Angola – Assédio Sexual nos Espaços Públicos: Resultados do Inquérito

Por Áurea Mouzinho.

No último dia 6 de Abril, lançamos na nossa página do Facebook um Inquérito sobre o Assédio Sexual nos Espaços Públicos. O inquérito foi dirigido às mulheres em Angola e ficou disponível por duas semanas, acumulando até ao seu encerramento, no dia 20 de Abril, um total de 219 respostas.

O inquérito continha seis breves perguntas categóricas sobre as experiências das mulheres com o assédio sexual. No seu preâmbulo, assédio sexual foi definido como “toda a acção ou abordagem de carácter sexual não autorizada que causa constrangimento ou viola a intimidade de outra pessoa”. Dentro desta definição, encontram-se os assobios na rua (“psst, psst”, “moça”, “linda”, etc), os comentários obscenos recebidos pessoalmente ou online, as aproximações não solicitadas de carácter sexual feito por chefes/amigos/colegas/professores, as apalpões na discotecas, entre outros.

Publicamos aqui os resultados seguidos de uma breve análise, com intuito de dar visibilidade a um problema que, apesar de ser uma prática sexista comum, continua a ser normalizado e recebe pouca atenção por parte da sociedade angolana.

Participantes

A grande maioria das internautas que responderam (175; 80%) vivem na cidade de Luanda. As restantes participantes estão dividas entre as províncias da Huíla (12; 5%), Benguela (10; 5%), e outras províncias (22; 10%).

As idades das participantes também variam, sendo que a maioria delas reporta ter entre 19 e 35 anos. Só treze (13) participantes estão abaixo dos 19 anos; enquanto que 45 reportam ter pelo menos 36 anos.

Esses dados são consistentes com que se pode esperar em termos do perfil das internautas em Angola: mulheres jovens que estão na sua maioria baseadas em Luanda.

Respostas

1. Alguma vez foste assediada no espaço público?

 

Quase todas as participantes (98%)  afirmam que já sofreram algum tipo de assedio sexual em espaços tal como escolas, na rua, no trabalho. Este dado mostra que a prática é prevalente.

2. De que tipo de assédio já foste vítima?

Os assobios na rua são as mais populares formas de assédio sexual reportadas pelas participantes. Quase 90% das internautas dizem já ter sido vítimas destes. Em segundo lugar encontram-se as ‘pegadas’ ou aproximações inapropriadas; às quais 54% das participantes dizem ter sido expostas.

Um pouco menos da metade das participantes (49%) diz já ter recebido mensagens com conteúdo obsceno; enquanto que mais ou menos 17% reporta já ter sido vítima de perseguição, chantagem e ameaças para se envolver sexualmente com o agressor.

O assédio sexual no trabalho por parte de chefes e nas escolas por parte de professores é reportado por 42% das participantes.

Estas respostas evidenciam que:

1) as formas de assédio sexual acontecem em diferentes graus de intrusão e de regularidade; e

2) as mulheres são vítimas de mais de uma forma de assédio ao longo das suas vidas.

3. Que idade tinhas quando foste assediada pela primeira vez?

Metade das participantes reporta ter sido vítima de assédio com 18 anos ou menos, sendo que cerca de 37% destas reporta ter sido vítima de assédios com 12 anos ou menos (!). Portanto, a primeira experiência de violência sexista de que muitas mulheres são vítimas acontece ainda quando estas são crianças. Das restantes participantes, 42 reportam terem sido assediadas sexualmente pela primeira vez entre os 19 e os 35 anos, e só duas com 36 anos ou mais.

4. Com que frequência és assediada sexualmente hoje em dia? 

Um pouco mais de um terço das participantes diz ser vítima de assédio sexual todos os dias ou quase diariamente. Quase um quarto reporta ser assediada semanalmente, enquanto que a grande maioria diz que é assediada ocasionalmente. Por outro lado, só 7% das participantes reporta que quase nunca ou nunca sofre assédio sexual actualmente.

5. Quem tem a principal responsabilidade de evitar que as mulheres e as meninas sofram assédio sexual no espaço público?

As participantes acreditam que a principal responsabilidade em prevenir os asseios sexuais é dos homens (38% das participantes); do estado (24%) e das famílias (23%). Menos de 10% das participantes acredita que as mulheres são as principais responsáveis por evitar os seus próprios assédios, e só 6% acha que a policia é a principal responsável. Só uma participante declarou que à responsabilidade principal recai sobre as igrejas.

6. Achas que o assédio sexual deve ser tipificado como crime no novo código penal?

 

 

 

Quase todas as participantes (96%) acreditam que o assédio sexual é um crime e que deve ser tipificado como tal no novo código penal.

Análise e Conclusões

Que o assédio sexual é uma realidade para as mulheres em Angola não é novidade. O que os resultados deste inquérito sobre assédio sexual nos espaços públicos trazem de novo é dar uma visibilidade diferente a este problema que aflige muitas mulheres.

