Aposta da reforma trabalhista, contrato intermitente não engrenou no Brasil

Juíza do Trabalho afirma que "a legislação é tão precária que até mesmo os empregadores estão com receio de utilizar".

Foto: Pedro Ventura

Por Júlia Dolce.

Criado a partir da reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro de 2017, o contrato intermitente é a formalização de trabalhos sob demanda. Essa modalidade, em que o trabalhador é chamado a prestar serviços de tempos em tempos, não representou uma porcentagem significativa no número de de postos de trabalhos gerados no primeiro semestre deste ano. Entre janeiro e julho, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, das 47,3 mil vagas geradas, apenas 3,4 mil foram intermitentes.

A expectativa do governo de Michel Temer (MDB) era a geração de 2 milhões de ocupações intermitentes em três anos. Para os especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, há uma série de razões para o fracasso da proposta. A juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Quarta Região, Valdete Souto Severo, considera que o principal motivo é a precarização. Ou seja, a legislação é tão mal regulada que mesmo os empregadores têm receio de adotar essa modalidade.

“Ela não tem previsão de quantas horas a pessoa vai trabalhar por mês nem de uma remuneração mínima. É uma situação tão precária quanto a da informalidade”, compara. “Se alguém tem a possibilidade de empregar de modo informal, porque sucatearam todas as formas de controle e prevenção disso, vão preferir continuar empregando na informalidade ou burocratizar a relação com a carteira de trabalho? É uma regulamentação da precarização que não faz sentido”, analisa.

No segundo trimestre deste ano, foram geradas 3,4% mais vagas sem carteira assinada no setor privado do que no ano passado, alcançando um total de 11,1 milhões de trabalhadores nesta situação. No entanto, o número de trabalhadores com carteira assinada caiu 1,1%.

Severo também atribui o fracasso do contrato intermitente à falta de interesse dos próprios trabalhadores, que preferem não aderir a essa modalidade. “O empregado quer ter carteira de trabalho, não para que o governo possa dizer que aumentou o número de pessoas empregadas, mas porque quer saber que vai ter um salário certo no final do mês, que tem um número certo de horas para trabalhar. Nada disso o trabalho intermitente assegura”, completa

Os números do Caged mostram que os salários dos contratados no regime intermitente foi 40% menor do que a média salarial geral dos brasileiros no primeiro semestre, que equivale a R$1.516,17. Os dados podem estar inflados, porque levam em conta apenas os contratos intermitentes assinados, e desconsideram os meses em que o trabalhador sequer é requisitado pelo empregador.

Conforme a legislação que entrou em vigor em 2017, o trabalhador deve ser avisado da convocação com até três dias de antecedência, e recebe por hora trabalhada. O regime também permite contratos com várias empresas, o que dificulta a identificação do número real de trabalhadores intermitentes.

O setor que mais adotou essa modalidade foi o das grandes lojas varejistas, que possuem picos específicos de horários de consumo e, portanto, afirmam precisar de mais funcionários em determinados períodos do dia ou ano.

Economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) na Central Única dos Trabalhadores (CUT), Adriana Marcolino interpreta que os contratos intermitentes precarizam a autonomia financeira dos trabalhadores. “Com uma remuneração tão baixa, o trabalhador vai preferir continuar na informalidade do que ter os descontos na folha de salário e reduzir mais a remuneração”, prevê.

Marcolino ressalta ainda que alguns sindicatos têm conseguido limitar as contratações intermitentes em negociações coletivas. “O que gera emprego é crescimento econômico, e já avisávamos no ano passado que a reforma trabalhista iria precarizar o trabalho. Não há um grande incentivo para o crescimento econômico, não há aumento das contratações nem no formal, nem nos trabalhos precários”, completa.

A baixa adesão as contratos intermitentes não ameniza os retrocessos provocados pela reforma trabalhista. Severo lembra que há alterações “ainda mais perversas” na lei. “Ela é um pacote de maldades. O intermitente é uma das alterações nocivas dessa lei, que é do início ao fim prejudicial para os trabalhadores”, resume.

A juíza do Trabalho enumera medidas como o fracionamento das férias, que pode levar os trabalhadores à exaustão, a possibilidade de aumento da jornada para 12 horas para 36 horas, sem intervalos, a facilitação da demissão coletiva, e a sucumbência recíproca. Ou seja, o trabalhador que entrar na justiça trabalhista contra seu empregador pode ter que pagar honorários de advogados, caso não convença o juiz de que a ação é procedente.

“Essas fragilidades no processo trabalhista estão sendo aplicadas e são extremamente graves. No caso da sucumbência recíproca, não só impede o trabalhador que já perdeu o emprego de discutir em juízo os direitos, mas causa um temor que faz com que eles aceitem qualquer condição de trabalho com medo de perder o emprego e ainda sair devendo”, lamenta.

A maior parte dos postos de trabalho intermitentes foram gerados no estado de São Paulo (1.173), seguido por Minas Gerais (464) e Rio de Janeiro (367). Em relação aos setores em que as vagas foram geradas, o de serviços ficou em primeiro lugar, com 52,2%, seguido pelo comércio (15,5%) e pela construção civil (12,8%).

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