julio Medaglia odeia Rap, tudo bem. Certamente seu colega Frank Zappa teria outra visão, o Milles Davis adorava. Cada um é cada um. Ruy Castro, por exemplo, odeia o grafite categoricamente e sem exceções, o que provavelmente não o torna um grande conhecedor do assunto. Li muitos comentários na internet de que arte de rua é lixo. Ainda tem bastante gente que pensa assim, imagino que os mais conservadores. O único argumento possível para essas pessoas (que escreveram na internet), já que é difícil explicar arte, é que alguns artistas muito famosos do meio (grafite) estiveram em museus importantes lá fora e que hoje tem um dinheiro que ele nunca vai ter em momento algum da sua esforçada vida. Mas esse é um argumento ridículo.

O que você acha das pessoas dizerem que a figura era Hugo Chávez? E se fosse, o artista não tem liberdade para pintar o que ele quiser?

O artista tem toda a liberdade. Mas liberdade para alguns pode ser algo difícil de entender. E o pior: algumas pessoas não querem entender, nem a liberdade e nem nada. Elas simplesmente aproveitam uma oportunidade, sem checar exatamente o que acontece, para descarregar toda sua fúria contra um fantasma, que é o medo (novamente) de um bolivarianismo muito exagerado projetando-o em qualquer coisa, como um exercício de catarse. O interessante é que a própria grande mídia não tem interesse em esclarecer esse tipo de questão da maneira que merece. Eu conheço os autores da obra há muito tempo e estou absolutamente seguro que jamais fariam uma homenagem ao Hugo Chávez. Estou igualmente seguro que o prefeito não é idiota para encomendar um trabalho desse tipo. Quando Diego Rivera pintou Lenin no Rockeffeler Center também causou polêmica, mas a intenção era essa e a critica pertinente, não a papagaiada que lemos na internet nesse caso do retrato que “lembrou” o Chávez.

Ao mesmo tempo as críticas são tão tolas que a resposta parece mais estúpida ainda. Mas não é. Vi um vídeo em que um senhor alega que as ciclovias são vermelhas por que é propaganda petista. Esse cidadão fala essa besteira por que raramente anda de bicicleta. Provavelmente. ele é leitor do Reinaldo Azevedo e não sabe que os 22 km da ciclovia do rio pinheiros foram pintados na mesma cor quando lançada pelo então prefeito José Serra, do PSDB. O triste disso tudo é que uma verdadeira multidão aplaude qualquer coisa justamente por que está com raiva e repete tudo igual a um disco riscado. Temos de tomar muito cuidado com isso, pois um ditador muito eloquente e emocional chegou ao poder justamente pelo aval emocional. Sua intenção era trabalhar nos bastidores, e diversas vezes ele ameaçou largar o partido, mas ninguém falava como ele. Tem uma música de um cantor italiano, o Giorgio Gaber, que fala o seguinte sobre um tio fascista do compositor: “o coração muito mole e a cabeça muito dura”.

Foto: Reprodução/Negro Belchior

Fonte: Negro Belchior

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