Aos quase 130 anos da Abolição, a mentalidade escravista ainda domina a sociedade brasileira

Reza a história oficial nos livros didáticos que a princesa Isabel, chamada de a Redentora, assinou a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, e assim colocava fim ao período de quase 400 anos de escravidão no país. Aliás, o Brasil foi o último a abolir essa violência contra seres humanos.

“A Abolição tirou nossos ancestrais das senzalas e os jogou em verdadeiras prisões a céu aberto, uma verdadeira senzala sem paredes e sem teto”, diz Mônica Custódio, secretária de Promoção da Igualdade Racial da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) ao participar de uma reunião do Coletivo Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

Por isso, diz ela, “não comemoramos o 13 de maio”. Já Cherry Almeida, secretária de Saúde da CTB-BA, afirma que essa é uma data de reflexão. “Precisamos estudar a história para compreender os dias atuais e do porquê a população negra sofre tanta discriminação”, acentua.

“Após a Abolição, a vida dos negros brasileiros continuou muito difícil. O estado brasileiro não se preocupou em oferecer condições para que os ex-escravos pudessem ser integrados no mercado de trabalho formal e assalariado”, analisa Marcelo Black, secretário-geral do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro.

Silvio Pinheiro, dirigente da CTB-BA lembra que houve um aumento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da população negra nos últimos 10 anos, mas “ainda não conseguimos a igualdade e não temos as mesmas oportunidades”.

Aliás, o Brasil foi cobrado por diversos países de maioria negra no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a questão do racismo vigente no país. Onde lembraram a violência policial, o genocídio da juventude negra e a discriminação no mercado de trabalho e na sociedade.

Trecho de Navio Negreiro, de Castro Alves:

“Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:

Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais …
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voam mais e mais…

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!”

Mesmo com as políticas afirmativas dos governos Lula e Dilma, “a igualdade de direitos ainda é um sonho”, reforça Custódio. “Ainda mais agora com o governo ilegítimo acabando com todas as nossas conquistas, retornando ao século 19”.

Pinheiro ressalta que as reformas trabalhista e previdenciária como estão colocadas vão “provocar um distanciamento ainda maior entre pobres e ricos”. Isso porque “com o fim da Política de Valorização do Salário Mínimo a economia de muitos municípios afundará”.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54% da população brasileira é constituída de afrodescendentes. Mas “ainda vivemos em condições subumanas com falta de saneamento básico e sem políticas públicas que nos deixam vulneráveis”, reforça Almeida.

Violência que incide principalmente sobre a juventude e as mulheres. “Muitas mulheres negras são chefes de família e com o desemprego adoecem, sofrem depressão e chegam ao suicídio”. Mara Kitamura, do Sindicato dos Professores de Sorocaba e Região explica que os filhos e filhas da classe trabalhadora começam a trabalhar muito cedo.

Com isso, diz ela, “deixam de ir à escola e essa reforma do ensino médio piora ainda mais essa situação”. Ela questiona a propaganda do Ministério da Educação. “A propaganda afirma que o jovem escolherá o que deseja estudar, mas quem vai acabar escolhendo é o Estado”.

Porque, assinala, “essa reforma tira a responsabilidade do Estado e diminui os investimentos na educação pública e na prática tira a obrigatoriedade de matérias essenciais ao conhecimento humano”.

Kitamura lembra que as escolas particulares continuarão tendo o ensino de História, Geografia, Artes, Filosofia e Educação Física. “Com isso o conhecimento da população mais pobre fica mais restrito. Aí como exigir direitos, como reivindicar posse de terra, por exemplo”.

Everaldo Vieira, secretário de Combate ao Racismo da Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos e Mineradores da Bahia, ataca a proposta de vender terras brasileiras a estrangeiros e a sanha do agronegócio para com as terras indígenas.

“A posse da terra é essencial para as populações quilombolas e indígenas sobreviverem. É de onde tiram ao seu sustento e organizam a vida”, afirma Vieira. “A reforma agrária”, portanto, “é primordial para essas populações e para o desenvolvimento do país”.

Ele ressalta ainda que a cultura popular brasileira tem forte herança africana. “A cultura do nosso povo é uma forma de resistência. A capoeira surgiu dessa maneira, assim como o samba e as religiões de matriz africana”.

Já Black acentua que “a reforma trabalhista do jeito que está vai fazer os direitos conquistados duramente pelos  trabalhadores retroceder ao final do século 19, ao período da escravidão.  Pontos como o acordado sobre o legislado que irá permitir mudanças nos salários e na jornada de trabalho, empurrando  para uma vida miserável milhões de trabalhadores e trabalhadoras”.

Mônica Custódio conclui que ainda não nos libertamos totalmente e agora estão querendo nos devolver à senzala”. Por isso, “a nossa resistência se dá provando que somos humanos, temos direito à vida e à liberdade. Resistir é preciso”.

Fonte: CTB. 

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