América Latina vive ‘crise do centrismo de seus governos de esquerda’

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Por Charles Nisz. “O modelo socioeconômico que viabilizou a condução de governos de centro-esquerda na América Latina dá sinais de esgotamento”. Assim Emilio Taddei, professor da Universidade de Buenos Aires, resume sua visão sobre as motivações dos protestos ocorridos em diversos países da região desde junho de 2013.

Quem concorda com ele é Carlos Eduardo Martins, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ao afirmar que a esquerda latino-americana enfrenta sua primeira grande crise desde que subiu ao poder com Hugo Chávez, em 1999. “Vivemos uma crise do centrismo desses governos de esquerda”, afirma Martins, para quem na maioria dos países do continente — exceções feitas a Venezuela e Bolívia — os governos progressistas fizeram alianças com setores tradicionais e pouco mexeram nas estruturas sociopolíticas de seus países.

Os dois, Taddei e Martins, junto com o professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) Igor Fuser — menos categórico do que os colegas ao diagnosticar ‘o fim do ciclo’ da esquerda latino-americana —, participaram do debate Política e Sociedade na América Latina, plenária de abertura do VIII Colóquio Marx-Engels, realizado pelo IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) da Unicamp (Universidade de Campinas) entre 14 e 17 de julho.

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Carlos Eduardo Martins, ao aprofundar-se sobre sua leitura da conjuntura política do continente, elenca alguns fatores para ajudar a compreender o fenômeno: a queda do preço das commodities, principalmente do petróleo e ferro; a prioridade dada aos produtos primários na pauta de exportação; e, o não enfrentamento do capital financeiro. “O grande motor econômico dessa ‘esquerda rosa’ foi a China”, resume Martins, ao explicar que o fim do ciclo das commodities tornou mais difícil a sustentação desses governos.

Com a piora do cenário econômico, as massas saíram às ruas em junho de 2013. Segundo Martins, “se a esquerda não disse ao povo quem eram os seus inimigos, a direita disse”. O fato desses governos terem feito a inclusão social pelo consumo, em detrimento de procurar desenvolver um trabalho de politização das massas, explica a forte votação das bancadas conservadoras nas eleições de 2014, segundo o pesquisador carioca.

Desenvolvimentismo ou extrativismo?

O pesquisador argentino Emilio Taddei estuda as relações entre sociedade e meio-ambiente na América Latina. Segundo Taddei, nas últimas duas décadas, houve um reforço na vocação extrativista do continente. “Os conflitos indígenas e por posso de terras são uma amostra dessa relação conflituosa entre desenvolvimento e questões sociais em nossa região”, aponta.

Segundo Taddei, o neodesenvolvimentismo também poderia ser chamado de neoextrativismo. “A maior parte do investimento estrangeiro direto na América Latina foi na área de extração de produtos primários, muitos deles com graves riscos ambientais e sociais. Mesmo o investimento no setor imobiliário é uma vertente da especulação sobre o espaço urbano da América Latina”, ressalta Taddei.

“No Brasil, temos a discussão sobre Belo Monte e o petróleo do pré-sal; na Argentina, sobre a ”Vaca Muerta” — reserva de gás de xisto a ser explorada pela Chevron, mas com riscos de alto dano ambiental. No Equador, há a exploração de uma reserva petrolífera em plena Amazônia”. De acordo com Taddei, os governos progressistas prometeram usar o dinheiro obtido com essa exploração para gerar benefícios sociais, mas, segundo ele, “há limites pela exploração trazida por essa escolha de modelo de desenvolvimento”.

Experiência democrática

Igor Fuser, professor de Relações Internacionais da UFABC, vê a experiência de quase 20 anos de governos de esquerda no continente como um fenômeno único no mundo. “São muitas reeleições em vários países, em eleições limpas e democráticas. Se há um fim de ciclo, como defendem Taddei e Martins, então devemos nos perguntar como ele surgiu”.

Na opinião de Fuser, a longevidade desses governos mostra “acertos políticos, participação de atores populares e uma maior organização do campo da esquerda”. O professor ressalta a inclusão social, a melhora nos indicadores de educação e saúde, além do crescimento econômico como prova do sucesso desse modelo. “A Venezuela é o país com maior percentual de jovens em curso universitário no mundo”, exemplifica.

Ao arriscar uma projeção sobre para onde irá a esquerda latino-americana depois de terminado esse ciclo, Fuser diz: “O novo se constrói em cima do existente, não de um projeto de poder baseado apenas em ideias”. O professor da UFABC relativiza a noção de uma hegemonia de esquerda, principalmente no Brasil. “Conquistou-se apenas o Executivo, o que é muito pouco. O PT, em seu auge, teve apenas 20% do Congresso brasileiro. Os outros poderes e também a mídia hegemônica foram pouco contestados”, diz.

Sobre a questão da consolidação da democracia na região, o colega Emilio Taddei chama a atenção para outro agravante: o ‘terceiro turno’, o prolongamento da disputa eleitoral mesmo após encerrados os pleitos. “Essa é a maneira da direita tentar recuperar o protagonismo político, usando das acusações costumeiras — corrupção, violência, ineficiência da Justiça e do Estado — falhas cometidas também por eles quando estiveram no poder décadas atrás”, afirma Taddei.

Entretanto, para Fuser, um aspecto dessa virada à esquerda permanecerá: o sujeito social desse ciclo progressista continuará atuante. “Essas populações não gostarão de perder as conquistas alcançadas nessas duas décadas e isso dificilmente será revertido em um eventual governo neoliberal após 2018”. Mas Fuser faz um alerta: “Na América Latina, conquistas sociais geralmente foram revertidas com violência, como a ocorrida em ditaduras. A sociedade civil precisa estar atenta”.

Foto: Reprodução/Opera Mundi

Fonte: Opera Mundi

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