Aonde estará a poesia do proletariado? Sobre Marx e a história

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Enquanto historiador materialista, Karl Marx decifra os processos históricos através de notáveis recursos literários. No clássico O 18 Brumário de Luís Bonaparte(1852), o autor faz uma conhecidíssima afirmação: (…) “ Em algumas de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele esqueceu de acrescentar: a primeira como tragédia, a segunda como farsa “(…). Ao colocar em relevo a tragédia e a comédia para entender como os contraditórios cenários econômicos geram fatos e personagens históricos que estariam á altura de sua época ou que não passariam de paródias, Marx lança uma sonda estética para se pensar a história: as formas e os conteúdos de diferentes épocas devem ser concebidos em sua indivisibilidade, sendo que toda forma corresponde necessariamente a um conteúdo histórico específico. Simplesmente vestir as formas do passado seria portar um significado farsesco, tal como exemplifica Napoleão III tentando bancar o tio Napoleão Bonaparte. Mas será que Marx não se esqueceu de alguma coisa quando pensou a influência das formas do passado no presente?

O pai do materialismo histórico acerta na mosca quando diz que os homens fazem sua própria história mas não como querem. As circunstâncias transmitidas pelo passado interferem diretamente sobre a questão. Marx afirma que em épocas revolucionárias, os vivos tomam emprestado a linguagem do passado para criar os nomes, os gritos de guerra e uma nova roupagem. Assim o fez a burguesia quando ela era uma classe revolucionária: os burgueses vestiram-se de romanos, beberam do vinho dos gregos, estabelecendo uma apropriação de elementos plásticos, jurídicos, literários e filosóficos da Antiguidade clássica. A burguesia revolucionária cumpriu assim um necessário papel histórico para colocar abaixo as estruturas do mundo feudal. Destas práticas exalava-se uma poesia revolucionária que destruiu a sociedade de ordens, sepultando por sua vez o Antigo regime. Mas e a classe operária? Sendo o proletário o novo e o último personagem revolucionário no teatro materialista da história, qual seria a sua relação com as formas do passado?

Para Marx a situação histórica do proletariado exigiria novas formas: (…) “ A revolução social do século XIX não pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro. Não pode iniciar sua tarefa enquanto não despojar de toda veneração supersticiosa do passado. As revoluções anteriores tiveram que lançar mão de recordações da história antiga para se iludirem quanto ao próprio conteúdo. “(…).

Se é fato que a burguesia recorreu á história para ocultar o seu conteúdo de classe, que tipo de relação poética e política o proletariado teria com o conhecimento histórico? Será que a poesia dos trabalhadores será extraída futuramente ou o passado também pode lhe fornecer imagens uteis para a sua luta política? Em sua interessantíssima leitura das Teses Sobre o Conceito de História de Walter Benjamin, Michael Lowy afirma : (…) “ Mas o autor de O Dezoito Brumário foi muito precipitado ao concluir que as revoluções proletárias, ao contrário das burguesas, podiam tirar sua poesia somente do futuro e não do passado. A profunda intuição de Benjamin sobre a presença explosiva de momentos emancipadores do passado na cultura revolucionária do presente era legitima: assim, a da Comuna de 1793-1794 na Comuna de Paris de 1871, e desta na Revolução de Outubro de 1917 “(…).

De fato Benjamin vira o seu rosto para o passado a fim de buscar o alimento revolucionário para os dias atuais. Refletir sobre a história seria o próprio estudo da subversão política, o fornecimento crítico das formas políticas e culturais que agem sobre a consciência do proletariado: a experiência estética com as formas do passado é ao mesmo tempo uma experiência política com conteúdos históricos que influenciam a sensibilidade daqueles que lutam hoje. Apesar desta diferença entre os dois pensadores na maneira de se pensar e escrever história, Benjamin nunca perde de vista o conceito de luta de classes, central em Marx. Mas pensemos nos trabalhadores dos dias atuais, imersos no alienante modo de vida capitalista, que em inúmeros casos não compreendem seu papel na produção econômica e desconhecem a história revolucionária do movimento operário internacional. Quais são as condições ideológicas para que eles construam a sua poesia?

Todos sabemos que as coisas não andam nada fáceis. A conjuntura política conservadora nos âmbitos nacional e internacional, possibilita uma mobilização de figuras bizarras, de personagens escabrosos, que nada devem ás formas farsescas da época de Napoleão III. Mas se a farsa existe, se as imagens tecidas com teia de aranha ajudam a conservar a ordem capitalista, a classe trabalhadora é herdeira de outras imagens… É preciso que os trabalhadores reconheçam como sua a cultura revolucionária acumulada ao longo da história. Não podemos pensar a construção de uma vanguarda dos trabalhadores sem, por exemplo, a presença dos poetas e narradores que contam as histórias de luta do povo. Necessitamos de narradores que transmitam as imagens libertadoras que alimentam a construção da poesia revolucionária. O cultivo das imagens libertárias na consciência é diário e seus lavradores devem estar preparados para suportar tempestades reacionárias. Sob o céu da história as máscaras da farsa acabam sempre caindo no palco. Mas as imagens da luta de classes permanecem na cena.

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