Embora com as limitações de uma amostra pequena e a exclusão de mulheres que não têm acesso à internet, os resultados permitem-nos, contudo, realçar algumas nuances nunca antes exploradas sobre a forma as experiências de assédio sexual vividas pelas mulheres em Angola.

Em primeiro lugar, os resultados confirmam a nossa suspeita que o assédio sexual é uma prática comum, recorrente e que toma várias formas. Entre as surpresas ou novos insights, destaca-se o facto de que a maioria das participantes teve a sua primeira experiência de assédio sexual enquanto crianças, evidenciando que o assédio sexual não se trata de uma expressão de desejo ou de um acto inofensivo mas sim de uma forma de controlar o corpo e a sexualidade das mulheres desde muito cedo.

Que muitas mulheres reportem ter sido vítimas de assédio sexual nos seus locais de trabalho ou nas escolas também é preocupante, visto que ambos são lugares onde as mulheres deviam estar supostamente protegidas mas onde se encontram vulneráveis por conta da sua posição hierárquica.

Das participantes ainda sobressai a convicção de que os homens são os principais responsáveis por prevenir os assédios sexuais, presumivelmente começando por não assediar as mulheres, visto que são os homens os principais assediadores. Uma outra possibilidade é que as participantes esperam que os homens protejam as mulheres do assédio, embora isso também não se pode inferir somente com base nos dados recolhidos.

O Estado ou governo é apontado como o segundo maior responsável, que se pressupõe que deverá o fazer através da elaboração e implementação de leis e políticas públicas apropriadas. Este resultado está de acordo com a convicção das participantes de que o assédio sexual deve ser tipificado como crime.

Quanto às indicações de que as mulheres também podem ser as principais responsáveis por evitar os assédios de que as mulheres são vítimas, as possíveis interpretações são diversas. Por um lado, pode ser entendido como uma tendência das participantes pensarem que mulheres devem vestir-se ou comportarem-se “melhor” para evitarem ser violadas – no caso, uma manifestação da tendência de culpabilização da vítima ou victim blaming que ainda é muito presente na sociedade angolana. Por outro lado, estes resultados poderão indicar que as mulheres através do activismo em torno dos seus direitos, se tornam as principais responsáveis por evitar que elas e outras mulheres sejam assediadas. Poderá ser também uma mistura destas duas e mais outras possibilidades, mas que, infelizmente, não podem ser inferidas com certeza neste inquérito. O mesmo pode ser dito da responsabilização das famílias.

Fica assim patente uma forma de melhoria para este inquérito para o futuro, nomeadamente abrir espaço para que as participantes expliquem as razões por detrás de algumas das suas escolhas. Do mesmo modo, também seria interessante que o próximo inquérito sobre o assédio sexual explorasse os impactos desta prática ou da possibilidade dela acontecer na vida das mulheres e meninas, tanto a nível fisico bem como emocional, psicológico e social. Por exemplo, um inquérito sobre assédio sexual feito pela organização brasileira Think Olga mostra que entre 81% a 90% das mulheres já deixaram de fazer alguma coisa (ir a algum lugar, passar na frente de uma obra, sair a pé) ou trocaram de roupa por medo de serem vitimas de assédio.

Seria também elucidativo saber mais sobre as pessoas, os homens em particular, que praticam os assédios sexuais e o local específico onde os assédios acontecem. Os assédio sexuais dentro dos espaços domésticos ou privados, isto é, dentro de casa ou da família, também mereciam ser explorados numa próxima ocasião, sobretudo dada a prevalência de relatos de mulheres e meninas que são vítimas destes.

Por último, um futuro inquérito seria ainda mais completo se deixasse espaço para que as participantes contem as histórias dos assédios de que foram vítimas. As narrativas feitas na primeira pessoa são sempre bons complementos para os dados agregados porque realçam o aspecto humano e pessoal de cada uma das experiências de assédio sexual, dando-lhes assim profundidade.

Para um primeiro inquérito, este apresenta-nos dados importantes sobre uma realidade que afecta muitas mulheres. Contudo, ficamos com o compromisso de num futuro inquérito sobre assédio sexual aprofundarmos algumas questões e expandirmos a amostra com o objectivo de entendermos melhor a realidade dos assédios sexuais em Angola.

Sobre a autora:

Âurea Mouzinho é investigadora de desenvolvimento social e políticas públicas, activista, e feminista africana. É membra-fundadora e parte do núcleo de coordenação do Ondjango Feminista. Os seus interesses passam pelos chás, literatura africana, teoria e história feminista, e viagens. Encontre-a no Instagram: @dia_luanha.

Foto de Zohra Opoku (Gana), conheça o trabalho da artista aqui.

Fonte: Ondjango feminista.

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